"O Estado do Rio tem que investir em gás natural"
Enquanto 19% do poder de compra da Petrobrás é direcionado a empresas do Rio, 75% vazam para fora do país

Israel Marcellino, professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio e coordenador do Grupo de Estudos sobre Economia e Desenvolvimento da Baixada Fluminense, há mais de dez anos pesquisa sistema de inovação, economia fluminense e industrial, além de políticas de desenvolvimento regional, produtivo e inovativo. No dia 20, fará palestra sobre os temas no ciclo de debates 'Diálogos Fluminenses', no Fórum de Reitores das Instituições Públicas de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, na UFRRJ, em Nova Iguaçu. "Será uma oportunidade para expandir o debate e conectar a universidade à sociedade fluminense", afirma.
SIDNEY: O que o Estado do Rio de Janeiro precisa fazer para melhorar sua posição no ranking de Inovação e Desenvolvimento do Brasil?
ISRAEL MARCELLINO: Inovação e desenvolvimento são fenômenos complexos de medir, com múltiplas definições e metodologias. Para uma análise confiável, é prudente recorrer a fontes sólidas, como a Pesquisa de Inovação Tecnológica do IBGE. Entre 1998 e 2017, o Rio de Janeiro figurou consistentemente entre os estados com as menores taxas de inovação entre as regiões industrializadas do Brasil. Essa taxa mede o percentual de empresas que inovam em relação ao total de empresas em um território. Em resumo, o desempenho do estado em inovação historicamente ficou abaixo da média nacional, e não há evidências recentes de mudanças significativas neste cenário. No entanto, o Rio de Janeiro possui uma infraestrutura robusta de conhecimento, com universidades, institutos federais e centros de pesquisa de ponta. Laboratórios locais foram decisivos para inovações da Petrobras, como as tecnologias de exploração na Bacia de Campos e no pré-sal. Além disso, o estado abriga centros de pesquisa em saúde que desenvolvem vacinas e tratamentos para doenças negligenciadas, como dengue, zika e chikungunya. Apesar desses avanços, o Rio enfrenta uma crise econômica, social, política e institucional prolongada, que dificulta a disseminação da inovação. As ilhas de dinamismo inovativo, como a indústria petrolífera e a pesquisa em saúde, estão isoladas em um mar de baixo crescimento e capacidade de inovação. O principal gargalo é a falta de integração da estrutura produtiva, onde demandas por conhecimento e tecnologia não ressoam em outros setores da economia. Por exemplo, tecnologias de software, visualização computacional e dispositivos mecânicos automatizados usados no setor de petróleo poderiam ser aplicados em outras indústrias, como audiovisual e manufatura, mas não são aproveitados. Para superar essa contradição, é essencial um diagnóstico claro e políticas estaduais que promovam a difusão de tecnologias e conhecimentos entre setores. Isso requer instituições com alta capacidade de articulação, capazes de mapear oportunidades e demandas, além de projetos de longo prazo alinhados a uma estratégia de desenvolvimento pactuada pela sociedade.
O senhor tem estudado "Sistemas de Inovação em seus diferentes recortes". O que significa isso?
Muitos imaginam a inovação como um ato pontual, protagonizado por um empreendedor heroico que compra invenções e se aventura no mercado. Embora lúdica, essa visão é equivocada por ser excessivamente simplificada. Na realidade, a inovação é um processo complexo e arriscado, envolvendo uma ampla rede de atores direta ou indiretamente. As empresas são, de fato, o local onde a inovação ocorre e é mais facilmente observada. No entanto, cada inovação bem-sucedida percorre um longo caminho, envolvendo não apenas as empresas inovadoras e seus membros, mas também fornecedores, clientes, concorrentes, instituições científico-tecnológicas, órgãos de financiamento e políticas públicas. Um sistema de inovação consiste nesse conjunto de atores e nas interações entre eles, oferecendo um quadro de referência útil para entender como a inovação acontece, quais são seus elementos críticos e como políticas públicas podem promovê-la. É como um par de óculos que supera a miopia do senso comum, permitindo uma visão mais clara e qualificada desse fenômeno crucial para o desenvolvimento. Assim como em uma ótica, onde há diferentes modelos de óculos, a teoria de sistemas de inovação pode ser aplicada sob diferentes abordagens. Podemos analisar sistemas de inovação por setor, como por exemplo, petróleo e gás, ou tecnologia, como a biotecnologia. Mas, para políticas públicas, é especialmente relevante adotar um recorte geográfico. Isso permite estudar sistemas nacionais, regionais ou locais de inovação. Em minha trajetória como pesquisador, sempre mobilizei esses três recortes. Compreender o sistema brasileiro de inovações é essencial para analisar os sistemas regionais e locais no país. Em meu mestrado, fui o primeiro pesquisador fluminense a estudar o sistema regional de inovações do Rio de Janeiro. Além disso, ao longo da minha carreira, trabalhei extensivamente com sistemas locais de inovação, também conhecidos como arranjos produtivos locais.
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O Rio tem uma base física universitária expressiva. Qual o papel da academia no Desenvolvimento de Inovação?
