
Transição energética será lenta
Transições anteriores levaram séculos
Transições energéticas anteriores
Transições energéticas anteriores levaram séculos para de fato ocorrerem e não décadas. É possível se estabelecer diversas periodizações quanto a eras energéticas da humanidade. Em sociedades tradicionais e antigas o uso da energia animada, através dos músculos de animais e de seres humanos, era a mais predominante. Ainda hoje esse tipo de força motriz é importante em regiões mais pobres da África e da Ásia. Entretanto, já em sociedades antigas duas classes de forças motrizes inanimadas já eram utilizadas, as rodas d’água e os moinhos de vento.
A primeira transição energética começou na Grã-Bretanha, no século XIII, com a substituição da madeira pelo carvão. A destruição das florestas tornou a madeira um produto escasso, e o carvão passou a ser utilizado para aquecimento em Londres. A vantagem do carvão era a sua disponibilidade e preço, não o desempenho superior, passando a ser muito utilizado com a introdução da máquina a vapor, assim como, para o aquecimento de residências e o cozimento de alimentos. Apenas em 1900 o carvão passou a suprir metade da demanda de energia mundial. A lenta substituição do carvão pelo petróleo, com o advento dos motores a combustão interna além de diversos outros usos, representa a segunda transição energética. Entretanto, o petróleo substituiu o carvão como fonte primária de energia mais utilizada apenas na década de 1960. Porém, é importante mencionar que, o consumo de carvão mundial em 2022 foi 3 vezes maior do que se consumia nos anos 1960.
Na verdade, existe uma natureza evolucionária das transições energéticas [MELOSI, 1982], onde uma fonte de energia não substitui completamente outra. Aspectos como funcionalidade, acessibilidade e custos explicam a inércia envolvida nestas transições. Em longos períodos, novos combustíveis e forças motrizes, vão sendo disponibilizados para as sociedades e avaliados quanto a esses aspectos. Existem diversos exemplos que mostram o quanto é complexa a história da energia.
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As rodas d’água romanas foram utilizadas pela primeira vez no século I a.C. Entretanto, elas só se difundiram 500 anos depois. Além disso, seu uso era limitado à moagem de grãos [FINLEY, 1965]. No século XVI, a navegação por barcos a vela, permitiu a ascensão do ocidente. Mas, em 1790, galés suecas com canhões pesados, movidas a músculos humanos, foram usadas para destruir a frota russa em Svensksund [MARTIN E PARKER, 1988]. Na segunda guerra mundial, navios da classe Liberty (EC2), os cargueiros dos Estados Unidos, não eram movidos por novos e eficientes motores a diesel, mas sim pelos antigos motores a vapor alimentados por caldeiras a óleo [ELPHICK, 2001]. A transição energética atual não é motivada pelas mesmas razões das duas transições anteriores, mas sim por decisões políticas relacionadas às mudanças climáticas. O objetivo é atingir emissões globais líquidas nulas até 2050.
Transição energética atual
A transição energética proposta pelo Acordo de Paris está relacionada aos riscos climáticos. Entretanto, questões fundamentais, como segurança energética, eficiência, custo, e características das fontes de energia, como intermitência e densidade energética, continuam sendo extremamente importantes como fatores para a definição do planejamento energético de cada país. É mais provável que se observe uma transição energética lenta.
A geração de energia elétrica a partir de usinas eólicas e solares, tem a limitação do fornecimento intermitente de energia. Além disso, depende da produção de grandes quantidades de metais e terras raras. A implementação de projetos centralizados de energias renováveis, associados a benefícios climáticos globais, pode acarretar impactos significativos no meio ambiente e nas comunidades locais. A crescente demanda por fontes de energia limpa, como a solar e a eólica, tem levado à rápida expansão de projetos em todo o mundo, muitas vezes sem uma avaliação adequada de seus impactos socioambientais e pode inclusive agravar a desigualdade social.
