Os dois paradigmas e a real soberania
A história da civilização que nos chega às mãos e à mente revela dois paradigmas. O primeiro é o do domínio factual sobre o território,
A história da civilização que nos chega às mãos e à mente revela dois paradigmas. O primeiro é o do domínio factual sobre o território, condição adquirida por certas sociedades como decorrência de fatores naturais e circunstâncias antropológicas — por exemplo, os egípcios no Egito. O segundo é o da decisão de dominar, onde a participação da causa natural decorre de um sentimento de superioridade, uma certeza de “ser mais capaz de vencer e de ser dono”, cerne dos episódios de colonização espalhadas pelos tantos continentes.
O Brasil, como território físico, já experimentou os dois paradigmas. Foi terra dos indígenas, povos de caráter primitivo que acreditavam nas divindades do tempo — “Ó Tupã, deus do Brasil, que o céu enche de luz, de estrelas de luar e de esperança...”—, e berço de uma experiência colonizadora de raiz cristã católica romana, politicamente conduzida por uma corte europeia, o Portugal do Descobrimento que seguia aos ditames do Papa.
Passados pouco mais de quinhentos anos da descoberta e posse, sabemos todos que o território brasileiro não é uma terra qualquer. É certo que seu colonizador não tinha como imaginar àquela altura a grandeza do tesouro que descobrira. Foi nas crenças dogmáticas — por um lado — e na opção pelos anglos — de outro — que fincou os pés na “terra de Santa Cruz” e fez tudo que cabia ao colonizador sem escrúpulos — afinal, sentia-se superior! — para quem nem mesmo o absurdo da escravidão era obstáculo à exploração da natureza e do ser humano.
O tesouro pertencia — pelas normas então vigentes — àqueles que o detectaram. Os indígenas daquele momento primitivo eram apenas serviçais, fortes fisicamente, mas ignorantes passíveis de recuperação moral por via da catequese que não lhes respeitava — nem carecia disto — as crenças que provinham de corações sensíveis e muita tradição.
Hoje, o mundo é outro, não é tranquilo colonizar com tanta calma, o deus-tempo se encarregou de emprestar aos primitivos dominados a chama da verdadeira esperança, Tupã é mais seletivo e deu aos seus filhos a oportunidade de pensar, de refletir sobre direitos e de conhecer com profundidade sua verdadeira história. No território, antes exclusivamente produtor natural do ibirapitanga, surgem maravilhas — em quantidade e qualidade — que, não poucas vezes, parecem ter preferido o território dos tupinambás para proliferar, nele incluído o mar que aqueles indígenas tanto preservavam e nos quais banhavam-se mais de uma vez por dia nas tantas e belas praias que cobrem uma fronteira de milhares de quilômetros... Quem não conhece e não avalia a grandeza do tesouro petrolífero do Pré-Sal?
Na história essencialmente brasileira registramos na memória momentos em que a opção paradigmática foi requisitada: viver a independência nacional por termos nascido no rico território ou aceitarmos a dominação proposta por outra sociedade que se fez mais forte na competência de explorar tais riquezas naturais nascidas no nosso território?
A pergunta, numa versão mais simples e mais objetiva, seria: Afinal, partir para uma exploração direta ou consolidar uma colonização branca a ser exercida por uma sociedade alienígena?
Reparem, meu amigo e minha amiga, que as alternativas partem do suposto de que a exploração seja inevitável, o que funciona como um poder acima da discussão paradigmática em causa. A nosso ver, uma arbitrariedade, pois o simples fato de existir um tesouro não implica entender como inteligente explorá-lo de imediato. Há, algumas vezes, razões de fundo político — ou geopolítico —que recomendam a adoção de atitudes de poupança, de espera de momentos mais adequados para a exploração efetiva, o que significa racionalidade e conveniência do interesse nacional.
Vencendo essa importante ressalva, voltemos à pergunta essencial: qual o paradigma a ser aceito?
Evidentemente, há um aspecto que devemos priorizar na análise, qual seja, uma ou outra das duas possibilidades pressupõe um agente capaz, condição normalmente reconhecida naquele que se propõe colonizar, mas talvez insuficiente às possibilidades exploratórias dos nacionais, isto é, dos detentores formais do tesouro. É o caso da colonização compulsória, situação indiscutível no território brasileiro das Entradas e Bandeiras. As esmeraldas nem sempre foram miragem...
Na década de 30 do século passado, o povo brasileiro experimentou a capacidade de dominar tecnicamente a riqueza ferrífera que o mundo em guerra demandava. O estadista que conduzia as decisões nacionais optou pelo primeiro paradigma e transformou o operário em trabalhador regular. Evidentemente, a decisão implicou concessões e acertos políticos, mas nada comparado a modelos colonialistas. A Companhia Siderúrgica Nacional foi criada como recurso industrial estratégico para e pelo país.
Anos depois, sob uma campanha propagandista que punha dúvidas sobre a existência do tesouro petrolífero e a capacidade nacional de gerir o grande energético, brasileiros se puseram em marcha e deram ao estadista a oportunidade de repetição daquele mencionado gesto de autoconfiança: criava-se a Petróleo Brasileiro – Petrobrás. E não foram apenas estes os exemplos da opção de Estado pelo primeiro paradigma.
Tais adoções viriam se consolidar, ao longo do tempo, como consagradoras, no Brasil, de dois princípios: (i) a formação educacional e tecnológica são essenciais a qualquer nação que privilegie o primeiro paradigma, isto é, ser capaz ou tornar-se capaz de explorar aquilo que as contingências lhe tenham reservado para o exercício da soberania, e (ii) jamais se render ao pragmatismo de um dominador que lhe proponha o conforto da ignorância que escraviza e deixa cada vez mais distante de realização o sonho da verdadeira independência.
Soberania e Independência dependem de coragem e vontade cívica. O Brasil, ciente de suas riquezas naturais e do valor intrínseco de seu povo não pode esquecer aqueles patriotas cuja competência lhes permitiu ousar a recusa ao domínio colonizador alienígena.
Para nossa felicidade, patriotas assim ainda existem...
*Edson Monteiro é engenheiro, professor e escritor. É membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia
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