Hugo Dionísio
Hugo Dionísio
Jurista, Técnico Superior em Segurança e Saúde do Trabalho (SST), Formador. Gabinete de Estudos da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN).

Killary inaugura uma nova fase na repressão do povo americano

Nenhuma repressão acontece sem motivo

Publicado em 19/09/2024
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 – É sempre o repressor quem decide o motivo da repressão. Sempre.
Hugo Dionísio [*]

 

Hillary Clinton, num tête a tête com Rachel Medow (programa Rachel One-to-One na MSNBC) que assume bem o posto de rainha dos propagandistas russófobos e principal propagadora mainstream do infame “russiagate”, vem admitir a promoção de acusações criminais contra americanos que propagam “desinformação” russa.

A própria Hillary Clinton tem enormes responsabilidades no que a desinformação diz respeito, refira-se, uma vez que foi no seu círculo pessoal que se projetou o “russiagate” e toda uma estratégia de diabolização da Rússia estão mudando a União Europeia desta potência euroasiática. Embora, à data, não fosse ainda tão transparente, esta estratégia de acusação da Federação Russa de querer “interferir” nas democracias ocidentais – como se os EUA não fossem monopolistas disso mesmo – representava já o resultado do que podemos chamar de “novo normal” político ideológico: a “normalidade” em que os partidos do centro se unem numa só massa monolítica e coesa de princípios, valores e objetivos. À data, já o Partido Democrata representava Wall Street e todo o complexo militar industrial, como o fazia os mais fervorosos neoconservadores, que muita gente pensava estar apenas no Partido Republicano.

O apoio de figuras como Dick Cheney, acompanhado de um apoio massivo de 238 neoconservadores, antigos “staffers” de George W. Bush, McCain e Mitt Romney, referindo-se a Kamala Harris como uma “salvadora da democracia”, demonstra claramente a abrangência do partido democrata junto da classe dominante. Não se deixe enganar, para esta gente, muitos deles genocidas da pior espécie, responsáveis ​​por crimes como o das “armas de destruição massiva” no Iraque, responsáveis ​​pelas guerras eternas como no Afeganistão, não se trata de “salvar a democracia”. Trata-se de obrigações o plano de recuperação da hegemonia mundial. Como tudo o que essa recuperação pode significar. Trump, para já, ameaça esse projeto, fingindo virar-se para dentro. Veremos o que fará quando constatarmos que nada do que possa fazer travará a perda do domínio norte-americano no mundo.

Agora, se existe alguém com culpa na escalada que está destruindo a Europa, essa pessoa é Hillary Clinton. No reinado de seu marido (Bill Clinton), entre saxofones e adúlteros, o Partido Democrata não apenas se vendeu em Wall Street, iniciando um processo em que com o tempo passou a reunir tantos doadores corporativos (PACS's) como o partido Republicano, demonstrando o jogo da generalidade das corporações em dois tabuleiros. Só o fazem porque acreditam que os dois respondem aos seus interesses. A verdade é que o partido democrata recolhe doadores individuais de importantes multimilionários como Michael Bloomberg.

O papel do Partido Democrata como instrumento de domínio antidemocrático sofre súbita importância na era Clinton, como quando, em 1996, destruiu a Lei da Imprensa de Roosevelt (Lei das Telecomunicações), que impediu o que aconteceu depois e que constatamos hoje: a concentração da média mainstream em meia dúzia de grandes conglomerados que se cartelizam e criam uma narrativa comum. Tudo sob a bandeira da “liberalização dos mercados dos meios de comunicação”, que acabou com as operadoras mais pequenas, acusadas de terem “monopólios locais”. A desregulação convertida ao domínio dos meios de comunicação por meia dúzia de grandes conglomerados.

Ou seja, foi com Hillary e o Partido Democrata e depois com o “Patriot Act” já com Bush Jr, que os EUA perderam a liberdade de imprensa, a privacidade e a liberdade de oposição, abrindo a porta à tortura e à vigilância massiva respaldada na “ luta contra o terror”. Foi uma era da legitimação do poder através da vitimização.

À data, o Partido Democrata dividiu-se, mas ainda tinha 45 resistências à lógica da guerra eterna. Quando chegamos a 2022 e à Ucrânia, este número já foi reduzido vantajosamente. Hoje, é mais comum assistirmos às resistências do lado republicano, do que do lado democrata, para se ter uma noção do impacto causado ao Comité Nacional Democrata.

Provando que a repressão nunca começa com a cabeça no cepo, sendo antes resultado de um processo em escalada, que visa responder a uma crise, também nos EUA – e na Europa – a perda da elasticidade democrática e o consequente endurecimento ideológico tem sido progressivo. Novamente, tal como em 9/11 de 2001, os EUA planejaram com a Ucrânia uma nova forma de legitimação através da vitimização. Contudo, falta aos EUA o capital mundial de confiança, cuja manipulação acompanha a perda de influência, respondendo à crescente repressão à perda da hegemonia mundial. A repressão é assim um “tocar a reunião” para impedir a progressão da crise.

A crescente desagregação do dólar – que nem os próprios já conseguiram disfarçar – , com Trump a propor uma medida (100% em produtos que não usam dólar), aliada à crescente descredibilização e desmontagem, por cada vez mais países, do seu soft power (média, Think Tank e academia), bem como o surgimento de um concorrente de luxo, que assume o lugar que sempre teve na história, deslocando, novamente, para a Ásia, o centro da economia mundial, traz aos EUA uma realidade em que, caso percam a Europa e o domínio que sobre ela têm, não apenas isolados fiquem da “heartland” (Emanuel Todd pensava que tal aconteceria na primeira década do século XXI, mas o wokismo e a concentração republicana e democrata num bloco de poder unificado consegue mitigar a situação por algum tempo), como ficam relegados ao seu pior terror, a descida para um patamar de potência regional.

