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Roberto Amaral

Crônica do império em declínio

A diferença entre o Partido Republicano e o Democrata é a que se identifica entre irmãos siameses

Publicado em 29/07/2024
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Para Charles Pessanha, in memoria
“Na história dos EUA, democratas e republicanos cerraram fileiras para defender o imperialismo” - Claudia de la Cruz, candidata socialista à presidência dos EUA

A comédia do presidencialismo nos EUA transita do quase burlesco, como o debate do 27 de junho, à tragédia do último 13 de julho. Consumado com êxito, o atentado, ainda que lamentável, seria, apenas, mais um homicídio político, curial naquele país, como o que antes abateu o senador democrata Robert Kennedy, igualmente em campanha pela Casa Branca. A violência política não tem caráter.

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Desta feita, a competência que não faltou a Lee Oswald fugiu da mira do jovem Thomas Matthew Crooks, livrando a história estadunidense de mais um trauma, algo que se dirá natural, ou lógico, em sociedade e nação construídas e sustentadas pela violência interna, que leva para fora de seus limites sua essência constitutiva: a violência larvar, a violência do dia a dia e a violência estritamente política; a violência social, a violência interpessoal e intergrupos. A violência racial e a violência nas relações com outros povos, a partir da autoconvicção paranoide de sua superioridade, e de seu dever, derivado dessa alucinação, de impor-se a todo o mundo como matriz, assim como a fé era levada aos ímpios pelas espadas sagradas dos cruzados: a ferro e fogo.

Consideremos um recorte de suas disputas políticas: quatro presidentes assassinados (Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley e John Kennedy); dois presidentes vítimas de atentados (Ronald Reagan e Theodore Roosevelt, este antes de tomar posse); um candidato à presidência assassinado (Robert Kennedy) e, dentre as muitas personalidades abatidas a tiros, Martin Luther King e Malcolm X. Nesta lista se insere, agora, Donald Trump, sobrevivente como Reagan, seu colega de partido e irmão no reacionarismo.

Enquanto Biden, em cena aberta, se reconhecia como ator sem enredo e sem “ponto”, o oponente se consagrava no papel de grande bufão. Nos gestos, nas falas, nas propostas, como na truculência. Nessa arte ele é imbatível. O aparentemente inexplicado é que o candidato dos ricos expressa a alma perena do americano comum, assustado com a decadência do país, que lhe haviam ensinado na escola, no serviço militar e na igreja haver sido escolhido por Deus para ser uma nova Canaã: a maior, a mais rica e poderosa nação do mundo. Por isso Trump é um candidato perigoso, como perigoso se revelou o vice que tirou do colete, para quem a essência da alma americana está em um fuzil. Aqui, gente também desprezível diz o mesmo, com igual desenvoltura e igual sucesso, inclusive nos palcos das corporações neopentecostais.

Apesar de tudo, não há nada de novo no front, pois quase nada muda naquele país, qualquer que seja o partido no governo. Persiste a política de expansão imperialista, motivada pela própria formação histórica, mas alimentada pelo complexo industrial-militar, que precisa de guerra para sobreviver.

A diferença entre o Partido Republicano e o Democrata é a que se identifica entre irmãos siameses. O mesmo se aplica a seus líderes na Casa Branca. Foi o democrata Harry Truman que em 1945 lançou duas bombas atômicas sobre a população civil de um Japão já derrotado; foi ele ainda quem criou a chamada Guerra da Coreia (um morticínio ainda muito pouco comentado), enquanto o republicano Dwight Eisenhower negociou o dúbio armistício. Foi o democrata Lyndon B. Johnson quem deu início à invasão do Vietnã, enquanto ao republicano Richard Nixon coube negociar a paz. Os democratas John Kennedy (que conduziu a fracassada invasão de Cuba) e o mesmo Lyndon Johnson, seu sucessor, articularam o golpe militar no Brasil, em 1964, enquanto o republicano Nixon dirigiu a derrubada de Allende no Chile.

Joe Biden, democrata, a quem a humanidade deve haver derrotado Trump, como devemos a Lula a derrota de Bolsonaro, vitórias e derrotas que se equivalem, iniciou a retórica beligerante contra a Rússia e a China, a quem impôs seguidas restrições comerciais e embargos tecnológicos. É o principal fornecedor de recursos e armas para a Ucrânia e para o sionismo israelense. É sua política que dá sustentação ao governo criminoso de Benjamin Netanyahu, portanto à guerra de agressão e extermínio povo palestino, ora em curso, e sem indicação de termo. Trump, em seu quatriênio, provocou o quanto pôde o governo chinês, que seu candidato a vice anuncia como o novo “inimigo número um” dos EUA. Todos os presidentes americanos, democratas e republicanos, de John F. Kennedy a Biden, passando pela dinastia Bush, tentam sufocar o povo cubano, num cerco covarde que chega às raias do genocídio.

