Membro da PGR afronta Gonet para salvar cargo de ex-Lava Jato e vira alvo de suspeição

Gravação mostra servidor de Venturi informando que procurador já teria “despachado” o processo

Publicado em 13/12/2024
Compartilhe:

O procurador-geral da República Paulo Gonet teve uma diretriz afrontada por um membro da Procuradoria-Geral da República que foi designado para recorrer da decisão de segunda instância que mantém o cargo de procurador de Diogo Castor de Mattos, o ex-Lava Jato condenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) à demissão por ter contratado um outdoor para promover a famigerada República de Curitiba.

Membro do MPF há quase 30 anos, com passagem pelo MP do Paraná, Elton Venturi foi nomeado em portaria assinada em 12 de novembro de 2024 para representar a PGR na busca pela demissão de Castor de Mattos. Mas Venturi decidiu, nesta quinta-feira (12), apresentar embargos ao acórdão do TRF-4, abrindo mão do recurso em desfavor do lavajatista. Com isso, em tese, o caso de Castor deveria ser encerrado e o procurador de Curitiba, poupado em definitivo de demissão. Mas a história não acaba aqui.

O coletivo Advogadas e Advogados Pela Democracia, parte ativa neste imbróglio jurídico, decidiu reagir e protocolou nesta sexta (13) uma arguição de suspeição contra o procurador Elton Venturi. A petição sustenta que Venturi é apoiador declarado da Lava Jato e tentou declinar da designação de Gonet para atuar no caso de Castor de Mattos, sugerindo ao PGR “nomear outro procurador ou fazer o recurso ele mesmo”. A postura de Venturi sugere que ele não tinha intenção de contestar a manutenção do cargo de Castor.

O GGN obteve acesso e publica com exclusividade um trecho de uma gravação que mostra um servidor do gabinete de Venturi informando que o procurador já teria “despachado” o processo e avisado a Gonet que “não ia recorrer”.

“Já foi despachado no processo, como houve uma designação, o doutor Elton, ele respondeu designação informando que não ia recorrer, que é para o doutor Gonet nomear outro procurador ou ele mesmo fazer o recurso, então, em princípio esse processo não está mais com o senhor Elton, até porque o eproc (inaudível), mas ele já informou a PGR que não atuaria no feito”, disse um membro do gabinete de Venturi antes do procurador apresentar embargos ao TRF-4 abrindo mão de atuar em desfavor de Castor de Mattos.

Receba os destaques do dia por e-mail

Cadastre-se no AEPET Direto para receber os principais conteúdos publicados em nosso site.
Ao clicar em “Cadastrar” você aceita receber nossos e-mails e concorda com a nossa política de privacidade.

Na teoria, Venturi sequer tem poderes para recusar a designação do PGR. Ao contrário disso, é esperado que o membro do MPF atue como um “longa manus” do procurador-geral da República quando designado por este último para atuar em algum processo.

“É fato que o PRR [procurador da República] designado pelo PGR deve atuar como longa manus da Procuradoria-Geral da República, responsável por representar os interesses da União, fiscalizar o cumprimento da lei, e zelar pela execução da Constituição, devendo cumprir as ordens contidas em sua designação e não delas se insurgir, ou oferecer recusa”, apontou o coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia.

SUSPEIÇÃO

Venturi é apoiador da Lava Jato e não esconde isso de ninguém. Em março de 2016, assinou um manifesto de procuradores e professores universitários – ele dá aula na UFPR – em apoio à operação então comandada por Sergio Moro. O manifesto foi divulgado na imprensa e consta na arguição de suspeição que o coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia apresentou à PGR contra Venturi.

O objetivo do coletivo é obter “a declaração da suspeição do Procurador Regional Elton Venturi, com a ordem expressa de que protocole desistência imediata da descaracterizada manifestação protocolada como embargos de declaração e a designação de outro PRR que cumpra as ordens designadas pela PGR na fiscalização do cumprimento da lei, zelando pela execução da Constituição Federal.”