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Para já, não surge uma única notícia na imprensa ocidental mainstream sobre a adopção do BRICS Pay ou do facto de, em Outubro, em Kazan, 126 países irem discutir o fim da sua dependência do dólar. Nestes países concentra-se 85% da população mundial. Se isto não é notícia suficiente para um simples rodapé… A inocuidade ou a vantagem sistêmica, passou a ser a característica fundamental da atividade noticiosa.

Apesar de todos estes desenvolvimentos e a sua previsibilidade já em 2022, infelizmente, apenas uma percentagem ínfima de pessoas viu em que consistia, na verdade, o conflito ucraniano. Historicamente, a relação Euroasiática constitui a pior das ameaças para o hegemonismo dos EUA. A Rússia e as relações entre a Europa Ocidental e o Leste são uma peça chave. Há que separá-los. Contudo, a separação humana não resiste à conexão geográfica e, acima de tudo, à necessidade mútua. Essas serão, a meu ver, inexoráveis. Até ao domínio ocidental, pela força bruta, a partir dos séculos XV-XVI, o mundo sempre foi multipolar. É para lá que está a voltar, novamente.

Para impedir, a estratégia assenta, ainda e sempre, na diabolização e isolamento da Rússia. Há que impedem a conexão intercontinental Europa, Ásia, África. Face à incapacidade e à impossibilidade de tudo o que se caracteriza como “propaganda do Kremlin” quando os fatos não se ajeitam à narrativa oficial, Hillary propõe agora uma nova fase no controlo das mentes. Também os nazistas perceberam a importância deste vasto país para o domínio do mundo.

Questionei-me muitas vezes quando começariam, no ocidente, a prender as pessoas por falarem “propaganda”, agora do Kremlin, amanhã de qualquer outra coisa considerada inoportuna, para quem comanda. Como num qualquer estado fascista. Já o tinha escrito diversas vezes, alertando para o facto de que as características materiais (económicas, políticas e sociais), do regime em que vivemos, constituírem o tipo de realidade que forma os regimes que se podem designar por “fascistas”: o momento mais alto do nível de concentração de riqueza numa oligarquia dominante, que usa o poder adquirido para aumentar ainda mais a concentração e que apresenta a resistência das massas à destruição do seu bem estar, usa a repressão para as conter.

Os mais incautos, vendidos, reacionários ou iludidos, incapazes de reconhecer na história o seu movimento, a relação dialética entre a realidade e a ação humana, acreditavam que o fascismo não voltaria. Que vivíamos em democracia e que, votando, tudo estaria garantido. No fascismo vota-se, nas constituições fascistas também se falam em democracia. O fascismo é apenas uma fase, mais agressiva, do processo de concentração da riqueza, com os efeitos que tal provoca na vida política, enquanto espelho das relações sociais que lhe estão subjacentes. Alguns ainda acham que vivem na mesma fase do regime em que viveram há 20 anos, mesmo que a estrutura de redistribuição da riqueza tenha sido alterada radicalmente. Como se a concentração de maior poder, numa classe dominante – e com cada vez maior domínio – não mudasse nada na política.

Como se a política não fosse o espelho das relações materiais que estão na sua origem! A fase fascista inaugura também a fase mais grave da crise capitalista, reproduzida, neste nosso tempo, na crise da hegemonia do sistema económico neoliberal liderada pelos EUA. Como muito bem demonstra Mathew C. Klein e Michael Pettis no seu excelente livro “Trade Wars are Class Wars”, a guerra comercial EUA-China é também o resultado da luta de classes.

Hillary vem dar o mais político – e teórico – para o início do processo repressivo em que se agrava a luta do povo contra a classe dominante. O controle dos meios de comunicação, censura nas redes sociais, vigilância em massa de cada telefone, computador, televisão ou eletrodoméstico, tudo a fluir para as redes neuronais da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA), fazendo o profiling, predizendo e prevendo comportamentos, não foram suficientes para impedir a manipulação da “dominância de espectro total”, doutrina que desde a segunda guerra mundial constituiu o guia da “liderança mundial dos EUA”.

Depois de Jack Rubin culpar a RT pelo fracasso do projeto ucraniano (que melhores assunções da artificialidade desses conflitos relacionados?), vem agora Killary propôr o próximo passo: prender os que dizem a ver cara! Os EUA falham em criar uma falsa Palestina (Ucrânia) e um falso Israel (Federação Russa), prevendo para a Rússia o tratamento mundial que impedem para Israel, e culpam a RT. A culpa não é da realidade, não é da falácia da narrativa. A culpa é de quem a desmonta.

Poderiam me dizer “ah! mas é propaganda do Kremlin”! Mas quem decidiu o que é ou não é “propaganda do Kremlin”? Quando os comunistas, progressistas e outros democratas, durante a noite fascista denunciaram a repressão, “tratava-se de propaganda comunista”, quando denunciaram a pobreza, a fome, a miséria e o analfabetismo “era propaganda comunista”. É sempre o repressor quem decide o motivo da repressão. Sempre.

E nenhuma repressão acontece sem motivo, de forma injustificada ou gratuita. Todos assumem como melhores interesses do mundo, quando respondem, a uma crise profunda, com os instrumentos da repressão. E os EUA são quem melhor narra as suas “boas interessadas”… Contudo, como diz o povo: “De boas intenções está o diabo cheio”.

17/Setembro/2024

Ver também: O caminho pedregoso para a desdolarização, Sergei Glazyev [*] Jurista.

O original encontra-se em Strategic-culture.su/news/2024/09/17/killary-inaugura-uma-nova-fase-na-repressao-do-povo-americano/

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Publicado em 09/03/2023

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