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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

Reflexões para teoria do Estado Nacional: imperialismo, EUA – formação

Os Imperialismos Monárquicos, dos Estados, procuraram criar as colônias à sua imagem e semelhança ou, pelo menos, à imagem e

Publicado em 04/05/2022
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Os Imperialismos Monárquicos, dos Estados, procuraram criar as colônias à sua imagem e semelhança ou, pelo menos, à imagem e semelhança dos seus interesses. Comportaram-se como deuses olímpicos, cheios de poder, mas não necessariamente de boas intenções.

O historiador estadunidense Herbert Aptheker (1915–2003) em Uma nova história dos Estados Unidos: a Era Colonial (1959), escreveu que “durante as dezesseis décadas da história colonial, a guerra, e não a paz, era comum. As guerras eram principalmente de três espécies: guerras entre potências colonizadoras, especialmente a Inglaterra contra a França; guerras de expropriação e extermínio desfechadas contra vários povos índios; e guerras civis. As últimas consideradas quando disserem respeito ao cenário colonial interno”.

As populações originárias nos Estados Unidos da América (EUA), do Atlântico para o Pacífico, eram os iroqueses, ao norte, os muscogis, ao sul; na região central os alconquinos e sioux ou dakotas e, junto ao Pacífico, os chinuk, yumas e apaches, subdivididos em diversas tribos.

O território na área do Atlântico, ao sul, pouco maior do que o atual estado da Flórida, era espanhol, e, ao norte do atual Massachusetts, era colonizado pelos franceses. Porém este espaço central, onde se desenvolveriam as 13 colônias, não era uniforme, quer nos imigrantes (ingleses, irlandeses, escoceses, holandeses, suecos, alemães) quer no sistema de ocupação (terras do Reino da Inglaterra, ou atribuída a nobre inglês, ou de ocupação dos imigrantes ou de empresas colonizadoras).

Como no Brasil, a colonização europeia nos EUA teve início em estreita faixa de terra junto ao Oceano Atlântico. Porém a descrição de Aptheker mostra que esta ocupação nada teve de pacífica, eram povos e sistemas distintos lutando por territórios. Como ocorreu com nossas capitanias hereditárias, umas ocupações prosperaram outras sucumbiram e, como característica peculiar da formação estadunidense, outras foram compradas/vendidas.

Apenas como exemplo, por volta de 1765/1770, a região que fica entre o meridiano que passa pelo ponto mais a oeste do Lago Superior (fronteira com o Canadá) até a colônia da Geórgia (a mais meridional) e os Montes Apalaches, a leste, era disputada por cinco governos coloniais e por interesses europeus distintos dos ingleses (espanhóis e franceses). Recordemos que a primeira batalha pela independência, conduzida por George Washington, o encontro de Lexington, se deu em 19 de abril de 1775.

Consequentemente, os EUA surgem como um Estado Nacional a ser construído. Aptheker, na obra citada, afiança que “embora a Inglaterra fosse a nação-mãe para muitos colonos, ainda assim, os ingleses eram frequentemente classificados como estrangeiros na imprensa colonial por volta de 1765”.

E foi a comunicação de massa, jornais e revistas, que surgiram em todas as colônias, não apenas tratando dos fatos e publicidades, mas transcrevendo poesias, promovendo artistas plásticos e personagens nascidos nos EUA, descrevendo como história ou como ficção o que seriam episódios locais, transmitindo sentido verdadeiramente patriótico, além do uso de palavras tomadas dos índios, dos africanos, dos europeus colonizadores que não eram de língua inglesa, que formou o interesse comum e criou a consciência de unidade nacional.

Nasce o estadunidense, o americano, não mais o virginiano, o nova-iorquino, o homem de Princeton ou da Filadélfia. O delegado de Charleston, Christopher Gadsden, afirma no Congresso (1975): “Não devia haver homens da Nova Inglaterra, de Nova York etc., neste continente, mas todos nós americanos” (citado por Aptheker).

Duas características ficam evidentes na formação dos EUA: a guerra e a compra e venda como modos de atingir objetivos. E a imprensa dando unidade à diversidade colonizadora. Isto é, havia nos representantes do poder que se formava a preocupação de existir um liame, um vínculo entre nortistas e sulistas, interioranos e costeiros, quase 100 anos antes da Guerra Civil, a Guerra de Secessão de 12 de abril de 1861 a 9 de abril de 1865.

Alexis-Charles-Henri Clérel, visconde de Tocqueville, ou Alexis de Tocqueville (1805–1859), pensador e político francês, viajou pelos EUA entre 1831 e 1832, deixando entre outros registros as célebres reflexões sobre A democracia na América (1835), onde assinala o caráter individualista do homem estadunidense, enquanto o russo (o outro povo por ele analisado na mesma obra) colocava o poder na sociedade. Leiamos na obra de Tocqueville: “A liberdade política dá, de quando em quando, a certo número de cidadãos, sublimes prazeres. A igualdade oferece diariamente uma multidão de pequenos gozos a cada homem”.

Thomas Jefferson (1743–1826), vice-presidente (1797–1801) e o terceiro presidente estadunidense (1801–1809), dos mais importantes “Pais Fundadores” (“Founding Fathers”) da nação, tinha como princípios fundamentais “o igualitarismo, o espírito individualista e a intolerância para com os monopólios” (em Nancy Priscilla Naro, A formação dos Estados Unidos, 1985).

A Benjamin Franklin (1706–1790), cientista, político, dos “Pais Fundadores” dos EUA, se atribui o seguinte comentário à Constituição de 17 de setembro de 1787: “Quando se reúne um certo número de homens para dispor da vantagem de sua sabedoria conjunta, inevitavelmente estão se reunindo, com esses homens, todos os seus preconceitos, suas paixões, seus erros de opinião, seus interesses locais e suas visões egoístas.”

