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Roberto Requião

Vivendo a curto prazo

Primeiro artigo da série "E agora, Brasil?", do ex-governador do Paraná, Roberto Requião

Publicado em 17/03/2023
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Este texto já estava estruturado, quando explodiu o caso Moro. Como todo o país, também fui distraído pelo escândalo e fiquei à espreita do próximo capítulo. Eis aqui uma de nossas tantas desgraças. A queda pelo conjuntural, o gosto pelo imediato, a propensão pelo curto prazo. A macroeconomia de curto prazo consorcia-se com a política de curto, curtíssimo prazo. Imediatistas, ansiosos, superficiais (ou escapistas?) deixamo-nos engolfar pelo cotidiano, pelas circunstâncias. E nada como um bom alvoroço para aquecer os nossos corações. E vejam só: anunciam que os arquivos vazados são de tal forma volumosos que teremos material para regalar por mais de um ano. Haja diversão.

É claro que tudo deve ser aclarado, que o melhor desinfetante é a luz do sol, que a exposição das conversas secretas do juiz com o procurador é salutar porque confirma a sórdida trama. Mas, o que me angustia é essa marcação de passo na marcha para construir uma alternativa popular, democrática e nacionalista para o nosso país.

A velocidade com que desmontaram o esboço de um Estado de Bem-Estar Social no Brasil, e a velocidade com que destruíram as bases, ainda frágeis, para a construção de um país desenvolvido, soberano e justo não foi correspondida, nem de longe, com a velocidade da reação dos setores de esquerda, progressistas, nacionalistas.

Em pouco mais de dois anos, desconjuntaram as leis trabalhistas, impuseram a excrecência do teto de gastos, comprimindo os investimentos em educação, saúde, infraestrutura, inovação e cultura. A reforma da Previdência é o próximo capítulo do avanço dos bárbaros.

Em pouco mais de dois anos, entregaram o pré-sal, arrasaram a indústria brasileira do setor petróleo, abrindo-o às transnacionais, doaram a Embraer para a Boeing, destruíram a indústria brasileira de construção pesada, a mais avançada do planeta Terra, colocaram a leilão, para arremate de fim de feira, o setor industrial, de serviços, de saúde, de educação, de alimentação, agropecuário, editorial. Como informam empresas especializadas em aquisições e fusões, o mercado de compra e venda de empresas brasileiras não para de crescer. Com um detalhe, o interesse dos estrangeiros não é apenas por grandes corporações, pois eles descobriram o incrível universo brasileiro de pequenos negócios e, diante das dificuldades óbvias do setor, fazem a festa.

Para se apossar do fabuloso mercado dos serviços de engenharia e construção (além do petróleo, é claro) no Iraque e adjacências, a Halliburton foi à guerra. No Brasil, ela se instalou em território já dominado.

Nunca, nem nos funestos anos FHC, a nossa economia foi tão desnacionalizada. Vende-se tudo. Vendem-se terras aos estrangeiros sem restrição de tamanho ou localização. Abre-se incondicionalmente o nosso espaço aéreo e franqueia-se cem por cento do capital às aéreas estrangeiras. O nosso mar territorial também foi concedido, à medida que as petrolíferas transacionais abocanharam o pré-sal.

E agora, sob Bolsonaro, a desnacionalização de nossa economia deve disparar e ampliar-se por todos os setores.

Às vezes, sinto que não fomos suficientemente dramáticos, radicais- nas palavras é claro, que nas ações somos uma nulidade- nas denúncias da desnacionalização da economia, da perda completa da soberania, da destruição da Nação Brasileira.

Cada vez que falo ou escrevo sobre isso, espanto-me com a rapidez da exterminação dos direitos dos trabalhadores e da devastação do Brasil-Nação. Não saberia citar nada assemelhado na história dos povos, a não ser quando esse cataclisma foi provocado por guerras de conquistas.

