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Diomedes Cesário da Silva

Vender mais barato é crime

A Associação Brasileira de Importadoras de Combustíveis (Abicom), que reúne nove importadoras, acusa a Companhia por vender di

Publicado em 10/09/2018
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A Associação Brasileira de Importadoras de Combustíveis (Abicom), que reúne nove importadoras, acusa a Companhia por vender diesel abaixo da paridade internacional

e de perder R$ 1,7 bilhão com a prática, entre dezembro de 2017 e maio de 2018, em suposto desacordo com os compromissos assumidos com seus acionistas. A Petrobrás informou que a acusação é “absolutamente improcedente”, mas mesmo assim a CVM abriu um processo para apurar a validade da informação. (Valor Econômico, 24/08/2018)

Mas, se a população está sendo beneficiada e a empresa que vende o produto está satisfeita, é indefensável que empresas privadas queiram que os preços subam para poderem participar do mercado.

Quanto aos acionistas, estão tendo a lucratividade que o negócio permite. A empresa é controlada pela União, deve ser lucrativa para remunerar seus acionistas e garantir os recursos para seus investimentos, mas tem outros compromissos com o país. Estas informações são dadas aos acionistas, quando investem na Companhia.

Na página 30 do relatório em referência, aos acionistas estrangeiros, está dito explicitamente “O governo federal brasileiro, que é nosso acionista controlador, poderá buscar determinados objetivos macroeconômicos e sociais por nosso intermédio que poderão ter um efeito adverso significativo sobre nós.” [1]

Empresa integrada

A estatal consegue vender mais barato porque é uma empresa integrada, atuando do poço ao posto, como ocorre com as grandes empresas do setor em todo o mundo. Quando o preço do barril do petróleo está elevado, o setor de exploração e produção (E&P) garante a lucratividade; quando ocorre o contrário, o refino passa a ser o responsável pelo lucro.

tabela

 

Fonte:Relatório de Administração 2016

No quadro mostrado, o setor de E&P só aparece com prejuízo operacional devido à reavaliação dos seus ativos ("impairments"). Aliás, muitos superiores ao utilizados pelas demais grandes companhias internacionais de petróleo.

Investir para não desabastecer

É necessário investir e correr riscos e poucos tem condições, ou estão dispostos. Os valores são elevados para descobrir novas reservas e colocá-las em produção para repor o petróleo retirado; refinarias, dutos e terminais tem que ser construídos para abastecer o mercado nacional com dimensões continentais.

Por todas estas razões é que a Petrobrás foi criada, para abastecer o país aos menores custos possíveis e tornar o país autossuficiente em petróleo e derivados. Se fosse para ser como uma multinacional, não teria sentido sua criação.

“A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, devendo estar acima, portanto, dos interesses privados. A Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 17 de dezembro de 1976), se aplica às sociedades de economia mista, desde que seja preservado o interesse público que justifica sua criação e atuação (artigo 235)”. [2]

Seu lucro deve ser suficiente para garantir os investimentos necessários nas diversas áreas de atuação. Caso contrário, deixará de garantir a missão para a qual foi criada e será sucateada.

Os erros dos governos

São dois os erros cometidos por governos em todo o mundo na gestão de empresas como a Petrobrás: ou praticam a paridade com o mercado internacional, onerando a economia e a população, ou é utilizada para controlar a inflação e fornecer derivados a preços favorecidos a grupos privados, tornando-se deficitária, desabastecendo o país e dando argumentos para sua privatização.

Normalmente, o mesmo grupo que tenta extrair vantagens para seus sócios privados, é o mesmo que advoga sua venda, sob a promessa de maior eficiência, preços reduzidos ao consumidor e abertura do mercado.

A Odebrecht é o exemplo mais significativo no setor. “Nas eleições, faz doações para políticos de diversos partidos, recebendo um eficiente apoio parlamentar. Seu patrimônio tem origem nas benesses do Estado, desde o modelo tripartite da criação da petroquímica brasileira.”, relata o voto da AEPET, na condição de acionista da Companhia, na Assembléia Geral de 2007, ao protestar contra a compra do Grupo Ipiranga pela Petrobrás, Ultrapar e Braskem, braço petroquímico da Odebrecht. [3]

A ação das grandes corporações de commodities

Sem a Petrobrás, o país ficaria então entregue às grandes tradings que nos obrigaria a pagar o preço internacional pelos combustíveis necessários para movimentar a economia. Como investir no país nem sempre interessa às grandes companhias internacionais, preferem trazer os produtos de suas refinarias no exterior.

