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Carlos Drummond

O governo chinês parece empenhar-se mais do que o dos EUA no fortalecimento de laços econômicos

Aliança com Brasil é estratégica

Publicado em 17/01/2023
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Em disputa global acirrada nas frentes comercial e tecnológica, EUA e China chegaram emparelhados nos acenos a Lula. Joe Biden foi um dos primeiros chefes de Estado a parabenizá-lo pela vitória nas eleições de outubro. Xi Jinping foi um dos primeiros a telefonar para o novo presidente do Brasil. No domingo 8, diante do ataque terrorista da extrema-direita a Brasília, ambos prestaram solidariedade. Mas, a julgar pelo que se viu quando da posse do petista, a China largou com alguma vantagem.

Depois de acenar com a possibilidade de enviar a vice-presidente Kamala Harris à cerimônia, Biden se fez representar por um time do segundo escalão. Liderado por Deb Haaland, secretária do Interior dos EUA, o grupo foi integrado também por Douglas Koneff, encarregado de Negócios da embaixada em Brasília, a mais alta autoridade estadunidense no País, e Juan González, assistente especial do presidente e diretor sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental. Uma comitiva pouco empolgante. A China, ao contrário, prestigiou o evento com uma delegação de alto nível e forte perfil econômico. A comissão liderada pelo vice-presidente Wang Qishan e integrada por três vice-ministros, das Relações Exteriores, do Comércio e da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, deixou clara a disposição para fortalecer os laços econômicos com o Brasil.

A delegação que Biden selecionou para a posse de Lula tinha atores menos importantes que os da China. A movimentação chinesa contrasta com a postura vacilante dos EUA, que há anos perde terreno nas relações econômicas para o seu maior rival, e não somente no País, mas no conjunto da América Latina. Por todo o continente, salta aos olhos o expressivo crescimento dos investimentos da China, sobretudo nas áreas energética e de infraestrutura. "A principal sinalização de uma delegação liderada por Wang Qishan é de interesse na relação entre o Brasil e a China, de ênfase no caráter estratégico dessa relação", sublinha Larissa Wachholz, sócia da assessoria financeira Vallya, responsável pela assessoria estratégica de transações com a nação asiática em setores como energia, infraestrutura, máquinas e equipamentos.

Mestre em Estudos Contemporâneos da China pela Universidade de Renmin e com especializações em Relações Internacionais e em Finanças na Universidade de Pequim e na London School of Economics, Wachholz destaca o fato de Qishan ser uma "figura política muito relevante" dentro do contexto político chinês, além de representar seu país na Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Nessa comissão, ambos os países são representados pelos seus vice-presidentes.

Cabe ressaltar a entrega, por Qishan, de uma carta do presidente Jinping com cumprimentos a Lula e votos por uma ampliação da cooperação entre Brasil e China. A Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, também presente na delegação chinesa, é um órgão central dentro da visão de planejamento da China, responsável pelos planos quinquenais de desenvolvimento que o país cria a cada cinco anos, com dimensão nacional e também para setores específicos. "O fato de esse organismo integrar a delegação é uma sinalização bastante relevante de uma visão estratégica para esse relacionamento", destaca Wachholz.

Com pouco destaque na imprensa brasileira, o peso político e econômico da delegação enviada por Pequim foi, porém, ressaltado na mídia chinesa e em meios de comunicação internacionais especializados em economia. Com o título "Laços mais fortes e cooperação com a China são esperados com o retorno de Lula à Presidência", o China Daily publicou ampla reportagem ainda no domingo da posse. O jornal destacou a expectativa de um fortalecimento da cooperação entre a China e os países da América Latina e Caribe, capaz de "promover a prosperidade comum".

Em seu discurso de posse, Lula comprometeu-se com a busca de uma diplomacia multilateral e o desenvolvimento ativo de laços de cooperação com a China, a União Europeia e outros parceiros internacionais. Ressaltou ainda a importância dos blocos do Mercosul e do BRICS, a reunir Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Em relação ao BRICS, a expectativa é de que, com Lula no poder, haja uma revitalização do grupo que os EUA combatem por temerem um desequilíbrio do balanço de forças global.

O fato de o vice-presidente Geraldo Alckmin ser também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e representante do Brasil na Cosban alimenta expectativas quanto ao desenvolvimento de uma parceria com o Brasil no setor industrial em novas bases. Alckmin comprometeu-se com a reindustrialização e o desenvolvimento sustentável. Espera-se que as relações com a China nessa área não permaneçam restritas à manutenção de um amplo espaço para importações de manufaturados e de bens intermediários a indústrias chinesas e à exportação de produtos primários brasileiros. O País necessita de um esforço conjunto, inclusive no sentido de transferência de tecnologia, para viabilizar a sustentabilidade de um aumento do salário médio, processo para o qual o desenvolvimento da indústria é indispensável, segundo demonstra a história econômica dos países avançados e dos emergentes bem-sucedidos.

O fato de Alckmin também ser ministro da Indústria alimenta a expectativa de uma parceria com os chineses no setor.