O dramaturgo e historiador Charles L. Mee, Jr (1938), em Genius of the People: The Making of the Constitution (1987), assim inicia o Prólogo: “Há duzentos anos, em maio de 1787, algumas dezenas de delegados – todos homens, todos brancos, todos membros de boa reputação da instituição política americana, todos homens de posse – donos de escravos e de plantações, fazendeiros, negociantes, advogados, banqueiros e embarcadores – reuniram-se na Assembleia Legislativa, em Filadélfia, onde, nos vários meses subsequentes, redigiram a Constituição dos Estados Unidos, que serviu, desde então, como alicerce do país.”

Filadélfia tinha então 40 mil habitantes, Nova York, 33 mil, Boston, 18 mil, e Charleston, 10 mil, enquanto Londres tinha 950 mil, e Paris, 600 mil. O que se reunia para estruturar um país era o crème de la crème de uma sociedade escravagista, egoísta, que tinha no individualismo, como sinônimo de liberdade, o mais alto valor espiritual. E que, ao longo de 235 anos, recebeu somente 27 emendas. A brasileira, de 1988, nestes 34 anos de vigência já incorporou 111 emendas, sendo a última datada de 28 de setembro de 2021.

Como fica evidente, a Constituição foi engessada para que apenas um pequeno núcleo de cidadãos, mesmo que de origens e motivações diferentes, mas unidos pelos princípios da exclusão e do elitismo social, dirigissem o país. E foi efetivamente o que ocorreu por todos estes anos, a ponto de apenas dois partidos com as mesmas filosofias e objetivos se alternarem no governo e apenas uma classe, a dos muitos ricos, tivesse voz nas questões da nação.

Dois constitucionalistas estadunidenses da Universidade de Princeton, entre muitos outros, demonstram a influência do pensamento do filósofo inglês John Locke (1632–1704) no texto da Constituição: Alpheus Thomas Mason (1889–1989) e Walter Francis Murphy Jr. (1929–2010), de quem retiraremos algumas análises.

Escreve Mason (A Herança Política dos Estados Unidos, em Judd Harmon, Essays on the Constitution of The United States, 1978): “A teoria de Locke introduzira-se na mente dos colonos muito antes de 1776.” E no mesmo ensaio: “A preocupação de Locke com a liberdade e a propriedade se reflete em sua acentuação da lei natural e dos direitos naturais.”

Também Murphy Jr. (A Arte da Interpretação Constitucional, na mesma coletânea de Ensaios) enfatiza: “A influência isolada mais importante que não a de (Edward) Coke e (William) Blackstone foi, provavelmente, a de John Locke. Embora as doutrinas do direito natural dos escolásticos medievais e mais tarde de Coke tenham se concentrado em conceitos tais como justiça e obrigação, Locke acentuou direitos dos indivíduos. Essa diferença de foco tem várias consequências importantes para a política e a ética, mas, no que se refere à noção de governo limitado, os dois elementos se reforçam um ao outro.”

Os juristas citados, ambos britânicos, foram importantes formadores da doutrina angloestadunidense. Edward Coke (1552–1634) questionou a aplicação da lei, explicitando um critério de julgamento que relativizava as determinações advindas do parlamento. Em William Blackstone (1723–1780), o Judiciário não cria regra, apenas deixa de aplicá-la, e submete a questão ao parlamento.

Ao colocar a precedência na hierarquia das leis a um princípio ideológico, a Constituição estadunidense manietou a participação popular; dificilmente poderia ser então qualificada democrática – o governo do povo.

Thomas Jefferson (The Works of Thomas Jefferson, G. P. Putnam’s Sons, NY, 1905), em carta a Francis W. Gilmer (7/6/1816), afirma que “nossos legisladores não estão suficientemente informados dos limites justos de seu poder: de que sua função verdadeira é declarar e fazer cumprir somente nossos direitos e deveres naturais, e não retirar qualquer deles de nós”.

A história dos EUA é quase sempre uma farsa, discursos e palavras diferentes das ações, onde “Estados amistosos começaram a brigar” – 1861–1865 (James West Davidson, Uma breve história dos Estados Unidos, tradução de Janaína Marcoantonio de A little history of the United States para L&PM editores, Porto Alegre, 2016). Gangues de rua, comuns em Nova York, ganham descrições charmosas de Walt Whitman (1819–1892); os “negros não tinham direitos que o homem branco fosse obrigado a respeitar”, na sentença de Roger B. Taney na Suprema Corte, em 1857.

Exemplo mais evidente foram as “Jim Crow Laws”: leis estaduais e locais que impunham a segregação racial no sul dos EUA. Todas promulgadas nos séculos 19 e 20 pelas legislaturas estaduais e aplicadas entre 1870 e 1965. O nome teve origem nas canções de Thomas D. Rice (1808–1860), artista e dramaturgo estadunidense que interpretava com face negra e usava palavras afro-americanas, tendo sido dos mais populares artistas de seu tempo e popularizou a canção tradicional de escravos chamada Jump Jim Crow.

Não houvesse outras manifestações sociais, protegidas pela justiça e pela mídia, a segregação racial, para negros e para latinos, é uma das evidências do limite da liberdade. Liberdade é poder gastar o que não tem, para enriquecer as financeiras, poderia ser um lema estadunidense.

Nesta origem dos EUA destacamos as expressões política e psicossocial. Na continuidade do Imperialismo Estadunidense, examinaremos a expressão econômica do poder.

Felipe Maruf Quintas é cientista político.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

Fonte: Monitor Mercantil

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