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Paulo César Ribeiro Lima
Paulo César Ribeiro Lima é Consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados, ex-engenheiro da Petrobrás e PhD na área de petróleo na Universidade de Cranfield, da Inglaterra.

A ilegalidade das privatizações no sistema Petrobrás

A partir de 1990, as privatizações e desestatizações tiveramcomo base legal o Programa Nacional de Desestatização — PND,com a

Publicado em 26/08/2021
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A partir de 1990, as privatizações e desestatizações tiveram como base legal o Programa Nacional de Desestatização — PND, com a edição da Medida Provisória no 155, de 15 de março de 1990, convertida na Lei no 8.031, de 12 abril de 1990, que foi sucedida pela Lei no 9.491 de 9 de setembro de 1997, promulgada no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A Lei no 9.491/1997 alterou os procedimentos do PND e criou o Conselho Nacional de Desestatização — CND. 

Posteriormente, a Lei no 13.334, de 13 de setembro de 2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos — PPI, deu novo impulso às privatizações. Nos termos dessa Lei, podem integrar o PPI as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização a que se refere a Lei no 9.491/1997. A Lei no 13.334/2016 criou o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República — CPPI, que tem, dentre suas competências, exercer as funções atribuídas ao CND.

Apesar da vigência das Leis no 9.491/1997 e no 13.334/2016, ocorreram e estão ocorrendo no Sistema Petrobrás as principais privatizações do País, sem o cumprimento dessas leis. 

As privatizações na Petrobrás podem ser divididas em duas fases. A primeira teve início em novembro de 2012, com a reestruturação do Programa de Desinvestimentos, até dezembro de 2016. Nessa primeira fase, as privatizações e desinvestimentos ocorreram por meio de procedimentos estabelecidos na chamada "Antiga Sistemática", elaborada com base no Decreto no 2.745, de 24 de agosto de 1998, que, na realidade, somente aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A. — Petrobrás. 

O objetivo do Decreto no 2.745/1998 foi regulamentar o art. 67 da Lei no 9.478/1997, que trata apenas de aquisições de bens e serviços, não dispondo sobre alienações. Importa registrar que esse artigo foi revogado pela Lei no 13.303, de 30 de junho de 2016. Dessa forma, sem licitação, as privatizações no Sistema Petrobrás de 2012 a 2016 totalizaram cerca de US$ 18 bilhões. 

O Tribunal de Contas da União — TCU, com base no Enunciado no 347 da Súmula do Supremo Tribunal Federal — STF, declarou a inconstitucionalidade do Decreto no 2.745/1998, por meio da Decisão no 663/2002–TCU–Plenário. O TCU assim se pronunciou: "(...) a Lei no 9.478/97 não legislou sobre licitações, stricto sensu, deixando tal tarefa a cargo do Decreto; é dizer, a Lei no 9.478/97 não trouxe qualquer dispositivo que dissesse como seriam as licitações processadas pela Petrobrás. Nem ao menos os princípios básicos que deveriam reger os processos licitatórios da estatal constaram da lei. Assim, o Decreto no 2.745/98 inovou no mundo jurídico, ao trazer comandos e princípios que deveriam constar de lei. Pode–se dizer, então, que o Decreto não regulamentou dispositivos: os criou".

Em razão dessa Decisão, o TCU determinou à Petrobrás que deixasse de utilizar o Decreto no 2.745/1998. No ACÓRDÃO no 2811/2012 — TCU — Plenário, o Relator, Ministro Raimundo Carreiro, observou que havia no STF dezenove mandados de segurança, todos com liminares deferidas que suspenderam as determinações do TCU até o julgamento de mérito das respectivas ações judiciais.

De acordo com o Ministro Relator, a estratégia do TCU no sentido de não aguardar o pronunciamento definitivo do STF sobre o assunto estaria provocando o significativo aumento do número de mandados de segurança impetrados pela Petrobrás em face das decisões do TCU que exigiam da Estatal o cumprimento das disposições da Lei no 8.666/1993. Isso ofereceria certo risco de desgaste do TCU perante o STF, tendo em vista a insistência da Corte de Contas na imposição de um entendimento que a Corte Suprema havia suspendido cautelarmente por dezenove vezes.

Segundo o TCU, o procedimento da "Antiga Sistemática" era ilegal por ser baseado no Decreto no 2.745/1998, considerado inadequado para regular matéria reservada à lei stricto sensu, além disso, foi verificado que o processo ocorria sob sigilo, em afronta ao princípio da publicidade.

No entanto, o TCU acabou cometendo o mesmo erro quando da aprovação do ACÓRDÃO no 2811/2012 — TCU — Plenário, que regula matéria reservada à lei.