Para quem acredita que isto não ocorrerá e que o mercado cuidará de tudo, as informações a seguir podem ser esclarecedoras:

“Em 2010, a Glencore controlava 55% do comércio mundial de zinco e 36% do comércio de cobre. Naquele ano, Vitol e Trafigura venderam 8,1 milhões de barris de petróleo por dia, o equivalente às exportações de petróleo da Arábia Saudita e da Venezuela juntas. ... Para a população em geral, inclusive a bem informada, a impressão é de que as variações de preço que atingem o nosso bolso são fruto de mecanismos imprevisíveis, e não de um grupo de corporações que simplesmente vêm buscar o dinheiro no nosso bolso...

As cinco maiores renderam 629 bilhões de dólares no ano passado (2010), logo abaixo das cinco maiores corporações financeiras e mais do que as vendas agregadas dos principais players de tecnologia ou telecomunicações. [4] (grifos nossos)

As empresas de trading, por outro lado, são controladas por grandes fundos de investimentos. A Vitol, por exemplo, com faturamento de 313 bilhões de dólares em 2012, é controlada pelo gigante financeiro americano BlackRock. De acordo com The Economist, a plataforma financeira gere 14 trilhões de dólares em ativos financeiros no mundo, quase o PIB americano. É também acionista da Petrobrás, onde chegou a deter mais de 5% das ações. [4]

Mercado aberto aos investimentos e importações

Desde 1997, o mercado de combustíveis é aberto para investimentos em refinarias, dutos, terminais, exploração e produção de petróleo, bem como para importações de petróleo e derivados. Existem 17 refinarias em operação no país, sendo 4 delas privadas, respondendo a Petrobrás pela quase totalidade dos investimentos e dos produtos refinados no país.

Não há interesse das empresas privadas em investir em novas refinarias, embora a demanda deva aumentar nos próximos anos.

Segundo Décio Oddone, diretor geral da ANP, “o consumo de derivados no Brasil, tende a crescer, aumentando a demanda por investimentos nas refinarias. Segundo ele, o país deve chegar a 2028 importando 1 milhão de barris de derivados por dia, contra 600 mil atuais.”

O mercado de derivados brasileiro é o sétimo do mundo e com previsão de crescimento de 1,8% ao ano até 2030. Isto é que atrai os grandes conglomerados industriais/financeiros em todo o mundo.

Nosso mercado interno é exatamente o maior patrimônio do país, que dá força e condições para a Petrobrás investir, descobrir o pré-sal e desenvolver o mercado industrial brasileiro.

Política de preços internacionais

Mas, por que adotar no país os preços internacionais? Não faz sentido, num país com uma estatal integrada, que produz do poço ao posto, rentável, com capacidade tecnológica para explorar o pré-sal que ela própria descobriu e desenvolveu.

A política de preços altos e vinculados à variação do preço do petróleo e do câmbio, foi iniciada em 2016, durante a gestão do ex-presidente da Petrobrás, Pedro Parente. A justificativa era aumentar o lucro e atrair outros investidores para proteger a Companhia da interferência governamental, inclusive vendendo parte de suas instalações industriais. Não faz sentido vender refinarias com a desculpa de proteger a estatal. [5]

O diesel mais caro da Petrobrás acabou viabilizando sua importação, levando a estatal a perder mercado e receita de vendas. A Petrobrás limitou a carga em suas refinarias, tornando-as ociosas em até 30%, perdendo mercado para os refinadores dos EUA, as tradings estrangeiras e distribuidoras que operam no país, além dos produtores de etanol que tomaram o espaço da gasolina mais cara.

Com o fim da greve dos caminhoneiros e redução no preço do diesel, a Petrobrás retomou o mercado doméstico, propiciando menores preços para os consumidores e lucratividade para a Companhia. Sem falar da melhoria nas contas externas do país. 

O lucro operacional do segmento de refino aumentou de US$ 3,8 Bi no 1T18, para US$ 7,2 Bi no 2T18, um aumento acima de 90% na lucratividade, através de preços menores na refinaria e recuperação do mercado.

Diante da menor competição com produtos importados, o fator de utilização do parque de refino da Petrobrás no Brasil atingiu 81% no segundo trimestre deste ano, o que representa um avanço de 9 pontos porcentuais na comparação com os primeiros três meses do ano e de três pontos em relação a igual período de 2017. Por outro lado, o aumento da carga processada nas refinarias reduziu a exportação de petróleo cru. [6]

A estatal conseguiu elevar participação no mercado nacional de diesel, da média de 74% de 2017, para cerca de 87% em junho. (Valor Econômico, 24/08/2018)

É importante esclarecer que parte do diesel é importado, ao contrário do que alguns pensam, por uma questão de logística e otimização no refino e não porque suas refinarias não conseguem processar o petróleo nacional. Cerca de 93% do petróleo processado é nacional, contra 82% em 2011, e o valor só tende a crescer com o processamento de maior parcela de óleo do pré-sal, mais leve e rentável.

