
Para onde vai o Brasil?
Brasil na armadilha neoliberal
O Brasil precisa desesperadamente de investimento para impulsionar um crescimento capaz de promover desenvolvimento. Em vez disso, prejudica-se com a auto-obstrução das regras fiscais, adotadas por receio da reação do sistema financeiro nacional. As constantes aprovações de leis e emendas constitucionais para a obstrução do gasto fiscal, responsabilidade fiscal, metas de inflação, tetos de gastos e o novo arcabouço são a mais contundente prova da hegemonia do “Consenso de Washington” desde a implantação do Plano Real (1994). Os governos estaduais (regionais) e locais são pressionados a operar com base em um orçamento equilibrado (sic).
O efeito disso é a queda no investimento público e privado com taxas de crescimento anuais do Produto Interno Bruto -PIB bastante baixas. O lento investimento em infraestrutura de serviços públicos e inovação são os efeitos perversos da estratégia de auto-obstrução fiscal.
A tabela a seguir apresenta os dados sobre a evolução do PIB, do resultado fiscal e da Selic média. O precário dinamismo do PIB pode ser facilmente entendido pela estratégia dominante de busca do resultado fiscal superavitário independente do governo. A comparação entre os valores da Selic, do PIB e do superávit primário mostra a impossibilidade de um crescimento maior e mais dinâmico.
O Banco Central disse que o crescimento de 2,2% da dívida bruta em 2024 se deve aos seguintes fatores: +7,5%, resultado decorrente da incorporação de juros nominais; +1%, efeito da desvalorização cambial acumulada no ano; +0,3%, reconhecimento de dívidas; -0,9%, crescimento do PIB nominal. É a política monetária, a alta Selic, que causa o problema da dívida pública elevada. Como a dívida pública é um ativo do setor privado essa política monetária está bem explicada. Embora esteja encoberta por vários outros argumentos mágicos como gastança, risco jurídico e aquilo que serve para qualquer situação: o populismo político.
Se alguma vez houve um caso de uma democracia se sabotar, foi esse. O impacto na sociedade brasileira do consenso macroeconômico estabelecido desde o Plano Real tem sido cada vez mais frustrante. Apesar de uma campanha de longa data do lado progressista acadêmico e intelectual em tentar mostrar os malefícios desse consenso, os principais partidos dessa tendência permaneceram comprometidos com o freio da dívida via restrição fiscal. Porém, com a taxa da Selic mantida em valores excepcionalmente altos para atrair recursos financeiros externos (dólares) e manter o real valorizado, torna-se um ajuste impossível dada a diferença entre a taxa Selic e o crescimento do PIB.
O baixo crescimento também causa uma arrecadação menor do que seria necessário para estabilizar a dívida e faz com que o sistema financeiro pressione continuamente por mais superávit primário. Taxas de juros elevadas e superávits primários reduzem a demanda e os investimentos privados e públicos, aumentam o desemprego e diminuem a renda, induzindo a um eterno retorno do ciclo vicioso.
A Selic alta e com enorme diferença em relação às taxas internacionais, em especial a americana, é o padrão vigente desde o Plano Real. Serviu como âncora para estabilizar os preços. O real, a moeda nacional, continuou como uma das mais voláteis do mundo. Não poderia ser outro resultado dada a ausência da moeda na teoria econômica hegemônica.
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Em dezembro de 2024 quando começou a histeria com a inflação provocada pela desvalorização do real frente ao dólar, a taxa Selic já estava alta em função do fator câmbio, e não para derrubar o nível de atividade. O que provocou a corrida em dezembro foi a redução do diferencial entre a taxa de captação internacional e a de aplicação nos títulos brasileiros (carry trade). Esse fato permitiu a forte elevação do dólar. Interessante constatar que o Brasil será um dos únicos lugares com inflação de um dígito e juro de 13% ou mais. Os demais mercados com juros elevados também têm inflação alta, como a Argentina, Rússia e Turquia. E o Brasil não passa por nenhuma situação econômica e política, guerra, crise política interna e instabilidade por longos períodos.
Um exemplo atual facilita o entendimento do impacto negativo da Selic muito elevada por tanto tempo com pouco ou nenhum efeito sobre a inflação. A inflação aumentou 1,31% em fevereiro, a maior para o mês desde 2003. O aumento está ligado à queda, em janeiro, de 14,21% na tarifa de energia, resultado do bônus de Itaipu, que reduziu a conta de luz. Em fevereiro, o preço da energia elétrica subiu 16,80% e puxou a alta do mês. Já 73% da inflação do mês passado foi resultado da combinação do fim do efeito do bônus de Itaipu, da alta da gasolina com aumento do ICMS pelos estados e do aumento das mensalidades, com destaque para cursos regulares, que subiram 5,69%. Os alimentos, que impulsionaram a inflação ao longo do ano passado, começaram a desacelerar. O grupo de alimentação e bebidas subiu 0,7% em fevereiro, após alta de 0,96% em janeiro. A perspectiva é de que o pico, que chegou a mais de 8% em 12 meses, vai começar devagarzinho a desacelerar. E, principalmente, esses itens que pesam no orçamento familiar, como arroz, leite e carnes, têm uma perspectiva de variações menos elevadas mesmo. Qual o efeito do aumento da Selic sobre os preços de energia ou das exportações de ovos do Brasil, que saltaram 57,5% em fevereiro (crise de produção nos EUA), e o preço do produto subiu 15,39% no mercado interno no mês passado? Ou no do café, que subiu 10,77% por problemas na safra?
