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Carlos Drummond

TELES: A máquina infernal

O setor de telecomunicações estreou com atraso, na quarta-feira 6, na tecnologia 5G, da quinta geração da internet móvel, e confirmou a sua

Publicado em 15/07/2022
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O setor de telecomunicações estreou com atraso, na quarta-feira 6, na tecnologia 5G, da quinta geração da internet móvel, e confirmou a sua condição moderna, mas ao mesmo tempo arcaica, com histórico de péssimo serviço aos usuários, sistema intransponível de atendimento de reclamações e histórico de baixos salários pagos aos seus trabalhadores, documentado pelo Departamento de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese. Um caso exemplar de um país cindido "entre o jogo imediatista dos interesses e a solução consciente dos problemas nacionais e da humanidade", na formulação do economista Francisco de Oliveira. País este que, em sua monstruosidade, assemelha-se ao ornitorrinco, compara Oliveira no livro que leva o nome do animal com bico de pato, pelo em lugar de penas, pés espalmados e rabo achatado.

Considerado indevidamente a jóia da coroa das privatizações comandadas por Fernando Henrique Cardoso, o setor de telecomunicações ocupa o pódio em todos os rankings de reclamações. Com 68,8 mil reclamações até a quarta-feira 6, a telefonia celular é o serviço com mais problemas no País neste ano, 11,25% do total, segundo o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, o Sindec, que reúne as informações dos Procon de todos os estados. A telefonia fixa vem em sexto lugar, com 24,9 mil reclamações, ou 4% do total. Serviços e produtos da internet ocupam a oitava posição, com 13,6 mil reclamações ou 2,2%. Em nono e em décimo primeiro lugares aparecem aparelhos celulares, com 12,5 mil registros ou 2%, e televisão por assinatura, com 11,2 mil casos, ou 1,83% do total.

Os principais motivos para as reclamações, em telecomunicações e nos demais setores, revelam o desleixo das companhias. As cobranças indevidas ou abusivas reúnem 150 mil casos, ou 24% do total, e os problemas com os próprios serviços de atendimento, como ausência de resposta, excesso de prazo e não suspensão imediata da cobrança, são fonte de 55,5 mil registros, ou 8,8%. Em terceiro e em quarto lugares, figuram produtos com vício ou defeito (36 mil casos, ou 5,74%) e problemas com contratos, desde seu não cumprimento até alterações e transferências indevidas ou não solicitadas, até irregularidades e demora nas rescisões (32,9 mil reclamações, ou 5,24%).

Os problemas com o serviço de atendimento ao consumidor das empresas são um ponto crucial, por concentrarem todas as reclamações. Ineficiente, o sistema retém e represa uma parcela expressiva das reclamações e, desse modo, falseia as estatísticas, ao apresentar uma situação menos grave do que é na realidade. Filtros excessivos entre o reclamante e a pessoa que vai resolver a sua demanda são um problema crucial e os chamados SAC padecem de investimentos suficientes e de uma proporção maior de atendimento humano, tarefa entregue, em sua maior parte, a robôs de resposta automática e redirecionamento.

Guilherme Farid, diretor-executivo do Procon SP, confirma a existência de problemas crônicos de eficiência e de custo elevado para o consumidor, insuficiência de investimentos no atendimento feito por pessoas ao invés de robôs e excesso de filtros na interação com os reclamantes como causa de retenção indevida do consumidor que não deseja mais continuar cliente e de represamento das reclamações.

As teles costumam ocupar o pódio dos rankings de reclamações devido em parte à sua base significativa de clientes em relação a outros setores e ainda por conta de uma "deficiência no atendimento ao consumidor, que trata às vezes as questões de modo não resolutivo". Em muitos casos, ele precisa entrar em contato várias vezes e anotar diversos protocolos para ter o seu problema resolvido. "A falta de investimento nos SAC bem como maior autonomia dos atendentes para solução imediata do problema são duas causas que contribuem para que as reclamações aos órgãos de proteção e defesa do consumidor sejam elevadas", sublinha Farid.

Sem informações oficiais sobre investimentos feitos pelas empresas de telecomunicações nos últimos anos, a entidade procura estimular as empresas a resolverem as reclamações de modo mais eficiente com a concessão do selo Empresa Eficiente, da Fundação Procon SP, àquelas que têm um padrão de solução de problemas em no máximo dez dias a contar da data da reclamação em ao menos 85% dos casos. O selo ainda não foi outorgado a nenhuma empresa de telecomunicações.