O Rio de Janeiro possui uma infraestrutura de conhecimento robusta, fruto de sua trajetória histórica como capital do país. Essa herança inclui universidades e institutos de pesquisa de destaque nacional e global, além de Institutos Federais, o Colégio Pedro II, o CEFET-RJ, a Fiocruz e diversos laboratórios públicos e privados. Segundo o Censo da Educação Superior, do MEC, em 2022, o estado contava com cerca de 400 mil alunos matriculados em cursos de graduação, sendo 280 mil em aulas presenciais, ocupando o terceiro lugar no ranking nacional, atrás de São Paulo e Minas Gerais. Em mestrado e doutorado, ocupa a segunda posição, com aproximadamente 40 mil matrículas. Além disso, o estado abriga cerca de 8 mil grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, ficando atrás apenas de São Paulo. Essa infraestrutura confere ao Rio capacitações estratégicas em diversas áreas, essenciais para o desenvolvimento local e nacional. Em meu doutorado, explorei como essas instituições se inserem nos sistemas de inovação, analisando mais de cem estudos de caso em todas as regiões do Brasil. Identifiquei seis caminhos pelos quais as universidades podem impulsionar o desenvolvimento regional. Um deles é a relação direta com empresas, provendo recursos humanos qualificados e colaborando em projetos de pesquisa e desenvolvimento. Articulação com instituições de políticas, apoiando e subsidiando a implementação de políticas públicas. Parcerias com outras instituições de pesquisa fortalecendo a infraestrutura de conhecimento local, gerando sinergias. Interação com instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais atuando como pontes de conhecimento entre atores locais e globais. Transformação social, cultural e política servindo como espaço ou promovendo ativamente diálogos para a construção de políticas públicas ou a pactuação de agendas de desenvolvimento. E, finalmente, atendimento às demandas da sociedade identificando, legitimando e respondendo a necessidades sociais, como fazem os hospitais universitários. Nesse contexto, destaco a importância do Fórum de Reitores das Instituições Públicas de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, uma iniciativa promissora que busca articular universidades, institutos federais, o Colégio Pedro II e o CEFET-RJ para construir soluções coletivas para o desenvolvimento do estado.
O estado do Rio pode ter uma política industrial e tecnológica diferente do país?
Sim, é possível avançar sob certas condições, mas enfrentamos a falta de instrumentos e recursos que existiam no passado. Por exemplo, não dispomos mais de instituições capazes de financiar projetos estruturantes, como um banco de desenvolvimento. Além disso, a deterioração das capacidades estatais, agravada pelo período neoliberal e pela crise econômica, social e política do Rio de Janeiro, fragilizou diversas instituições estaduais. Apesar desses desafios, progressos são possíveis se preenchermos uma lacuna crucial: a construção de uma agenda de desenvolvimento amplamente pactuada entre atores-chave, como a classe política, elites empresariais, órgãos de representação de classe e a sociedade civil organizada. Essa agenda deve incluir um diagnóstico adequado, prioridades estratégicas claras e uma divisão bem definida de atribuições e responsabilidades entre os agentes envolvidos. Somente assim será possível alinhar as bases de uma política de desenvolvimento produtivo e inovativo para a região, contemplando as dimensões da indústria e da inovação. Dada a fragilidade institucional atual, é mais produtivo focar em políticas regionais que explorem sinergias e oportunidades. Parcerias com outros entes federativos são essenciais para superar dificuldades a curto e médio prazos, coordenando políticas regionais com iniciativas municipais e federais. Além disso, é importante fortalecer a colaboração com instituições como o Sebrae, entidades do Sistema S, agências de fomento e, claro, universidades e instituições científico-tecnológicas.
Como ampliar os setores de petróleo e gás natural e buscar alternativas industriais?
O Rio de Janeiro foi privilegiado com recursos naturais, produzindo cerca de 70% do petróleo e 60% do gás natural do Brasil, segundo dados da ANP de 2023. No entanto, o estado não se beneficia plenamente dessa riqueza. Um estudo da Assessoria Fiscal da Alerj, em 2020, mostrou que apenas 19% do poder de compra da Petrobras é direcionado a empresas sediadas no Rio, enquanto 75% vazam para fora do país e o restante é redistribuído para outras regiões brasileiras. Esse cenário ilustra os desafios nos encadeamentos produtivos, especialmente nas etapas de refino e produção de derivados, onde o Rio ainda não tem o protagonismo que possui na extração. Para impulsionar o desenvolvimento fluminense a partir do petróleo e do gás, é preciso considerar os desafios globais, como as mudanças climáticas e a transição energética. O petróleo, um dos principais responsáveis pelas emissões de carbono, tende a perder espaço, mas o gás natural surge como uma ponte estratégica em direção a uma economia de baixo carbono. Apesar de o Rio produzir 60% do gás natural do país, mais da metade é reinjetado de volta no subsolo devido à falta de infraestrutura de gasodutos. Venho defendendo que a principal oportunidade para o Rio de Janeiro está em investir no gás natural, um recurso mais limpo que o petróleo e com custos de conversão baixos para a indústria e os consumidores. Ele pode ser usado como fonte calorífica, insumo químico ou petroquímico, substituindo o petróleo em quase todas as suas aplicações. Isso pode prolongar o ciclo de vida da nossa especialização produtiva, abrindo caminho para a diversificação econômica. Alguns avanços já estão em curso, como a inauguração do gasoduto Rota 3 e do Complexo de Energias Boaventura, em Itaboraí. No entanto, segundo estimativas, a produção de gás deve crescer ainda mais, exigindo novos investimentos em infraestrutura. O governo estadual tem um papel crucial nesse processo, coordenando esforços e viabilizando sinergias para garantir que o Rio de Janeiro aproveite plenamente essa oportunidade.
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