
O que falta para o Brasil investir mais em Ciência e Tecnologia?
Maior investimento em Ciência e Tecnologia será crucial para determinar o papel do Brasil no século XXI
Introdução
Na Grécia Antiga, filósofos como Tales de Mileto, Sócrates e Aristóteles, entre tantos outros, iniciaram um movimento novo na história, algo revolucionário. Até então, todas as explicações sobre quase tudo eram baseadas no sobrenatural, no misticismo. Basicamente, na construção de um mito. Com o passar dos séculos, muito do que Aristóteles escreveu se mostrou errado. Mas foi uma das primeiras pessoas a formular, por exemplo, um modelo do Universo baseado em seu pensamento e nas observações. Desde Aristóteles, o conhecimento era considerado imutável e inquestionável.
Mas há 500 anos, com a Revolução Científica, a humanidade descobriu que não tinha as respostas para suas perguntas mais importantes. Foi através do desenvolvimento do método científico, principalmente elaborado por René Descartes, que ocorreu um crescimento acelerado do conhecimento. O método científico começa com o levantamento de uma hipótese. E exige que diversos critérios sejam seguidos para que se torne válida, através de experimentos, de comprovações baseadas em dados. Todo o rigor do método científico permite que hipóteses sejam continuamente refutadas ou aceitas. Logo, a ciência não é estática, ela é mutável. Muitos que rejeitam a ciência se beneficiam no dia a dia de seus inúmeros progressos, como o uso de um simples antibiótico.
Grandes nomes, como Galileu Galilei e Isaac Newton, transformaram a humanidade em uma outra civilização. Muitos se beneficiam das aplicações da Ciência, a Tecnologia, mas não se questionam sobre como se chegou a esse grau de Desenvolvimento. Entre os fatores constitutivos da Modernidade, a Revolução Científica, iniciada por Copérnico (1517), é a mais significativa.
Cada um de nós precisa agir como um cientista, sempre em busca da Verdade, questionando tudo e estando atento aos dados da realidade, assim como fez o personagem de Sean Connery no filme “O Nome da Rosa”. Enquanto o ser humano não se libertar de fato de suas amarras mentais, o obscurantismo continuará reinando, como sempre o fez na história humana. A Terra continuará plana para muitos e as vacinas continuarão inimigas.
O Milagre Chinês
Entre os anos 1930 e 1980, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo. Mas a partir dos anos 1990, ao adotar um modelo neoliberal de desenvolvimento, entrou em estagnação. A década de 1990 marca a ascensão de um novo paradigma global sobre o antigo paradigma do Estado nacional soberano, que emergiu da Paz de Westfalia, entre 1618 e 1648. Não foi por acaso que, logo após o fim da guerra fria, os países centrais do capitalismo encontram uma nova forma de dominação. As políticas neoliberais são impostas dentro do contexto da globalização, sacrificando a soberania de países do capitalismo periférico, como o Brasil.
A China se manteve como um país soberano, com uma política interna voltada ao seu próprio desenvolvimento. Sem nenhuma irracionalidade voltada contra o progresso científico e tecnológico, não foi um milagre, ocorreu um investimento maciço em educação, ciência e tecnologia. Enquanto isso, os países subdesenvolvidos, na América Latina, se submeteram aos EUA e à Europa, e seu bloqueio contra uma possível disseminação “descontrolada” de tecnologia ocidental avançada para o Terceiro Mundo.
Figura 1 – Evolução do PIB entre 1990 e 2019 (Brasil, China, EUA e França) [1].
Em 1990, o PIB chinês era 3 vezes maior do que o Brasil [1]. E vinte e nove anos depois, o PIB da China era significativamente maior que o brasileiro, 7,08 vezes, conforme os dados apresentados na Figura 1. O maior país da América do Sul, rico em recursos naturais e energéticos, possui dimensões continentais, são cerca de 8,5 milhões de km2, e ao abdicar de um planejamento soberano e nacional, só aprofundou o subdesenvolvimento do país. Mantendo-se, desde o período colonial, como um exportador de matérias-primas, as commodities, e atrofiando seu parque industrial ao longo do tempo.
Atualmente, é necessária uma reflexão e comparação entre alguns países, mais especificamente neste artigo, Brasil, Estados Unidos, França e China, no sentido de se refletir as políticas de Ciência e Tecnologia (C&T). Países desenvolvidos, já com uma maturidade industrial e tecnológica, como os EUA e a França, sempre fizeram investimentos mais expressivos que o Brasil. E a China nas últimas décadas sofreu uma profunda transformação, tornando-se um dos principais celeiros em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico. É importante observar que o “milagre chinês” não foi por acaso e que o Brasil deve refletir sobre o seu papel na economia global. É urgente o debate sobre um necessário projeto de nação a longo prazo.
Indicadores de Ciência e Tecnologia
Existem algumas atividades fundamentais no campo da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D): trabalhos experimentais e teóricos, sem focar em aplicações (Ciência) e a pesquisa aplicada tendo um objetivo específico (Tecnologia). Alguns indicadores são utilizados na comparação entre os países: porcentagem do produto interno bruto (PIB, ou GDP em inglês) investido em P&D; número de pedidos de patentes per capita e número de artigos científicos publicados.
Figura 2 – Porcentagem do PIB investido em P&D no Brasil, China, EUA e França [2].