A greve dos caminhoneiros foi consequência da política de preços altos e vinculados à variação do petróleo e do câmbio, e resultou em prejuízos de R$ 15 bilhões.

Para acabar com a greve, o governo adotou a redução de tributos e a subvenção da União aos produtores e importadores de diesel, programa de R$ 13,5 bilhões cujo objetivo é reduzir em R$ 0,46 por litro no diesel ao consumidor até o fim do ano.
Nada disso seria necessário se a Petrobrás continuasse a praticar sua política de abastecer o mercado nacional a preços abaixo do mercado internacional, garantindo o funcionamento adequado e competitivo da economia nacional.

Os impostos e o preço ao consumidor nos postos

Mas, o preço da nossa gasolina é mais caro que nos EUA, ou nos postos da Petrobrás no Paraguai. Como isto é possível?

Estamos falando, até agora, do preço do combustível nos portões das refinarias. Ele corresponde a cerca de metade do preço do diesel e de um terço do da gasolina cobrado nos postos. O restante vai para os impostos, distribuidoras e postos. [7]

Quanto aos impostos, cabe à população decidir se prefere uma sociedade com baixa tributação no preço dos combustíveis, como nos EUA, ou mais elevada, como na Europa. Não existe caminho fácil. Uma desperdiça, e opta pelo transporte individual, sem falar nas guerras e deposições de governos de outros países para garantir seu suprimento interno; a outra, usa os impostos para financiar investimentos e manutenção do transporte de massas e energia alternativa.

Os impostos podem ser reduzidos, se o governo cancelar as medidas que tem tomado para favorecer aos investidores externos, diminuindo o conteúdo local, sucateando as indústrias e aniquilando empregos.

A Medida Provisória do Trilhão (MP 795/2017), transformada na Lei 13586/2017, concede isenção de impostos às petroleiras estrangeiras estimada em 1 trilhão de reais nos próximos 25 anos [8].

O Projeto de Lei (PL 8939/2017), de autoria do deputado federal José Carlos Aleluia (DEM-BA), aprovadas na Câmara e aguardando votação no Senado Federal, pode entregar cerca de 20 bilhões de barris de petróleo da Cessão Onerosa às multinacionais petroleiras, abrindo mão de 700 bilhões de reais em petróleo. [9]

A pergunta a ser feita nestas eleições

A grande questão a ser respondida pelos candidatos nesta eleição é: qual é a política de preços que pretende praticar se for eleito?

De paridade com os preços internacionais, sujeita às flutuações do mercado externo, ou a calculada a partir dos custos de produção e garantidora dos investimentos da Petrobrás para abastecer o país? [10] e [11]

Diomedes Cesário da Silva
Ex-presidente da AEPET

[1] http://files.investidorpetrobras.com.br/documentos/FORM-20-F-2017_Portugues.pdf página 30
[2] http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/2122-petrobras-e-a-maior-vitima-de-fake-news-da-historia-do-brasil
[3] http://www.aepet.org.br/uploads/paginas/uploads/File/Justificacao%20voto%20AGO-AGE%20Petrobras/Justificacao%20voto%20AEPET%20-%20AGO-AGE%20PETROBRAS%20-%202007-04.pdf
[4] http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2012/06/a_era_do_capital_improdutivo_2_impress%C3%A3oV2.pdf
[5] http://www.aepet.org.br/w3/index.php/artigos/noticias-em-destaque/item/1624-nota-sobre-a-privatizacao-da-refinarias-da-petrobras#comment-3961
[6] http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/2070-refino-e-politica-de-precos-da-petrobras-alerta-aos-presidenciaveis
[7] http://www.petrobras.com.br/pt/produtos-e-servicos/composicao-de-precos-de-venda-ao-consumidor/diesel/
[8] https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/camara-envia-ao-senado-a-%E2%80%9Cmp-do-trilhao%E2%80%9D-que-isenta-de-impostos-petroliferas-estrangeiras/
[9] http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/1851-aproveitando-copa-camara-pode-doar-20-bilhoes-de-barris-as-petroleiras-estrangeiras
[10] http://www.aepet.org.br/w3/index.php/artigos/item/810-dois-projetos-duas-visoes-de-pais-e-de-mundo
[11] http://www.aepet.org.br/w3/images/2018/05/prograsetor.pdf

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