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Diomedes Cesário da Silva

Privatizações e Estado Mínimo

O que você acha da venda de estatais como a Eletrobrás, Cedae e outras anunciadas pelos governos federal e estadual? Se ouvir os

Publicado em 12/09/2017
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O que você acha da venda de estatais como a Eletrobrás, Cedae e outras anunciadas pelos governos federal e estadual? 

Se ouvir os formadores de opinião da grande imprensa, dirá que não tem outra solução, pois faltam recursos para investimentos, dão prejuízo ou pouco lucro, são menos eficientes que as privadas e não passam de cabides de empregos de políticos.


Mas, se é tão simples e óbvio assim, por que foram criadas?


Exatamente porque o setor privado não se dispôs a fazer os investimentos necessários e o país não podia esperar.


Em outros casos, para proteger a sociedade de monopólios ou oligopólios privados em setores estratégicos ou de grande impacto para a população, como de energia, água, saneamento básico e comunicação.


Para o consumidor, a prestação de serviços com tarifas justas é o fundamental.


No caso da Eletrobrás, a exemplo do que ocorreu com a telefonia, a tendência é de aumento de preços, pois vende sua energia a menos de um quarto do preço do praticado no mercado (33 reais/Mwh contra 181 da tarifa média das demais usinas, em 2016) [1].


Como comentou o professor Ildo Sauer da USP, “É um acinte à inteligência de qualquer ser racional a afirmação do ministro (ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho) de que isso vai baixar tarifa. A energia está contratada a preços aviltados para tapar a lacuna dos grandes erros dos outros contratos. Então ninguém vai comprar para operar daquele jeito, vão comprar para depois realizar uma nova manobra para reavaliar o valor e dizer que "não, essa energia está muito abaixo do mercado, precisamos dar um jeito". Isso é histórico no Brasil no setor de energia.” [2]


A criação das Estatais


Foi assim no setor petróleo, em 1953, onde as multinacionais preferiam abastecer o mercado interno importando os derivados de suas refinarias no exterior. Descobrir petróleo no país, investir em refinarias, desenvolver fornecedores locais, capacitar mão-de-obra e gerar empregos no país era menos rentável para seus acionistas.


As contas externas do país se desequilibravam com as importações de petróleo e a sociedade brasileira à época resolveu criar a Petrobrás para defender seus interesses e empregos.


No caso da Eletrobrás (criada em 1961, sete anos após ser proposta por Getúlio Vargas, em 1954) não foi diferente.


As indústrias para se instalarem necessitam de energia elétrica. Como são investimentos de longo prazo e risco (“não tenho interesse em investir, pois não tenho indústrias para consumir a energia gerada e não tenho indústrias porque não há energia disponível”), o setor privado internacional e nacional não se dispôs a fazê-lo.


É por estas razões que os EUA mantem parte de sua geração de energia elétrica na mão de estatais, como a Tennessee Valley Authority, assim como o França com a EDF e o Canadá, com a Hydro-Québec. [3]


A NASA, estatal americana, foi a responsável pela criação de inúmeras outras empresas e tecnologias que os americanos exportaram para todo o mundo. Da mesma forma como o ITA e o CTA criaram a indústria aeronáutica no Brasil e viabilizaram uma empresa como a Embraer. A Embraer não existiria sem o Estado brasileiro [4]


O grande capital privado nacional e internacional no Brasil normalmente preferem comprar empresas estatais rentáveis, onde os riscos e investimentos já foram feitos. Se as tarifas estão baixas, exigem que sejam elevadas para garantir maior rentabilidade. Exigem elevado retorno e tem interesse apenas em áreas de alto lucro, como o sul e sudeste, não se interessando pelas demais, de baixa rentabilidade.
Vejam o caso da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobrás, a segunda maior empresa brasileira em faturamento, fundada em 1971. Ela atende 26 Estados, sendo praticamente a única das grandes a atuar na região amazônica. A Shell e a Ipiranga preferem o sul e sudeste, muito mais rentável.


A área de telecomunicações costuma ser apontada como um sucesso nas privatizações. Inicialmente, deve-se ressaltar que a tecnologia do celular mudou radicalmente o setor. Antes, com os telefones fixos, os investimentos eram muito maiores e, mais uma vez, o setor privado não se dispôs a investir.


Pergunte a seus avós como era difícil fazer uma ligação nas décadas de 1950 e 1960.
Mais uma vez, para integrar e desenvolver o país, o Estado instalou a Telebrás (criada em 1972, desativada em 1998 no processo de privatização e reativada em 2010 para gerir o Plano Nacional de Banda Larga) e a Embratel (criada em 1965 e privatizada em 1998), que mudaram o setor completamente, integrando o território nacional, sendo considerado também uma questão de segurança nacional, particularmente na Amazônia.