Enquanto o Brasil investiu 1% do PIB em P&D no período, a média global foi de 2,5% do PIB em 2021 [2]. Os Estados Unidos investiram 3,5% do PIB em P&D em 2021 e a China 2,4%. Os dois países disputam uma “guerra tecnológica”, especialmente no campo da inteligência artificial. Durante todo o período analisado (2000 a 2021), França, EUA e a média do mundo apresentaram percentuais do PIB investidos em P&D bem superiores ao Brasil, pelo menos o dobro, ou 2%. Mais uma vez, a China apresenta um crescimento único no período, transformando em poucas décadas o país no maior exportador de manufaturas do mundo. Em 2000, o indicador chinês era inferior ao do Brasil e, em vinte anos, já é 2,5 vezes maior do que o indicador brasileiro.
Figura 3 – Número de pedidos de patentes no Brasil, China, EUA e França [2].
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Entre 1985 e 2021, o número de pedidos de patentes per capita na China aumentou em 250 vezes (Fig. 3). Mostrando que é possível um crescimento contínuo da riqueza de um país através de investimentos sólidos em Ciência, Tecnologia e Educação. O Brasil manteve-se com um valor praticamente constante de pedidos de patentes per capita no período, chegando a 22 em 2021. A média mundial em 2021 foi de 302 pedidos. No que se refere ao número de patentes registradas, a diferença entre o Brasil e a média mundial é enorme.
O indicador número de patentes chama muita a atenção. A patente garante direitos de produção e comercialização. China e EUA se destacam mundialmente, mostrando um crescimento acentuado a partir dos anos 1990 no número de patentes. Nos últimos 10 anos, a China já superou os EUA neste indicador de P&D. O número total de patentes depositadas chegou a inimagináveis 1,43 milhões de pedidos de patentes em 2022 (Fig. 4), cerca de 60% do total de pedidos de patentes do mundo em 2021.
Figura 4 – Número de pedidos de patentes no Brasil, China, EUA e França [2].
Outro indicador de Ciência e Tecnologia é o número de artigos científicos publicados em revistas especializadas nas seguintes áreas: medicina, biomedicina, engenharia e tecnologia, química, física, biologia e ciência aeroespacial e da Terra. Entre 1996 e 2020, a China teve um grande crescimento no número de artigos publicados, cerca de 20 vezes mais artigos no final do período em relação a 1996 (Fig. 5). Os Estados Unidos publicaram 68% do total de artigos da China em 2020. Em 2020, o Brasil teve um total de 70.292 artigos publicados, e a França cerca de 95% desse valor. Entretanto, a população do Brasil é 3,2 vezes maior do que a da França. Os dados apresentados na Fig. 5 não levam em conta a qualidade dos artigos publicados, como a quantidade de citações do artigo que indica qualidade e relevância.
Figura 5 – Número de publicações científicas no Brasil, China, EUA e França [2].
Considerações Finais
Um país subdesenvolvido como o Brasil tem grandes prioridades, entretanto um maior investimento em Ciência e Tecnologia incrementa o PIB e consequentemente leva a um aumento da qualidade de vida da população. Ademais, esse investimento aumenta as exportações com alto valor agregado e permite a expansão da indústria nacional. E um desenvolvimento mais efetivo de patentes torna o país menos dependente da tecnologia estrangeira e fortalece a indústria. Os gráficos mostram que o Brasil ainda não deu a importância adequada ao papel estratégico das patentes e seu papel fundamental para o desenvolvimento da indústria nacional.
As observações concernentes aos gráficos se referem a indicadores de P&D e levam a conclusões específicas a essa área. Entretanto, as transformações necessárias para melhorar os indicadores analisados contextualizam-se a novos modelos e posicionamentos políticos, econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, é necessária a defesa do Estado-nação com o intuito de se enfrentar a ditadura global do sistema financeiro, uma vez que o neoliberalismo anseia transferir o poder às grandes corporações e ao sistema financeiro. Logo, a proteção estratégica do mercado interno é fundamental, já que permite a ampliação do parque industrial nacional.
Há poucas décadas, a China era um país que exportava produtos sem valor agregado. Entretanto, como resultado de investimentos governamentais direcionados para Ciência e Tecnologia, a indústria se modificou completamente. Atualmente, grande parte dos painéis solares, celulares e computadores utilizados no mundo são produzidos na China.
É necessário o debate, na sociedade brasileira atual, em relação ao papel da Ciência e Tecnologia, tendo em vista que o mundo passa por profundas modificações tecnológicas, políticas e sociais. Por um lado, novas e disruptivas tecnologias se apresentam, como a IA (Inteligência Artificial), pesquisas na área de saúde e novas formas de geração primária de energia, como a fusão nuclear, entre tantas outras áreas do conhecimento humano. Por outro lado, há uma profunda mudança na ordem política global, com a mudança em curso de um mundo unipolar para multipolar, especialmente com o fortalecimento dos BRICS e do poder político, econômico e militar chinês.
No cenário brasileiro, a Petrobrás e seu centro de pesquisas, o CENPES (Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello, criado em 1961, um dos maiores complexos de pesquisa aplicada do mundo), a Embraer, a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantã, são alguns exemplos de sucesso mundial do Brasil em suas respectivas áreas em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico.
Além disso, as excelentes Universidades públicas brasileiras, em parcerias com essas empresas ou instituições, podem produzir conhecimento e desenvolvimento, embora, em geral, careçam de maior investimento público. Desse modo, um maior investimento em Ciência e Tecnologia será crucial para determinar o papel do Brasil no século XXI.
Referências
[1] Our World in Data. Disponível em: < https://ourworldindata.org/economic-growth>. Acesso em: janeiro de 2025.
[2] Our World in Data. Disponível em: <https://ourworldindata.org/research-and-development>. Acesso em: janeiro de 2025.
Gustavo José Simões é Engenheiro mecânico e vice-diretor cultural da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
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