O atendimento é um ponto crítico. "Boa parte das demandas dos consumidores tem sido atendida por algum tipo de robô, algum tipo de canal individualizado eletrônico, mas que não é atendimento humano. Esta é uma preocupação constante porque esses canais com informações predeterminadas nem sempre conseguem atingir o seu objetivo, que é a solução daquele problema específico do consumidor", destaca Farid. "O investimento em trabalho humano no atendimento ao consumidor sem dúvida é o meio mais eficiente de solução de problemas", acrescenta. Esse ponto é ainda mais importante quando se considera que nos setores essenciais, como energia, gás, telefonia, entre 70% e 80% do atendimento ao consumidor é feito via telefone.

"As políticas de filtros são importantes na medida em que direcionam o consumidor ao local onde ele vai resolver o seu problema, mas não pode haver um excesso desses filtros, de modo a dificultar o consumidor na obtenção do resultado", ressalta Farid. Por vezes, acrescenta, o excesso de filtros pode criar uma "retenção indevida'' do consumidor que não deseja mais continuar cliente de determinada empresa, situação que caracteriza uma falha na prestação de serviços. "Quando o consumidor encontrar dificuldade ou resistência de uma empresa em resolver o problema, recomendamos realizar a reclamação na Fundação Procon, que dará o prazo de dez dias para a companhia encaminhar uma resposta formal, por escrito, ao autor da reclamação. Ele pode fazer essa reclamação uma única vez, não precisa repetir nem ligar várias vezes, como acontece com boa parte das companhias telefônicas."

A Anatel não dá conta da avalanche de problemas das empresas de telecomunicações, a julgar pelo frequente escrutínio dos seus atos por parte do TCU. O volume de reclamações não resolvidas neste e em outros setores é de tal porte que abriu espaço para organizações não governamentais como o Instituto de Defesa do Consumidor, o Idec, que oferece aos seus associados orientação personalizada para solução de problemas de consumo junto aos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização da prestação de serviços e para recorrer aos tribunais de pequenas causas. O Idec recebeu 248 consultas de empresas de telecomunicações desde 2020 e a Vivo, com 70 reclamações, está no topo da lista.

Segundo o pesquisador do programa de Telecomunicações de Direitos Digitais do Idec, Luã Cruz, a baixa qualidade do serviço, a cobertura limitada e os preços cobrados são as principais reclamações. "Em várias áreas do País, em especial no Norte e Nordeste, sequer há provisão de acesso à internet, e quando há a velocidade de conexão é insuficiente e instável, interferindo no acesso a inúmeros direitos dos cidadãos. O mesmo acontece em regiões periféricas das grandes cidades brasileiras", ressalta Cruz.

A experiência de restrições de conectividade, diz, marca o cotidiano dos usuários de baixa renda, que passam boa parte do tempo sem conexão 3G-4G ativa e percebem que os dados contratados são insuficientes para a realização de todas as atividades desejadas. "Há muita irritação, tristeza e frustração entre os que fazem as reclamações", constata Cruz.

A privatização do Sistema Telebras em 1998 foi acompanhada da criação de instrumentos regulatórios para dar conta, ao menos em tese, da nova realidade do setor, que passou a ser regido pelas regras do mercado, mas que, ao mesmo tempo, manteve como horizonte a universalização do sistema de telefonia, acrescenta o pesquisador.

"Na teoria do direito público, esse movimento é encarado como a mudança de um Estado prestador de serviço público para o chamado Estado regulador, que dispensaria a execução de serviços públicos nessas atividades públicas e transferiria isso para as empresas, dentro do contexto neoliberal, sob o argumento, jamais constatado empiricamente, de que o serviço iria melhorar, porque haveria maior eficiência", dispara Rafael Valim, professor de Direito Administrativo e sócio do Warde Advogados.

Nesse arranjo, diz, o Estado se incumbiria, simplesmente, da fiscalização desses serviços agora prestados pela iniciativa privada. Historicamente, o Estado é sempre pior fiscalizador do que prestador de serviços públicos, porque na atividade de fiscalização o risco de captura regulatória, por parte da empresa a ser fiscalizada, é muito maior. Na prestação de serviços, ele sempre está menos sujeito a uma captura do que no caso da regulação de grandes empresas.

É isso, sublinha Valim, que justifica o fenômeno de impotência dos usuários de serviços públicos, agora, para muitos, meros consumidores. Nesse Estado regulador, diz, muitos começaram a defender que não existiriam mais usuários de serviços públicos, que é, entretanto, um conceito do direito público. Eles passariam a ser meros consumidores, o que é um conceito de direito privado, com um regime jurídico completamente diferente.

"O Estado regulador é uma falácia. Não estou dizendo que não tem que ter regulação, mas dizer que o Estado precisa se demitir da execução dos serviços públicos para transferir tudo para a iniciativa privada e que vai ser uma maravilha o Estado na função de regulador, isso é uma grande mentira. A promessa não foi cumprida", chama atenção o professor. O que se vê hoje, diz, em outras partes do mundo, é a reversão desses serviços para as mãos do Estado.

Carlos Drummond

Fonte: Carta Capital

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