Em que se diferenciam esses partidos para supormos que uma administração democrata, com Joe Biden ou Kamala Harris, nos poderia e pode ser mais favorável?
O presidente Lula se entendeu muito bem com o republicano George W. Bush (chegaram mesmo a desenvolver um certo grau de amizade), e terminou seu governo dizendo-se traído por Barack Obama, o presidente democrata cujo governo instalou escutas no gabinete da presidente Dilma Rousseff e invadiu os computadores da Petrobrás.

Kamala – nas circunstâncias do doloroso declínio cognitivo de Biden –, será melhor candidata, mas nada nos assegura que será também melhor presidente, e nada nos diz que estará à esquerda do presidente. É mulher e negra, de origem indiana, o que é relevante como simbolismo – mas é pouco, visto que identidade não define ideologia, nem linha política. Mulher e negra, mas reacionária, era Condoleezza Rice, Conselheira de Segurança Nacional e Secretária de Estado nos dois governos do republicano George W. Bush, que destroçou o Iraque, a partir da sabidamente falsa acusação de armas atômicas na posse de Saddam Hussein. Mulher (branca) e imigrante era Madeleine Albright, Secretária de Estado no governo do democrata Bill Clinton. Uma facínora.

Política provinciana, Harris destacou-se como procuradora linha-dura, que deu sua parcela de contribuição para o massivo encarceramento de negros em seu país; seu mandato como senadora foi de pouco lustro e, contrariando as esperanças nela depositadas, foi uma vice-presidente apagada. Admite-se, até, que tenha sido propositalmente apagada pelo establishment democrata, fechado a mudanças. No contraponto, o currículo de Trump é explosivo. Neofascista, abertamente racista, negacionista climático, responde a processos como estelionatário e sonegador de impostos, e foi condenado por estupro. É, ademais, mitômano. Retornando à presidência, transformará os EUA em instrumento de articulação da extrema-direita em todo o mundo e consolidará a transição do capitalismo monopolista financeiro em capitalismo de guerra. No Brasil será saudado pela súcia bolsariana, incluído o partido militar.

Nesse quadro, uma torcida sensata pelo êxito da oponente se justifica.

Mas a questão de natureza fundamental, e aquela que mais nos diz respeito, é a batalha ideológica, tanto mais necessária quando assistimos ao crescimento da extrema-direita aqui e alhures. Lá e cá, país diretor e país dependente (como na Europa e noutros países da América do Sul), a direita semeia a tensão no terreno arado pelo fracasso dos governos social-democratas e de centro-esquerda no enfrentamento dos desafios da crise estrutural do capitalismo, em mundo econômica, política e ciberneticamente globalizado.

A insegurança econômica é um dos vetores da erosão da classe média, às voltas com a crise do trabalho (a revolução tecnológica é fator essencial, mas não único para a crise), a concentração de renda e a violência, para a qual, dentro do capitalismo, a esquerda não conseguiu formular uma política, para além da necessária defesa dos direitos humanos. A esfinge a decifrar: por que o discurso protofascista vem a ser assimilado – em países de formações político-sociais e econômicas tão distintas –, pelas vítimas da hegemonia capitalista, geradora das disfunções econômicas e sociais? São hoje eleitores de Trump e Le Pen, há pouco votaram em Bolsonaro e Javier Milei. Lá trás, os explorados de sempre foram eleitores de Mussolini e Hitler, caminhndo nas mesmas fileiras da alta burguesia industrial e financeira.

A história mostra que o recuo, às vezes uma tática necessária, não pode ser uma estratégia e, ainda mais, que o projeto eleitoral não pode desapartar-se do dever doutrinário. Uma vez mais vale estudar a experiência recente da esquerda francesa, que, a partir de sua unidade, valeu-se do debate ideológico (a denúncia do capitalismoe a apresentação de programa alternativo) e conquistou a vitória eleitoral conhecida, quando, entre nós, as forças majoritárias da esquerda limaram de seu dicionário o socialismo.

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Luciano Seixas Chagas
Luciano Seixas Chagas
11 de abril de 2024 18:47

Cometi um equívoco pois as 2 descobertas foram no RN e não em PE. Pior é que eu sei. O teto está mantido com o meu pedido de desculpas. Agradeço ao Milton Mendes por ter… Ler mais »

Malboro
Malboro
12 de abril de 2024 08:56

Parabém pela excelente matéria, professor Luciano Seixas. A celeuma do IBAMA com relação ao impacto ambiental com a atividade petrolífera (exploratória e explotatória, quem sabe no futuro) na margem equatorial, cai por terra quando as… Ler mais »

Francisco Eduardo Almada Prado
Francisco Eduardo Almada Prado
12 de abril de 2024 05:29

Gostei muito das explicações, Luciano Seixas . E sei bem como o mercado distorce as informações e gera opiniões a favor e contra empresas e eventos , para manipular investidores.

