Traduzindo o corte de gastos

Termos técnicos do pacote de gastos escondem que se trata de tirar dinheiro de quem precisa para entregar a rentistas

Publicado em 28/11/2024
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Fernando Haddad (foto de Valter Campanato, ABr)

Os termos do pacote de corte de gastos exigido pelo mercado financeiro nem sempre permitem uma compreensão do que será feito. Vamos dar uma olhada em algumas propostas (esta coluna foi escrita antes de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se imolar em TV pública com o anúncio oficial).

Uma das medidas é a restrição do ganho real do salário mínimo: o piso salarial teria reajuste pela inflação mais um crescimento real entre 0,6% e 2,5%, seguindo o que o calabouço fiscal determina para as contas do governo. Traduzindo, em 2025, em vez de 2,9% (PIB de 2023) + INPC, o mínimo aumentaria no máximo 2,5% + INPC, perda de 0,4 ponto percentual (pp); na pior hipótese, 0,6% + INPC, com perda de 2,3pp.

Estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP aponta que a medida pode intensificar a desigualdade e agravar a pobreza. Caso a restrição do ganho real estivesse vigente desde 2000, o índice Gini, que mede a concentração de renda, teria avançado de 0,529 para algo entre 0,546 e 0,549 (quanto mais perto de 1, mais desigual). O impacto sobre o BPC levaria a uma “economia” de R$ 50 bilhões, mas a desigualdade subiria 0,75%.

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Poderia ser pior: deputados (como Pedro Paulo, cria do prefeito do Rio, Eduardo Paes) articulam na Câmara a “desvinculação do aumento do salário mínimo das aposentadorias”. A tradução deixa o corte menos técnico: pagar aos aposentados menos do que o piso. Ou, explicando melhor, tirar de aposentados para garantir o pagamento de juros para rentistas (leia “No Brasil, rentistas dobram patrimônio em 11 anos; nos EUA, levariam 173 anos”).

Como citado na coluna de ontem, “0,01% [dos brasileiros], apenas 15.366 pessoas, com renda média bruta anual de R$ 26,5 milhões, que ficavam com 5,8% da Renda Nacional Disponível Bruta (RNDB) das famílias brasileiras em 2022; 81% é de renda sobre o capital ou rural”.

Mas os efeitos do corte de gastos já podem ser vistos na versão “contingenciamento de despesas”. Tradução: tirar de áreas sociais e de investimentos. Exemplo: com recursos “contingenciados”, o governo paralisou a distribuição de carros-pipa no Nordeste, deixando a população sem água.

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Apesar de a arrecadação com autuações pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf, que decide sobre multas impostas pela Receita Federal) ter aumentado (de 2,25% para 2,94% em relação ao valor total das autuações mantidas pelo Conselho), o percentual segue muito baixo, indicando que menos de 3% dos valores são efetivamente arrecadados, calcula o Tribunal de Contas da União (TCU).

Fonte(s) / Referência(s):

Marcos de Oliveira
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