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Milton Saldanha

Raízes da onda conservadora

Teve também o dedo do Pentágono, interessado numa guerra civil que dividisse o Brasil em dois, para enfraquecer suas possibilidades de crescer

Publicado em 13/12/2017
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Teve também o dedo do Pentágono, interessado numa guerra civil que dividisse o Brasil em dois, para enfraquecer suas possibilidades de crescer como potência, ameaçando a hegemonia dos Estados Unidos. João Goulart não caiu na cilada e recusou a luta.

São vários fatores.

Mas um, no plano interno, aponto como fundamental: era preciso conter o acelerado processo de politização popular que ocorria. Isso, associado ao fenômeno Cuba, com forte repercussão mundial, na época, causava temores nos setores mais conservadores, principalmente do capital financeiro.

A politização a que me refiro tinha várias frentes, não interligadas em termos de organização, mas com afinidades expressadas na simpatia recíproca.

Havia as Ligas Camponesas, do deputado Francisco Julião, no Nordeste, lutando pela reforma agrária, enquanto os coronéis latifundiários se armavam para resistir.

O governo popular de Miguel Arraes, em Pernambuco, quebrava a tradição de controle do poder pelo coronelismo.

No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola encampava empresas norte-americanas de energia elétrica e bondes, construiu 6 mil escolas rurais, e implementou um projeto piloto de reforma agrária no município de Camaquã, pertinho dos maiores centros consumidores.

Nas cidades, a Frente de Mobilização Popular, com várias correntes da esquerda, promovia debates públicos, com portas abertas, e ensaiava a resistência ao golpe, que se mostrava a cada dia mais provável.

Mesmo sem o poder dos grandes jornais, da direita, existiu uma imprensa popular, com forte penetração no meio estudantil. Jornais como o “Brasil, Urgente”, da esquerda católica, faziam grande sucesso. O PCB tinha a “Voz Operária”. “Ultima Hora”, com edições regionais, representava a grande imprensa popular. Sempre contida, sem radicalizar, como fazia a pequena mídia.

No Rio, a rádio Mayrink Veiga era retransmitida para todo o Brasil, com intensa pregação nacionalista de esquerda. Alcançava alto índice de audiência.

As poucas emissoras de TV tinham alcance só local, ainda não havia o satélite, que depois revolucionou o sistema. A programação era curta e concentrada no entretenimento, para faturar com anúncios.

Nas escolas secundárias e nas universidades, estas últimas ainda poucas, em fase de montagem (o que atesta o brutal atraso brasileiro na educação), o debate político tinha presença forte, ensejando divisões acirradas entre os estudantes. A política estudantil fervilhava. A UNE, controlada pela esquerda, atuava intensamente, assim como várias entidades dos secundaristas.

A esquerda católica crescia, com respaldo no Papa João XXIII, o primeiro grande reformista da Igreja, e disputava espaço com a esquerda tradicional, com seu discurso atrelado ao Leste europeu.

Enfim, haveria ainda outros exemplos para provar minha tese sobre o processo de politização popular, principalmente nas Forças Armadas, que eram divididas. Vários generais ficaram famosos como “generais do povo”. Um brigadeiro comunista comandou a principal base aérea do Rio, a de Santa Cruz. Basta esse detalhe para mostrar o alcance da divisão. Os sargentos estavam organizados e representavam ameaça à hierarquia, onde a ala de oficiais conservadores era forte. Na Marinha, marinheiros e fuzileiros navais estavam politizados, com um comandante, o almirante Aragão, de origem popular e declaradamente de esquerda.

Havia divisões também entre os oficiais, que ficaram mais nítidas depois do golpe, com as expulsões, prisões e passagem compulsória para a reserva nos casos que consideravam mais brandos.

O meio sindical nesse período teve uma força mobilizadora incomparável com qualquer outro momento na vida brasileira. Categorias como os ferroviários, estivadores, gráficos, petroleiros, metalúrgicos, entre outras, eram bem organizadas e atuantes. Só em São Paulo, uma grande greve paralisou 700 mil trabalhadores. Esse número jamais voltou a ser igualado.

Havia, entre as várias categorias, um forte sentimento de união, ao contrário das greves metalúrgicas que viriam depois, nos anos 1970 e 1980, com Lula, no ABC, estritamente corporativistas, com visão obreira elitista. Eles se achavam superiores aos demais trabalhadores e não vislumbravam suas conquistas num contexto de luta de classes. Exatamente o contrário da fase pré-1964.

Lula foi gerado nesse sindicalismo corporativista ao extremo, que permitia também acordos com os patrões, desde que fosse bom para o setor. Eles praticaram um peleguismo sofisticado, que ajudou as montadoras nas suas pressões sobre o governo. Por exemplo, na luta contra o CIP – Controle Interministerial de Preços, que segurava os aumentos abusivos nos preços dos veículos. O jogo era acenar com greves, que os patrões não poderiam patrocinar abertamente, ou com a chantagem na ameaça de demissões em massa. Deu certo, o CIP foi fechado.

Na política, voltando ao pré-1964, além do governo popular de João Goulart, que pregava as reformas de base, para favorecer os mais pobres e conter a inflação, havia no Congresso a Frente Parlamentar Nacionalista, que aglutinava várias correntes da esquerda.

Tudo isso arrepiava os grandes empresários, os banqueiros, e os militares da direita. O que chamavam de ameaça comunista, na verdade, era esse conjunto de fatos. Ameaça comunista, real, nunca existiu. Isso foi lenda.

Consumado o golpe, veio o desmonte geral. Os sindicatos foram fechados, com interventores. O expurgo de professores em larga escala.

Essa turma estúpida do “escola sem partido” teria adorado. Não chegaram ao ponto de fechar as faculdades de Filosofia, História e sociologia, temendo o escândalo internacional, mas fecharam o curso Clássico, de segundo grau, que tinha como foco a formação humanista.

Em paralelo, sucatearam o ensino público, principalmente pagando mal aos professores, enquanto proliferavam as escolas e faculdades particulares, rendosas como negócio para vender diplomas, alienadas e de baixo nível de ensino.

O processo de politização popular foi estacando. Essa foi a maior vitória do golpe. Em seu lugar entrou a pregação do consumo de bens supérfluos como a porta para a felicidade geral da nação.

Porém, sem proporcionar a todos renda compatível para isso. O resultado foi a onda de violência que hoje conhecemos. A geração shopping center gosta de tênis de grife, mas o favelado não foi avisado que não era para ele. Contaminado pela propaganda, o jovem se arma e vai buscar o dele. Simples assim.

Essa vitória do golpe nos legou uma população anestesiada mentalmente. Repleta de frustrações, e sem entender o processo político-social que a cerca. Encontra identificação no atraso.

Isso explica o fenômeno Lula, um carreirista sem conteúdo ideológico, como pai dos pobres. A desesperança é tanta, que só sobrou ele, repetindo o populismo dos caudilhos de sempre, típico da cultura latino-americana.

Ou se apela para as vozes evangélicas, que nos legaram os cunhas e garotinhos da vida.

Ou, ainda, o cowboy Bolsonaro, vomitando tantos absurdos, que eles até gostam. É a identificação, sem melhores parâmetros, pela ignorância.

Chamam Bolsonaro de mito, sem noção do significado da palavra. Nem poderiam ter, nunca estudaram. Ou, no caso oposto, nada entenderam.

Em tempo: mito define alguém fantasioso e irreal.

Milton Saldanha é jornalista

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