"Considero oportuna e possível uma parceria industrial Brasil-China em alto nível. A China passa por um momento muito importante de transformação das suas bases industriais, sobretudo a partir do momento em que ela firmou compromissos a respeito da transição energética, com neutralidade de carbono até 2060", observa Wachholz. Segundo a especialista, a transição energética de todas as novas indústrias, bem como o aumento da demanda por minerais estratégicos para baterias de carros e turbinas eólicas, coloca, na relação entre os dois países, um elemento a mais de interesse para o estabelecimento de uma base industrial voltada para esses segmentos e que possa, a partir do Brasil, criar uma estrutura exportadora para outros países da região.

"O parque industrial chinês busca investimentos no exterior e o Brasil poderia ser uma base. Há uma preocupação não só econômica, mas também ambiental, com a redução das distâncias de transporte de mercadorias de uma região a outra, portanto faz sentido aproximar o mercado produtor do mercado consumidor na região da América Latina." O Brasil, prossegue Wachholz, acaba sendo um destino mais óbvio para esses investimentos, não só pela presença aqui de recursos naturais, que são necessários para essas indústrias, mas devido também às grandes dimensões do nosso mercado consumidor. Essas são razões que colocam o Brasil de fato no mapa, como alvo dos investimentos das empresas.

Nos últimos anos, o País foi um receptor muito importante dos fluxos de investimento direto das empresas chinesas, mas pode ampliar essa condição. "Sobretudo, porque o estoque do investimento chinês no mundo ainda é bastante baixo, quando comparado ao estoque dos países desenvolvidos perante o seu PIB. Dados da Unctad mostram que o estoque de investimento da China no mundo é pequeno diante da circunstância de ser a China a segunda maior economia do mundo", sublinha Wachholz

Há, portanto, um grande potencial para aumentar os investimentos diretos da China e o Brasil reúne condições para se manter como receptor relevante desses fluxos, o que é positivo para o nosso país, sobretudo nesse viés de preocupação ambiental com sustentabilidade. "A transição energética vai criar uma série de demandas, diversas novas indústrias e nos obrigará a repensar um conjunto de práticas industriais."

O poder da transformação digital dentro da indústria é outro fator importante, acrescenta a especialista. A China é uma das líderes mundiais nessa área, tem grandes empresas que trabalham com inteligência artificial, tecnologias digitais e armazenamento de informações em nuvem. Isso a credencia como parceira relevante, não apenas no movimento de transição energética, mas também na transição digital, com todas as consequências que isso trará para a formatação de parques industriais no mundo.

Um caso exemplar de relação econômica com a China mais benéfica ao Brasil do que a simples condição de exportador de produtos primários e importador de industrializados é o da BYD, de Shenzhen, a maior produtora mundial de carros elétricos, estruturada segundo os novos padrões de sustentabilidade e economia de baixo carbono. A empresa chegou ao Brasil em 2015, quando inaugurou sua primeira fábrica de montagem de ônibus elétricos, em Campinas, no interior de São Paulo. Hoje produz também empilhadeiras, vans, caminhões, furgões e automóveis elétricos, módulos fotovoltaicos, baterias de fosfato de ferro-lítio e é responsável por projetos de monotrilho em Salvador e em São Paulo. Em 2021, começou a produzir automóveis de passeio no País e, no ano passado, lançou o seu segundo modelo elétrico, o sedã de luxo Han EV.

Com Lula, espera-se a rápida superação do passado recente de ofensas da equipe de Bolsonaro à China:

"O caso da BYD foge um pouco do perfil setorial das relações bilaterais, bastante concentrado em setores intensivos em recursos naturais, tanto do ponto de vista de comércio quanto no que se refere aos investimentos diretos e abre uma frente interessante para debater como as relações com a China, desde que organizadas em torno de uma estratégia de longo prazo por parte do Brasil, podem e deveriam ir além do perfil estabelecido de relações bilaterais, de troca de matérias-primas por produtos industrializados", analisa o economista Célio Hiratuka, do Núcleo de Economia Industrial e de Tecnologia da Unicamp.

É uma empresa relativamente nova, emenda o professor, com processo de internacionalização também bastante recente, e que considera o Brasil um mercado importante, inclusive para consolidar a sua expansão global. A BYD tem realizado investimentos na produção industrial em setores associados à transição energética e mantém parcerias tecnológicas com universidades e institutos de pesquisa, por conta do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis). Os requisitos de conteúdo local do Finame também foram importantes para a instalação da fábrica de baterias da empresa chinesa. "Isso mostra que, apesar das idas e vindas decorrentes de incertezas e mudanças na política econômica, existe um processo que tem apontado para o adensamento de cadeias produtivas industriais em segmentos ligados a maior conteúdo tecnológico e sustentabilidade", destaca Hiratuka.

Na decisão de se instalar no Brasil pesaram, segundo o economista, a aproximação diplomática entre os dois países, iniciada no governo Lula e mantida por Dilma Rousseff, o forte crescimento do mercado interno brasileiro até 2013 e a busca pela internacionalização das empresas chinesas desde o início dos anos 2000, reforçada pela crise internacional e pela desaceleração do crescimento doméstico da própria China.

A expectativa é de uma renovação das relações Brasil-China no governo Lula, com a superação do passado recente marcado por ofensas, agressões verbais e fake news por parte do governo brasileiro, com destaque para o comportamento do próprio ex-presidente da República, do deputado Eduardo Bolsonaro e do ex-chanceler Ernesto Araújo.

Carlos Drummond é editor de Carta Capital

Fonte: Carta Capital

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