A demolição a que estamos sendo submetidos não haverá de ser contida e revertida com movimentos, politicas, pensamentos, táticas e estratégias de curto prazo. A nossa fissura pelo cotidiano, pelo circunstancial tem a mesma eficácia da macroeconomia de curto prazo que, desde os governos do PT, não levanta a economia do atoleiro.

Tudo bem, que deliciemos com os vazamentos da Lava Jato, que mostremos a nudez da corte, que gritemos pela anulação dos processos contra Lula, que desmascaremos e ridicularizemos os inquisidores. Tudo bem. Mas, se ao mesmo tempo, não se organiza e não se define a tática e a estratégia para que se empreenda a grande batalha pela conquista do Estado Nacional, não vamos a lugar que seja. Divertir significa também desviar. Então, que o comprazimento com as revelações do Intercpet Brasil não nos afaste do que interessa.

Além do que, sou tentado a perguntar: verdadeiramente esses vazamentos revelam alguma coisa não sabida? A parcialidade do juiz, dos promotores e da Polícia Federal não foi sempre evidente, escancarada, cínica? A colaboracionismo mediático é novidade? O acovardamento do Judiciário, em todas as instâncias, especialmente as superiores, diante das ilegalidades pornográficas da Operação seria também um dado novo no espetáculo? E quem não percebeu a óbvia, inconfundível correspondência da Operação com os interesses políticos, econômicos e ideológicos de governos e de corporações estrangeiras?

Que eles tinham um caso, todos sabiam. Que trocavam olhares apaixonados em público, todos viam. Que faziam declarações ardentes, inflamadas e ameaçavam queimar nas chamas dessa paixão quem ousasse contrapô-la, todos tremiam. Mas faltavam os segredos de alcova, a picância dos segredos de alcova.

Para concluir, pergunta-se: não foi sempre assim? O que é a Lava Jato senão mais um dos tantos golpes de Estado que se bisam em nossa história? As tantas violências de Estado que se repetem diariamente em nossa sociedade? As repisadas imposições pela força dos interesses econômicos, políticos e ideológico, que permeiam a vida nacional?

Debruce-se sobre qualquer episódio marcante da história brasileira e, de imediato, identifica-se em cada um deles os mesmos elementos químicos deletérios, corrosivos da Operação. Mudam-se os pretextos -no princípio, aparentemente até mesmo louváveis, irrepreensíveis- mas permanecem imutáveis os interesses de classe e a manipulação da informação para preservar tais interesses.

Os mais velhos (nem tanto assim) hão de se lembrar de Cid Moreira e Sérgio Chapelin, anunciando quase que diariamente, nos anos 60, 70, no Jornal Nacional, tiroteios onde morriam, em confronto com a polícia ou com as Forças Armadas, perigosos subversivos, líderes estudantis e sindicais, padres desviados dos altares, comunistas impenitentes. Tiroteios fictícios a que as vozes solenes, confiáveis de Moreira e Chapelin davam credibilidade.

Em um futuro próximo, os mais novos (e os mais velhos) haverão de recordar de William Bonner e Renata Vasconcelos, anunciando quase que diariamente, no Jornal Nacional, a caça a Lula. O fuzilamento moral a que o cabelo artisticamente prateado e a mecha branca de Bonner e o figurino e os óculos quase evangélicos e a seriedade amoldada de Renata davam credibilidade.

É sempre a mesma coisa. Uma repetência maçante, enfastiosa, banal, pouco criativa que as classes dominantes não se cansam de reproduzir e impingir. E nós, o povo, de engolir.

Sei que não há nada de novo no que digo. Bis repetita. O que quero dizer é que não temos, como os dominantes, essa agudíssima percepção dos interesses de classe, a consciência de classe. Não temos a consciência da dissenção, da desarmonia liminar, original entre os interesses populares e nacionais e os interesses da elite dominante.

A vida a curto prazo, a política de curto prazo nos impede de ver o que há dobrando a próxima esquina.
E agora? Agora, Brasil, o rompimento com o imediatismo. O país não se resume à próxima manchete de jornal.

Roberto Requião é ex-governador do Paraná.

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