A política monetária do Banco Central tem um único objetivo, a taxa de câmbio. A inflação brasileira, dada a fraqueza da nossa moeda, da inconversibilidade e da abertura da conta de capitais, tem como causa central a volatilidade do câmbio. Ao aumentar os juros, entram mais dólares, o real se valoriza e reduz os preços dos produtos comercializáveis importados. Porém, no caso das metas de inflação, é a estabilidade de preços custe o que custar.
O câmbio é uma variável crucial para o planejamento do investimento produtivo e para a substituição de importações por meio do adensamento das cadeias produtivas internas. Uma taxa de câmbio estável e mais favorável ao crescimento sustentável é fundamental para que este se converta em desenvolvimento.
Desde 1994, a política monetária está operando com a variável de ajuste que é o câmbio. Temos que escapar dessa armadilha junto com a auto-obstrução fiscal. O momento atual é propício para enfrentarmos essa armadilha.
Desde que retornou ao cargo em janeiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, executou a mudança mais dramática na política externa do país desde a Guerra Fria. Ele desafiou os compromissos de financiamento da OTAN, defendeu tarifas punitivas sobre aliados tradicionais dos EUA e buscou relações mais calorosas com Moscou – tudo isso enquanto pressionava a Ucrânia a fazer concessões à Rússia, atraindo a ira de Kiev e de outras capitais europeias.
Essa mudança drástica na ordem mundial abre a possibilidade de uma nova política macroeconômica. De forma que este novo cenário gere expectativas positivas para o investimento produtivo, dado que as características específicas dos regimes macroeconômicos se sobrepõem e condicionam as decisões microeconômicas, tendendo a conformar padrões de financiamento e de governança corporativa, de comércio exterior de concorrência e de mudança técnica.
Para enfrentar essa enorme incerteza internacional, é necessário elaborar, estruturar e articular uma nova concepção de política econômica com base na realidade atual. Há uma enorme reviravolta nos principais consensos de mercado, os quais previam que as ações americanas e o dólar superariam o desempenho global e que os rendimentos dos títulos do Tesouro subiriam mais do que em outros lugares. Todas essas apostas foram viradas de cabeça para baixo. A Alemanha já anunciou um pacote recorde de investimentos em defesa e infraestrutura. A Inglaterra e a França vão pelo mesmo caminho. Acabou a era do guarda-chuva americano.
Na situação atual de extrema tensão e de alteração no campo internacional, sem que se possa afirmar que existe uma trajetória definida para se chegar a uma nova ordem – pois ninguém tem capacidade para estruturá-la -, o Brasil não pode permanecer com o mesmo consenso macroeconômico. “O Consenso de Washington” dos anos 90 incorpora uma determinada operação da ordem mundial, a qual não existe mais.
Essa mudança na política macroeconômica, tendo como referência a incerteza geopolítica, tem que estar apoiada em quatro pontos de luta política: soberania nacional, desenvolvimento, igualdade e liberdade. É a Revolução Francesa passando por cima da Revolução Americana de Tocqueville, Arendt e da social democracia liberal de Kautsky.
Esses quatro pontos de luta podem proporcionar aos trabalhadores uma esperança de um horizonte de elevação consistente do seu padrão de vida, do qual a direita se apropriou com o sonho do empreendedorismo neoliberal.
O nacionalismo tem papel central nessa disputa. Defender a nação como espaço de proteção, liberdade e prosperidade significa colocar os direitos sociais no centro da estratégia de crescimento da economia para transformá-lo em desenvolvimento.
Os países têm direito à soberania e à integridade territorial na exata medida da força que eles e suas alianças têm para garantir a soberania e a integridade territorial. Essa força para moldar o futuro depende do investimento público, de forma a forjar a unidade do povo com a nação em torno do avanço dos serviços de cidadania: saúde, educação, transporte, saneamento, segurança pública, defesa nacional, ciência, tecnologia e inovação.
O crescimento econômico de 2023 e 2024 pode estar sendo abortado em 2025 pela combinação da auto-obstrução com a política monetária voltada para a taxa de câmbio valorizada com a Selic permanentemente em alta. Vamos perder essa nova oportunidade como em 2011?
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