Outras violações da "Antiga Sistemática", assinaladas pela unidade técnica do TCU — SeinfraPetróleo, seriam: possibilidade de escolha do assessor financeiro sem consulta ao mercado; discricionariedade conferida ao gestor para a escolha de potenciais compradores; possibilidade de restrição do número de participantes de forma arbitrária; permissão para alteração do objeto alienado a qualquer momento, mesmo em etapas avançadas de negociação; e a não condução à deliberação de órgãos diretivos de parcela considerável de atos relacionados à venda, poderia implicar consequências indesejadas ao processo de desinvestimento, macular as diretrizes fundamentais do procedimento licitatório, além de potencializar os riscos de ocorrência de atos ilícitos, como o direcionamento e o ajuste de preços das vendas, de modo similar às práticas vistas na Operação Lava Jato. 

A SeinfraPetróleo assinalou, também, vício de legalidade material da "Antiga Sistemática", ante à ilegitimidade de o Decreto no 2.745/1998 tratar de alienações, haja vista não haver delegação para tanto no dispositivo legal que o fundamentava, art. 67 da Lei no 9.478/1997, que somente se referia a procedimento licitatório simplificado para aquisições de bens e serviços, e não para alienações. No entanto, não foi identificada determinação pelo TCU para que a Petrobrás, no caso de alienações, cumprisse, pelo menos, a Lei no 8.666/1993.

Entre as privatizações realizadas na primeira fase, merecem destaque a privatização da Nova Transportadora do Sudeste — NTS e do Bloco BM–S–8, onde estão localizados os estratégicos prospectos de Carcará e Guanxuma.

Como, nos ter mos do ACÓRDÃO no 442/2017 — TCU — Plenário, o TCU sempre concluiu por classificar as subsidiárias da Petrobrás como sociedades de economia mista, a NTS nem sequer poderia ter sido privatizada, em razão do art. 3o da Lei no 9.491/1997. 

Caso não se julgue adequada essa interpretação relativa ao art. 3o da Lei no 9.491/1997, era fundamental que, pelo menos, houvesse licitação para a privatização de empresas estatais como a NTS. Essa licitação poderia ter ocorrido de acordo com os procedimentos estabelecidos pela própria Lei no 9.491/1997, como ocorreu com a antiga Companhia Vale do Rio Doce, em 1997; com a CELG Distribuição S.A., em 2014; e com a Companhia de Energia do Piauí, em 2018. O TCU também poderia ter determinado que a privatização da NTS ocorresse por meio de licitação pública, com base na Lei no 8.666/1993.

Assim sendo, foi "vendido", sem licitação, um ativo estratégico para a Petrobrás e para o País, a NTS, pelo valor de US$ 4,23 bilhões. Observa–se que nem LEGADOS TRABALHISTAS 88 o TCU nem a Petrobrás consideram a privatização da NTS uma desestatização, nos termos da Lei no 9.491/1997.

Também sem licitação e sem a devida justificativa técnica, foi privatizado o Bloco BM–S–8. Assim como no caso da NTS, pode–se argumentar que o BM–S–8 sequer poderia ser privatizado, em razão do art. 3o da Lei no 9.491/1997. No caso de se admitir a privatização desse Bloco, poderia ter havido por parte do TCU a determinação de que, pelo menos, fosse realizada licitação pública.


Enfim, a Petrobrás valeu–se de uma metodização própria, elaborada à revelia da Carta Magna, de todo o arcabouço legal concernente à alienação e licitação e dos princípios basilares que regem a administração pública.

Por determinação do ACÓRDÃO no 442/2017 — TCU — Plenário, a Petrobrás estabeleceu uma "Nova Sistemática" de desinvestimentos, que está regendo, sem base legal, 32 pro- jetos de privatização. O TCU, de fato, decidiu legislar. Assim, teve início a segunda fase das privatizações ilegais.

Entre esses 32 projetos, desta- cam–se quatro privatizações de subsidiárias no Brasil (Araucária Nitrogenados S.A. — ANSA, Transportadora Associada de Gás S.A. — TAG, Refinarias e infraestrutura de transporte do Nordeste, Refinarias e infraestrutura de transporte do Sul); uma privatização de unidade operacional (Unidade de Fertilizantes Nitrogenados — UFNIII); e 24 privatizações de blocos e campos de petróleo. Esses ativos podem apresentar valor superior a US$ 30 bilhões. 

Estão em curso as vendas das refinarias, dos terminais e dutos associados às refinarias, os gasodutos e muitos campos de petróleo e gás natural, tanto em terra quanto na plataforma continental. Na prática, é como se as atividades da Petrobrás na Região Nordeste estivessem sendo privatizadas. 