Na verdade, não se espera uma transição energética de uma matriz para outra. Observa-se que desde o início da Revolução Industrial, em fins do século XVIII, o carvão mineral não substituiu a biomassa; o petróleo não substituiu o carvão mineral; o gás natural não substituiu o petróleo e, mais recentemente, as renováveis não substituíram e nem tendem a substituir os combustíveis fósseis. O que ocorre é o empilhamento, e não a substituição das fontes de energia, conforme apresenta a Figura 1, que mostra o consumo mundial das energias primárias, de 1800 a 2023, por fonte de energia [Our World in Data_1, 2024].
Figura 1 - Consumo global de energia primária entre 1800 e 2023 em Terawatts/hora (TWh) por fontes de energia.
Os combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) são fundamentais na matriz energética mundial, que representam 82,11% do total (Petróleo 31,95%, Carvão 26,68% e Gás Natural 23,48%), e ainda serão por décadas. A energia nuclear representa 4% e as potencialmente renováveis 12% (Hidroelétrica 6,45%, Eólica 3,54%, Solar 2,5%, outras 1,42%) [Our World in Data_2, 2024]. O que se espera é que gradualmente ocorra uma maior diversidade energética. E que, as fontes renováveis, como a energia solar, eólica e da biomassa tenham uma maior participação na matriz energética dos países.
Considerando o consumo por fontes de energias primárias o Brasil tem uma das matrizes energéticas com maior participação de renováveis do mundo, que somam 46,7% (Hidroelétrica 31,04%, eólica 6,92%, solar 3,73%, outras 4,97%) [Our World in Data_2, 2024]. Os fósseis representam 52,34% (Petróleo 39,55%, Carvão 4,43% e Gás Natural 8,36%) e a energia nuclear 1,01%. O mundo tem apenas 13,91% da sua matriz energética com fontes potencialmente renováveis, os EUA têm 9,95% e a Índia 9,39%, como denota a Figura 2.
Figura 2 - Fontes primárias de energia para o mundo e os países selecionados em 2023.
Na verdade, não se sabe o resultado efetivo da transição nas próximas décadas, assim como não há um consenso sobre o tempo para a transição. Existe a necessidade de se manter a curto prazo um modo de vida que depende demasiadamente dos combustíveis fósseis, que permanecerão por muitas décadas a desempenhar o seu papel fundamental. A despeito dos esforços políticos envolvendo a questão ambiental, no sentido de uma transição energética rápida, essa transição será possivelmente mais demorada e complexa do que se imagina. Alguns estudos recentes, como “The Speed of the Energy Transition – Gradual or Rapid Change?” [Lampe-Onnerud et al, 2019], debatem sobre o tempo necessário para a transição energética. A diferença nas narrativas é grande o suficiente para merecer uma análise, a tabela 1 mostra diferentes argumentos para uma transição energética lenta ou rápida segundo o artigo.
Tabela 1 – Argumentos para uma transição energética rápida ou lenta.
Até 2025 se verifica uma realidade que se aproxima muito mais de uma transição energética lenta em relação ao conjunto dos argumentos apresentados na Tabela 1.
Gustavo José Simões - Engenheiro de Equipamentos
Referências
Elphick, P. 2001. Liberty: The Ships That Won the War. Annapolis, MD: Naval Institute Press.
Finley, M.I. 1965. Tecnichal innovation and economic progress in the ancient world. Economic History Review 18:29-45.
Lampe-Onnerud et al. The Speed of The Energy Transition: Gradual or Rapid Change? (2019).
Martin, C., and G. Parker. 1988. The Spanish Armada. London: Hamish Hamilton.
Melosi, M.V. 1982. Energy Transitions in the Nineteenth-Century Economy. In Energy and Transport, ed. G. H. Daniels and M. H. Rose, 55-67. Beverly Hills, CA: Sage Publications.
Our World in Data_1. Disponível em: <https://ourworldindata.org/grapher/global-energy-substitution>. Acesso em: agosto de 2024.
Our World in Data_2. Disponível em: <https://ourworldindata.org/grapher/primary-energy-source-bar?country=~OWID_WRL>. Acesso em: agosto de 2024.
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