As ligações interurbanas e internacionais eram mais elevadas, ajudando a subsidiar as locais, que atendiam à população de renda mais baixa.


Na década de 1990, as privatizações no setor foram precedidas de grandes investimentos. Só na Telebrás, dois anos e meio antes de sua venda, foram 21 bilhões de reais, desmentindo a alegação de falta de investimentos para sua venda, a exemplo do que se faz nos dias atuais. [5]


Hoje, o oligopólio privado da Vivo, Claro, Tim e Oi cobra tarifas entre as maiores do mundo, com serviços de baixa qualidade, sendo campeões de reclamações entre os consumidores. O que o país e consumidor perderiam mantendo uma empresa estatal competindo com as estrangeiras, a exemplo da BR na venda de combustíveis?


Eficiência das Estatais


A eficiência é função da qualificação de seus empregados e competência dos gestores, podendo ser estatais ou privadas.


Para o consumidor, a maior medida da eficiência é o preço cobrado pelos serviços e aí, basta comparar o que se cobrava, com o que se cobrará. A justificativa será, como já vimos no passado, que a tarifa será aumentada pois são necessários investimentos, que serão cobrados de você mesmo.


Outra medida, é o que se faz a mais pelo país, além de vender seus produtos.


A Petrobrás é reconhecia internacionalmente pela sua competência na área de águas profundas, tendo obtido o prêmio da OTC por três vezes, a última em 2015, pelas tecnologias de ponta desenvolvidas para a produção da camada pré-sal. Investiu US$ 1,1 bilhão em P&D em 2014, mantendo relacionamento com 100 universidades e centros de pesquisa no Brasil e 35 no exterior.


Seus investimentos são efetuados com os lucros obtidos da venda de seus produtos no mercado brasileiro e internacional, como qualquer empresa privada.


Para quem reclama dos preços dos combustíveis no país, vale a pena saber que ela vende seus produtos nos portões de suas refinarias a preços competitivos com os internacionais. De cada 4 reais que paga pelo litro de gasolina, só 1 vai para a Petrobrás; o restante é destinado à distribuição, revenda e, principalmente, impostos. [6]


Se você reclama dos preços e é defensor do meio ambiente, está na hora de decidir se defende o modelo americano, com imposto reduzido e incentivador do transporte individual, ou do europeu, com impostos elevados, exatamente para estimular e subsidiar o transporte coletivo e as energias alternativas.
No caso da Eletrobrás, basta ler o depoimento de seu ex-presidente, Luís Pinguelli Rosa, sobre como se fez investimentos, apesar de todo o discurso atual contra. [7]


Possui 31% da capacidade de geração e 47% das linhas de transmissão, tendo aumentado, entre 2002 e 2014, em 65% a geração e implantado 43,5 mil km em linhas de transmissão. Investido e implantado, está na hora de vender.


No setor privado, nunca é demais lembrar que o empresário Eike Batista, levou para sua então recém criada OGX, gerentes e técnicos da Petrobrás, com informações da estatal sobre campos em licitação (operação que mereceria uma investigação, mas que nunca foi levada à frente), logrou ganhar vários blocos no leilão da ANP.


Sem ter produzido um único barril de petróleo, levantou recursos de investidores, fez previsões de produção não compatíveis com os relatórios e estudos de seu corpo técnico. O resultado final é conhecido de todos. 


O grupo Odebrecht se amparou nos financiamentos d BNDES e no fornecimento de nafta barata (matéria prima para suas petroquímicas) da Petrobrás para obter lucros elevados e, com amplo apoio de parlamentares, governadores e presidentes, comprar aprovação de leis e decretos que lhe isentassem de impostos.


Os casos JBS e das grandes empreiteiras como a Odebrecht, OAS, Camargo Correia, Andrade Gutierrez são mais um capítulo à parte do histórico da falsa e maquiada eficiência privada dos grandes grupos que crescem às custas das benesses do Estado e posam de eficientes.


Enquanto isso, pequenas e médias empresas são relegadas a segundo plano, enquanto prosseguem os contratos globais públicos com as grandes empreiteiras e fornecedores.


O políticos


As estatais, assim como as demais instituições públicas, hospitais e escolas tem tido pressões para nomear representantes de maus políticos que, infelizmente, constituem a maioria absoluta dos eleitos.
Que sentido faz políticos nomearem diretores de hospitais? Não foram eleitos para isso.


