Vários autores; Autor sem foto
Maria Lucia Fattorelli
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Rodrigo Ávila

Sistema da Dívida: a sangria continuou em 2024

Privilégio do Sistema da Dívida fez com que capturasse quase 43% do Orçamento em 2024

Publicado em 25/02/2025
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Nesse artigo, divulgamos o gráfico do orçamento federal executado em 2024 e analisamos a sangria provocada pelo Sistema da Dívida, apontando a necessidade de enfrentamento desse sistema por meio da ferramenta da auditoria, com participação social.

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Em 2024, o Governo Federal destinou, mais uma vez, a maior fatia de seu orçamento para o pagamento de juros e amortizações da chamada dívida pública. Cerca de R$ 2 trilhões, que representam quase 43% de todos os gastos federais, se destinaram ao pagamento de uma dívida que não tem servido para investimentos no Brasil, como já afirmou o Tribunal de Contas da União.

Não sabemos para quem pagamos esse montante que atingiu quase R$ 2 trilhões durante o ano passado, tendo em vista que o pagamento de juros e amortizações da dívida pública se dá de forma sigilosa, sem transparência, pois são divulgados apenas os setores econômicos que recebem essa bolada, sobressaindo-se o setor financeiro.

O mais grave é o fato de que essa chamada dívida pública sem contrapartida e sem transparência tem sido a principal estrutura do modelo econômico injusto que atua no Brasil, funcionando como o que denominamos Sistema da Dívida.

O gráfico elaborado anualmente pela Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), produzido com dados oficiais divulgados pelo Governo Federal, aponta que áreas fundamentais para a sociedade brasileira receberam uma parcela ínfima em 2024, destacando-se a Educação (2,95%), a Saúde (4,16%) e a Gestão Ambiental (0,3%), por exemplo. As Transferências aos Estados e Municípios limitaram-se a apenas 11,07%, cerca de 1/4 do que o governo destinou ao Sistema da Dívida.

Orçamento Federal executado mostra privilégio do Sistema da Dívida em 2024

Esta situação tem sido perpetuada por meio de uma série de privilégios inseridos na legislação brasileira ao longo dos anos, destacando-se o escândalo ocorrido durante o funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte em 1988, quando foi inserido na letra “b” do inciso II, parágrafo 3º do art. 166 do texto constitucional, dispositivo que não havia sido votado.

Esse grave fato foi denunciado à época em importante estudo “Anatomia de uma fraude à Constituição”, e mediante inquérito civil público, entre outras tentativas de reverter o intocável privilégio ao Sistema da Dívida, pois esse dispositivo impede que o Congresso Nacional possa alterar os valores previstos na Lei Orçamentária Anual para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

Diversos mecanismos financeiros geram dívida pública sem contrapartida em investimentos, a exemplo da Bolsa-Banqueiro, que remunera diariamente os bancos sobre um dinheiro que sequer pertence a eles, e com juros abusivos praticados no Brasil, por falta de limite legal, o que tem permitido que o Banco Central pratique uma política monetária suicida, elevando a Selic a patamares extremamente altos, sem qualquer justificativa técnica ou econômica que se sustente.

O privilégio do Sistema da Dívida tem sido alimentado também por instrumentos que limitam a destinação de recursos para as áreas sociais, para que sobre cada vez mais dinheiro para os gastos com esse sistema. O arcabouço fiscal (Lei Complementar 200/2023) manteve, com alterações mínimas, o teto de gastos sociais criado em 2016 (Emenda Constitucional 95/2016), com o objetivo de “guardar recursos importantes para o pagamento do endividamento público”, como constou expressamente em sua exposição de motivos.
O problema das contas públicas está no Sistema da Dívida

Diversas falácias tentam esconder o escancarado privilégio do Sistema da Dívida estampado no gráfico do orçamento federal elaborado pela ACD, que mostra onde de fato está o rombo das contas públicas. O gráfico evidencia que o problema das contas não é a Previdência ou o funcionalismo público, como alegam setores da grande imprensa, de governos, e analistas que defendem o Sistema da Dívida.