Francisco Fortes Filho
Francisco Fortes Filho
Responder a  Francisco Eduardo Almada Prado
16 de abril de 2024 17:29

O pior é que assistimos impassivos a destruição de nossos biomas, do Pampa ao Pantanal, da Mata Atlântica ao Cerrado, da Amazônia à Caatinga, esta, nosso bioma mais ameaçado. Assistimos impasivos às queimadas em um… Ler mais »

Roberto de Carvalho Costa
Roberto de Carvalho Costa
17 de abril de 2024 03:04

Excelente artigo porem eu gostaria de incluir um aspecto fundamental : É preciso perfurar com a broca e testar essa pseudo – riqueza. com. a realidade. CONCRETA da broca perfurando o reservatório. A Petrobrás se… Ler mais »

J . M. RIBEIRO
J . M. RIBEIRO
16 de abril de 2024 19:52

A PETROBRAS É GRANDE VAMOS TORNA-LO MAIOR, COLOCANDO EMPREGADOS COMPROMETIDOS COM BOM CRESCIMENTO PARA GRANDES GESTORES DA EMPRESA.

Antonio Castro Ferraz
Antonio Castro Ferraz
16 de abril de 2024 10:37

O Brasil precisa sim ser descoberto. Temos riquezas ainda não exploradas e precisa ir em buscas delas, para o desenvolvimento da nossa pátria e através disto melhorar a vida de todos.

José
José
16 de abril de 2024 10:37

Artigo bem posicionado. Muito a fazer antes que tenhamos uma nova fronteira.

Carlos Alberto Gomes dos Santos
Carlos Alberto Gomes dos Santos
13 de abril de 2024 18:29

Conhecimento formidável!! 👏👏👏👏👏

Milton
Milton
12 de abril de 2024 16:06

O IBAMA Precisa liberar a pesquisa aqui na foz do Amazonas, muito importante para os estados AP,PA,MA… que foi indeferido em maio de 2023.

Sérgio Augusto Gravello
Sérgio Augusto Gravello
12 de abril de 2024 13:23

“Como o dano é inevitável é fundamental que o mitiguemos com tecnologia, sem argumentações falsas ou não comprovadas cientificamente, feitas principalmente por cientistas e ONGs que escondem seus patrocinadores.” O óbvio negado e desinformado pela… Ler mais »

Octavio
Octavio
18 de abril de 2024 16:49

Muito obrigado pelos esclarecimentos!
Octavio Gouveia
Ex REDUC

Hildebrando Melo de Maria
Hildebrando Melo de Maria
17 de abril de 2024 21:16

Parabéns professor muito esclarecedor a sua aula gostaria de saber porque na paraiba não foi descoberto petróleo no mar

Luciano Seixas Chagas
Luciano Seixas Chagas
Responder a  Hildebrando Melo de Maria
19 de abril de 2024 06:49

A Paraíba tem boas chances no mar profundo como também Pernambuco, similar. Faltam, ao meu ver, mais aquisição sísmica para identificação de Leeds e oxalá Prospectos de qualidade.

Márcio Silva
Márcio Silva
16 de abril de 2024 10:43

Professor, existe uma conexão entre o campo de Mero/Libra e os campos de Alagoas?

Luciano Seixas Chagas
Luciano Seixas Chagas
Responder a  Márcio Silva
16 de abril de 2024 18:36

Pode existir semelhanças mas a conexão física é quase impossível. Já em termos de alguns contextos temporal e geológico, sim . Como Mero/Libra tem litosfera mais estirada ou maior tamanho a arquitetura deposicional é diferente.

Pedro Neto
Pedro Neto
15 de abril de 2024 18:48

Excelente aula Luciano.

Jorge Márcio Rodrigues Mendes
Jorge Márcio Rodrigues Mendes
15 de abril de 2024 16:02

O Brasil que deu certo, precisa continuar. A Petrobrás sem as amarras, navegará pela águas equatoriais nos trazendo ótimas noticias…

Jacob Binsztok
Jacob Binsztok
14 de abril de 2024 18:48

Excelentes e ponderados comentários sobra a exploração de petróleo na margem equatorial.

Paulo Machado
Paulo Machado
12 de abril de 2024 11:20

Uma excelente aula de geologia do petróleo.

OSCAR HUGO WEIDMANN
OSCAR HUGO WEIDMANN
12 de abril de 2024 10:32

Parabéns, Luciano…muito lúcido

Rosivaldo Ribeiro
Rosivaldo Ribeiro
12 de abril de 2024 08:49

Enquanto tivermos profissionais de excelência reconhecida e comprometidos com informar a verdade técnica, poderemos com mais facilidade enxergar os erros com propósito ou não, da mídia local e estrangeira.

Atento
Atento
12 de abril de 2024 11:25

O problema dos combustíveis fósseis não se resume numa corrente [ideológica]. É uma constatação comprovada de que a energia gerada desta forma é barata (se comparada com as demais) mas não é boa, pois provoca… Ler mais »

Luciano Seixas Chagas
Luciano Seixas Chagas
Responder a  Atento
16 de abril de 2024 20:12

O que vc disse, Atento, merece toda atenção. O problema é que as fontes atuais ditas limpas são energias dissipadas que precisam ser contratadas para serem, depois, distribuídas, enquanto as fósseis e nucleares teoricamente já… Ler mais »

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