Não basta melhorarmos nossas escolhas. Temos que fazer uma reforma no setor político que acabe com a oferta de cargos de direção em troca de apoio aos governos. As Estatais devem ter contratos de gestão, com metas definidas pelo governo, sem interferência política, a exemplo de países da Europa.
É claro que temos que lembrar que no Congresso estão os representantes dos setores que se beneficiam com as privatizações e redução do tamanho do Estado.


As bancadas dos ruralistas, planos de saúde, dos hospitais, escolas privadas, bancos e sistema financeiro são eleitas com o financiamento dos donos destes setores para defender seus interesses.


O propósito é exatamente reduzir os recursos públicos nestas áreas, abrindo caminho para as oportunidades. Menos universidades públicas significam mais alunos para as particulares; um SUS com atendimento precário traz novos clientes para os planos de saúde; um BNDES, Banco do Brasil e CEF com juros mais elevados, redireciona os clientes para o Itaú e Bradesco.


Não é tarefa fácil, mas outros países passaram por este processo e conseguiram melhorá-lo.
A Suécia é um bom exemplo. Leia “Um País Sem Excelências e Mordomias” da Cláudia Vallin e verá que é possível.


Na Suécia, deputados não decidem sobre seus salários, não tem gabinetes, carros, nem verbas para a contratação de assessores, recebendo cerca de USD 8000 (o dobro da remuneração de um professor primário). Cerca de 94% dos políticos nas Assembleias estaduais não recebem salários. Os vereadores não são remunerados.


A fórmula para a transformação de um dos países mais pobres da Europa, há menos de 100 anos, em um dos mais ricos e menos desiguais foi baseada em: a) transparência dos atos do poder; b) alta escolaridade do povo; c) igualdade social. O Serviço Nacional de Auditoria, a Agência Nacional Anticorrupção e o Instituto Anti-Suborno, garantem a transparência e vigilância.


"Um bom lar não tem membros privilegiados ou rejeitados; não tem favoritos nem filhos postiços. Nele, uma pessoa não olha para outra com desdém; nele, o forte não oprime nem o rouba o fraco. Em um bom lar, existe igualdade", disse Albin Hansson, primeiro ministro em 1932, quando da instalação do Estado do Bem Estar Social na Suécia. [8]


Nada é fácil e você não é inocente a ponto de achar que os atuais parlamentares irão mudar o sistema que eles criaram e que os beneficia, até porque dependem de seus financiadores, que são os grandes beneficiados.


O tamanho do Estado


Jose Luis Fiori, em seu artigo “O Paradoxo e a Insensatez” cita a resposta do economista Luiz Guilherme Schymura, diretor do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia), publicada numa entrevista ao Valor Econômico, em 2015 [9]:


“Uma vez me perguntaram se o Estado brasileiro é muito grande. Respondi assim: “Eu vou lhe dar o telefone da minha empregada, porque você está perguntando isto para mim, um cara que fez pós-doutorado, trabalha num lugar com ar-condicionado, com vista para o Cristo Redentor. Eu não dependo em nada do Estado, com exceção de segurança. Nesse condomínio social, eu moro na cobertura. Você tem que perguntar a quem precisa do Estado.”


A elite quer o Estado menor (apesar de depender dele para seus negócios) pois tem tudo que precisa, mas necessita dele para se proteger dos mais pobres. São os menos favorecidos que precisam de um Estado do Bem Estar Social que dê oportunidade para todos e reduza as desigualdades do nosso país. Enquanto isso a classe média não consegue ter o retorno adequado de seus impostos, não lutando contra os lobbies da educação e saúde instalados no Congresso Nacional.

 

Diomedes Cesário da Silva É ex-presidente da AEPET

[1] https://www.cartacapital.com.br/blogs/brasil-debate/a-privatizacao-da-eletrobras-como-isso-me-afeta


[2] https://www.cartacapital.com.br/economia/privatizacao-da-eletrobras-e-pa-de-cal-no-setor-diz-especialista


[3] https://www.cartacapital.com.br/economia/china-canada-e-eua-mantem-forte-presenca-estatal-nas-hidreletricas


[4] Mazzucato, M., O Estado Empreendedor – Desmascarando o Mito do Setor Público x Setor Privado (Penguin)


[5] Biondi, A., O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado (Geração Editorial)


[6] http://www.petrobras.com.br/pt/produtos-e-servicos/composicao-de-precos-de-venda-ao-consumidor/


[7] http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/08/1913290-governo-deve-privatizar-a-eletrobras-nao.shtml


[8] Vallin, C., Um País Sem Excelências e Mordomias, Geração Editorial


[9] http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-paradoxo-e-a-insensatez/34603

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