Na realidade, as privatizações dos ativos das regiões Nordeste e Sul, e de todas as atividades previstas no art. 177 da Constituição Federal, estão sendo feitas sem autorização legislativa específica, sem licitação e sem considerar o relevante interesse coletivo que levaram a Estatal a exercer essas atividades. São ilegais.

Com o objetivo de legalizar as privatizações, o Poder Executivo Federal editou os Decretos no 9.188/2017 e no 9.355/2018, que estabelecem, respectivamente, procedimentos para venda de ações sem licitação e para venda de direitos de exploração e produção de hidrocarbonetos.

Com relação ao Decreto no 9.188/2017, o Ministro Ricardo Lewandowski no âmbito da ADI 5624 MC/DF assim decidiu:

 "(...) com base no art. 10, § 3o, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, concedo parcialmente a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário deste Supremo Tribunal, para, liminarmente, conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 29, caput, XVIII, da Lei 13.303/2016, afirmando que a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário, bem como que a dispensa de licitação só pode ser aplicada à venda de ações que não importem a perda de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas". 

O artigo 29, XVIII, da Lei no 13.303/2016 estabelece que é dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem. 

Nos termos da decisão do Ministro Ricardo Lewandowski, não estão dispensadas de licitação as vendas de ações que representem a perda do controle acionário por parte do Estado.

Esse era exatamente o caso das privatizações da TAG, ANSA, Subsidiária do Nordeste e Subsidiária do Sul, cujos controles acionários estavam sendo vendidos sem licitação, a partir de procedimento estabelecido pelo ACÓRDÃO no 442/2017 — TCU — Plenário e pelo Decreto no 9.188/2017.

A Petrobrás, no entanto, em afronta a essa decisão do STF, retomou, em janeiro de 2019, essas privatizações. Essa afronta deu origem à Reclamação Constitucional no 33.292, cujo relator é o Ministro Edson Fachin.

Entretanto, mesmo que o STF julgue inconstitucionais os Decretos no 9.188/2017 e no 9.355/2018, a situação pode não ser resolvida, haja vista que a Petrobrás poderia argumentar que suas privatizações têm como "base legal" as determinações previstas no ACÓRDÃO no 442/2017 — TCU — Plenário.

Assim, é esse ACÓRDÃO do TCU que deve ser suspenso pelo STF, para coibir qualquer argumentação por parte da Petrobrás, cujo novo Presidente pretender ampliar o escopo das privatizações. 

O ACÓRDÃO no 442/2017 é Ato do Poder Público que desconsidera os arts. 37, inciso XXI, e 173, § 1°, inciso III, da Constituição Federal que reservaram à lei, stricto sensu, o disciplinamento das privatizações e dos procedimentos licitatórios efetuados pela Administração Pública.

Por isso, pode ser questionado por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 

Ressalte–se, ainda, que o STF admite controle concentrado de  constitucionalidade de políticas públicas quando estas violarem direitos de forma evidente e arbitrária. As privatizações e desinvestimentos da Petrobrás feitas com base na "Nova Sistemática" representam, de fato, políticas públicas arbitrárias e ilegais. 

Como as Leis no 9.491/1997 e no 13.334/2016 foram desconsideradas, caberia Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a "Nova Sistemática", que pode ser considerada um ato normativo por meio do qual estão em curso projetos de privatização que poderão ultrapassar US$ 30 bilhões.

Também caberia impetração de Mandado de Segurança, com pedido liminar, contra o ato do TCU que, mediante ACÓRDÃO no 442/2017 — TCU — Plenário, determinou à Petrobrás que aplicas-se aos projetos de desinvestimento a versão da sistemática aprovada pela Diretoria Executiva em 23 de janeiro de 2017, em vez de determinar o cumprimento das Leis no 9.491/1997, no 13.334/2016 e no 13.303/2016. 

Em suma, de acordo com o TCU, uma das irregularidades da "Antiga Sistemática" era ser baseada no Decreto no 2.745/1998, considerado inadequado para regular alienações, matéria reservada à lei stricto sensu. No entanto, é ilegal, da mesma forma, o TCU "legislar" sobre esse tipo de matéria, como ocorreu no ACÓRDÃO no 442/2017 — TCU — Plenário. Assim, o TCU usurpa a competência do Congresso Nacional e permite que um amplo programa de privatizações seja decidido unicamente pelos dirigentes da Petrobrás. 

As ações da União e de entes federais que compõem parcela do capital social da Petrobrás e subsidiárias são, na realidade, patrimônio de todo cidadão brasileiro, que está sendo vendido ilegal e inconstitucionalmente pela Petrobrás, com respaldo do Tribunal de Contas da União, mas sem amparo legal e em afronta à decisão cautelar do Ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal.

PAULO CÉSAR RIBEIRO LIMA, PhD

Fonte: Legados Trabalhistas

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