A portaria que designou Venturi para recorrer em desfavor de Diogo Castor de Mattos deixou claro que o procurador tinha o “dever de adotar, de forma fundamentada, as medidas processuas necessárias, mediante a análise do caso, tendo em vista o cabimento de recurso útil”.

Mas um mês depois da designação, contrariando a diretriz do PGR, Venturi analisou o caso e informou ao TRF-4, em embargos de declaração, que concluiu pela “inadmissibilidade de interposição de recursos especial e ou extraordinário objetivando impugnar o acórdão da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na medida em que descabidos.”

Venturi agarrou-se à discussão em torno da lei 14.230, aprovada em 2021 que estabeleceu um rol taxativo de condutas consideradas ímprobas por violação aos princípios da administração pública. Embora o outdoor tenha sido contratado em 2019, e Castor tenha sido condenado pelo CNMP em 2021, a ação civil pública que pediu a execução da sentença só passou a tramitar em 2022. A defesa de Castor argumentou que, no caso do outdoor, à luz da atualização da lei, só seria improbidade se ele tivesse usado recursos públicos para pagar pela publicidade, o que ele alega que não ocorreu.

O caso, no entanto, não é tão simples quanto parece. Segundo o coletivo Advogadas e Advogados Pela Democracia, que acompanha o caso desde a origem, somente a palavra do procurador de Curitiba consta como prova de como se deu o pagamento, visto que ele não anexou nenhum comprovante nos autos.

Além disso, e ainda mais grave, Diogo Castor teria feito a contratação do outdoor usando o nome de uma terceira pessoa, João Carlos Queiroz Barbosa, um cidadão comum que nada tem a ver com a Lava Jato.

Barbosa aguarda o desfecho do caso de Castor na Justiça para pedir reparação por ter sido vítima de possível estelionato ou fraude ideológica. Um inquérito policial foi aberto para apurar os supostos crimes. Ele tramitava na 5ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, mas foi enviado à PGR a pedido de Castor de Mattos, e desapareceu do radar do coletivo, “a despeito das inúmeras tentativas dos peticionários em obter informações”.

Entenda o caso

Castor de Mattos foi sancionado à pena de demissão pelo Conselho Nacional de Ministério Público no julgamento do Processo Administrativo Disciplinar nº 1.00997/2020-21. A demissão, no entanto, não é automática: nestes casos, o CNMP precisa acionar o MPF na primeira instância para instaurar a ação que executaria a sanção. Foi neste percurso que a decisão do CNMP sofreu um revés.

O procurador Peterson de Paula Pereira ajuizou ação civil pública de perda de cargo, mas a 1º Vara Federal de Curitiba negou a demissão. O caso subiu de instância, assumido pelo procurador Mauro Cichowski, mas a 12ª Turma do TRF-4 – composta por desembargadores que são lavajatistas – também decidiu poupar Diogo Castor da perda de cargo. É contra essa decisão que a PGR pode recorrer com prazo até o final de janeiro de 2025.

O coletivo de Advogadas e Advogados pela Democracia também já apresentou incidente de suspeição em relação a todos os integrantes da 12ª Turma do TRF4 para julgar apelação em ação popular envolvendo Castor de Mattos.

O procurador Elton Venturi foi procurado pela reportagem através de seu gabinete, mas não houve resposta até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto.

Fonte(s) / Referência(s):

Jornalismo AEPET
Compartilhe:
guest
0 Comentários
Mais votado
Mais recente Mais antigo
Feedbacks Inline
Ver todos os comentários

Gostou do conteúdo?

Clique aqui para receber matérias e artigos da AEPET em primeira mão pelo Telegram.

Continue Lendo

Receba os destaques do dia por e-mail

Cadastre-se no AEPET Direto para receber os principais conteúdos publicados em nosso site.

Ao clicar em “Cadastrar” você aceita receber nossos e-mails e concorda com a nossa política de privacidade.

0
Gostaríamos de saber a sua opinião... Comente!x