A ACD já mostrou em vídeo e diversos textos que o gráfico está correto, e que é falsa a alegação de que a dívida estaria apenas sendo rolada (a chamada “rolagem” ou “refinanciamento” é definida como o pagamento de amortizações – principal da dívida – com recursos obtidos por meio da emissão e venda de novos títulos da dívida). Na verdade, a maior parte dos JUROS está sendo contabilizada como se fosse AMORTIZAÇÃO (que engloba também refinanciamento ou rolagem), como a ACD vem denunciando desde 2010, quando comprovou tal fato durante a assessoria à CPI da Dívida.

No ano de 2024, o Tesouro Nacional contabilizou somente R$ 352 bilhões de juros pagos, o que é claramente incompatível diante de um estoque de dívida pública federal de R$ 8,839 trilhões no início do ano, sobre o qual incidiu uma taxa de juros média de 11,8% ao ano, o que resulta em uma estimativa (conservadora, pois considerou apenas o estoque inicial) de R$ 1,043 trilhão de juros pagos no ano passado. Tal fato demonstra que dentro da rubrica das amortizações não está a simples rolagem, como dizem, mas sim a maior parte dos juros pagos.

Adicionalmente, R$ 329 bilhões de amortizações feitas no ano de 2024 foram pagas com recursos que nada têm a ver com receitas obtidas com a venda de mais títulos da dívida pública, mas tiveram como fonte de receitas: tributos, recebimento de dívidas de estados e municípios, lucros das estatais, entre outras. É preciso denunciar que a partir de 2023 o governo parou de divulgar o detalhamento dessas outras fontes de receitas, e só se consegue ver se decorre ou não de emissão de novos títulos da dívida.

Até mesmo o pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (com vistas a detalhar as fontes utilizadas no pagamento da dívida) foi negado pelo governo.

Esses R$ 329 bilhões obtidos de fontes distintas da emissão de títulos deveriam estar sendo empregados em investimentos sociais, porém têm sido sugados pelo Sistema da Dívida. É fundamental identificar isso, tendo em vista que, em 2024, por exemplo, o montante de R$ 94 bilhões de recursos obtidos com novas dívidas foi empregado em algumas áreas sociais. No entanto, se analisado o fluxo contrário, fica evidente que, em termos líquidos, a chamada dívida pública sugou mais R$ 235 bilhões das áreas sociais, e não as financiou.

Diante desses fatos, depreende-se que no mínimo R$ 1,372 trilhão de pagamentos da dívida em 2024 não possuem qualquer relação com a chamada “rolagem”, como tem sido alegado pelos setores que tentam minimizar o rombo que o Sistema da Dívida tem representado às contas públicas no Brasil.

Por fim, é importante ressaltar que, no Brasil, os novos empréstimos têm sido consumidos pelo próprio Sistema da Dívida, pois aqui os prazos são curtíssimos, e os juros, astronômicos, situação completamente distinta do que tem sido praticado em países desenvolvidos, que usam o endividamento público de forma sustentável, pois praticam juros baixos ou negativos, prazos longos e, principalmente, destinam os recursos para investimentos sociais e produtivos, que geram receita tributária, empregos, movimentando a economia e plena capacidade de pagamento de suas dívidas.

Assim, o montante gasto efetivamente com a chamada “rolagem” ou “refinanciamento” da dívida deve ser considerado como um custo para o país, uma vez que poderia ter sido destinado para investimentos sociais, como praticado em outros países.
Como enfrentar

É urgente enfrentar esse perverso sistema que tem prejudicado a sociedade brasileira e impedido o nosso desenvolvimento socioeconômico e ambiental, razão pela qual a Auditoria Cidadã da Dívida tem oferecido várias ferramentas, como o novo curso “O Sistema da Dívida e a necessidade de auditoria integral”, que se encontra com as inscrições abertas.

Acreditamos que somente uma grande mobilização social consciente será capaz de gerar forças para enfrentar esse sistema, e essa mobilização só virá a partir do conhecimento da situação. Participe!

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB, e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP.

Rodrigo Ávila é economista da Auditoria Cidadã da Dívida.

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