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Bercovici: "Cabe à Petrobrás buscar instrumentos jurídicos para anular decisão do CADE sobre refino"

Existe farta legislação contra acordo do CADE que forçou privatização, até agora, de RLAM e Reman

Publicado em 17/02/2023
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O presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, avalia a possibilidade de romper um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para manter seis refinarias sob comando da petroleira. Tal decisão é esperada por toda a sociedade para acabar com os monopólios privados regionais como ocorreu, na Bahia e em Manaus, com a venda da RLAM e REMAN respectivamente.

Além de não dar continuidade à venda das demais refinarias da empresa é preciso construir uma saída jurídica para reverter o mais rápido possível as privatizações realizadas como alternativa para manter a integração do Sistema Petrobrás, a soberania energética e uma empresa integrada a serviço de toda a sociedade e não apenas para distribuir dividendos aos acionistas.

O acordo do CADE foi assinado voluntariamente pelos gestores da Petrobrás em 2019 e impôs a venda de oito das 13 refinarias da estatal, o que reduziria a participação da companhia no mercado para cerca de 50%,à época era 98% do mercado, segundo o CADE.

Procurado pela equipe da AEPET-BA, o professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, Gilberto Bercovici, fala sobre esse acordo. Na entrevista, Bercovici apresenta farta legislação constitucional e infraconstitucional contra o acordo do CADE que forçou a Petrobrás a privatizar até agora, duas das mais importantes refinarias: RLAM e Reman.

O professor Bercovici é Bacharel em Direito (1996), Doutor em Direito do Estado (2001) e Livre-Docente em Direito Econômico (2003) pela Universidade de São Paulo (USP). Também é autor do livro Nacionalização: necessidade e possibilidades, que escreveu com José Augusto Fontoura Costa

Leia a seguir:

AEPET-BA: É legal o acordo firmado entre o CADE e a Petrobrás?

Gilberto Bercovici: O CADE, por qualquer de seus órgãos, não tem competência alguma para configurar ou determinar como deve ser realizada uma determinada política pública, como é o caso da política de refino de petróleo no Brasil. Deste modo, cabe ao CADE atuar dentro dos parâmetros constitucionais e legais. Não é possível a um órgão da Administração Pública usurpar competências de outros órgãos da Administração Pública, tendo em vista a delimitação constitucional e legal de suas atribuições como órgão responsável pela política concorrencial do país. O setor de refino de petróleo é monopólio constitucional da União, portanto, imune à incidência da legislação de defesa da concorrência no exercício de suas atividades.

Não há previsão legal de instauração de procedimento investigativo com finalidade sancionatória contra a Petrobrás por ter exercido sua competência constitucional e legal de desenvolver as atividades do monopólio da União no setor de refino de petróleo (artigo 177 da Constituição e artigo 4º, II da Lei nº 9.478/1997). Não bastasse isso, a Lei nº 9.491/1997 proíbe expressamente a alienação ou transferência para a iniciativa privada das empresas estatais que exerçam atividades de competência exclusiva da União de que trata, entre outros, o artigo 177 da Constituição. Qualquer ato tendente a impor medidas restritivas ao exercício do monopólio constitucional do refino, inclusive a venda de ativos, é abusivo e, portanto, nulo, pois fora dos limites de competência dos órgãos de defesa da concorrência.

AEPET-BA: O que deve ser feito pela nova administração da Petrobras se desejar reconstruir a empresa.?

Bercovici: A Petrobrás deve se valer de todos os instrumentos jurídicos e administrativos para anular a decisão ilegal do CADE, inclusive buscar a manifestação da Advocacia Geral da União, órgão competente para atuar em conflitos de competência na Administração Pública Federal (Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993). Estamos, neste caso, diante de uma explícita violação ao disposto na Constituição e em várias leis vigentes no país. A atuação do CADE e da Petrobrás viola a legalidade, firmando documentos nulos de pleno direito que podem trazer sérios impactos econômicos não apenas para os acionistas da Petrobrás, mas para toda a sociedade brasileira. Os envolvidos na realização do ato, o de firmar um Termo de Compromisso de Cessação de Prática ilegal e inconstitucional, certamente não só podem como devem ser pessoalmente responsabilizados administrativa, cível e criminalmente.

AEPET-BA: Uma das promessas de campanha de Lula foi ampliar a produção local e reduzir os preços, como ele pode cumprir com a promessa diante deste cenário de ilegalidades?

Bercovici: O Presidente Lula deve cumprir sua promessa restaurando a Petrobrás como empresa estatal a serviço da sociedade brasileira, anulando e revendo os atos que prejudicaram sua atuação, inclusive a venda de ativos, acabando com a política de preços vinculada ao mercado internacional (PPI) e a distribuição excessiva de dividendos e reestruturando novamente a Petrobrás como empresa integrada de energia. A imensa maioria dessas decisões são administrativas, tomadas no âmbito da empresa, bastando a União voltar a exercer seu papel de acionista majoritária e controladora e cumprir a missão definida em lei para toda empresa estatal, como é a sociedade de economia mista Petrobrás: atender ao interesse público que justificou sua criação (artigo 238 da Lei nº 6.404/1976, Lei das Sociedades Anônimas, e artigo 4º, §1º da Lei nº 13.303/2016, Lei das Estatais)

 

"O Presidente Lula deve cumprir sua promessa restaurando a Petrobrás como empresa estatal a serviço da sociedade brasileira, anulando e revendo os atos que prejudicaram sua atuação, inclusive a venda de ativos, acabando com a política de preços vinculada ao mercado internacional (PPI) e a distribuição excessiva de dividendos e reestruturando novamente a Petrobrás como empresa integrada de energia"

 

AEPET-BA: Como o senhor avalia a opção que prever a venda das seis refinarias restantes, conforme determina pelo CADE, e usar os valores arrecadados para financiar a construção de novas unidades na mesma região como vem defendendo alguns setores?

Bercovici: Essa opção não tem fundamento jurídico algum, dado que a venda das refinarias é ilegal, conforme o artigo 177 da Constituição, a Lei nº 9.478/1997 e a Lei nº 9.491/1997.

AEPET-BA: Desde a venda da RLAM, na Bahia, os trabalhadores seguem vivenciando situações de insegurança no trabalho, além de ocorrências que afetaram diretamente a população, como a falta de gás de cozinha, e o segundo preço mais caro dos combustíveis, perdendo apenas para os preços pagos pelos amazonenses, depois da venda da REMAN. O que a venda das demais refinarias previstas no acordo do CADE representaria para a população das regiões?

Bercovici: Como toda empresa privatizada, a RLAM passa a ser administrada visando a obtenção do melhor resultado financeiro possível para seus novos proprietários privados. As questões de interesse público, ambientais ou trabalhistas nem sempre são consideradas prioritárias ou relevantes. O fato de as refinarias atuarem em verdadeiros monopólios regionais, dado que foram criadas dentro da visão de mercado nacional integrado seguida então pela Petrobrás, demonstra mais um dos equívocos causados pelo acordo ilegal firmado entre o CADE e a Petrobrás.

Fonte: AEPET-BA

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