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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

O amanhã da China: a conquista aeroespacial

Esta nação tem seu projeto que vem sendo construído com avanços, pausas e acomodações, desde que a “divergência sino-soviética” se instalou no mundo

Publicado em 09/08/2023
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Com palavras deste título, começa a letra do samba-enredo de 1978 O Amanhã, do G.R.E.S. União da Ilha do Governador (RJ). Porém, diferente da continuidade do samba-enredo, a República Popular da China (China) não pretende que seu “destino seja como Deus quiser”.

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Esta nação tem seu projeto que vem sendo construído com avanços, pausas e acomodações, desde que a “divergência sino-soviética” se instalou no mundo comunista. Difícil acomodar, no mesmo contexto euroasiático, duas grandes potências com igual ideologia.

E, então, apoiados em fatos e interpretações dos interesses, na década de 1950, surge o racha no mundo comunista, dando mais relevo ao processo de construção socialista, que era entendido como radical (o adotado por Mao Tse Tung) e burocrático (o da direção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS).

Cisão essa que, paralelamente ao fortalecimento dos não-alinhados nas antigas colônias europeias e à dissidência gaullista na França em relação aos Estados Unidos, anunciava a superação da bipolaridade da Guerra Fria e o encaminhamento da multipolaridade que hoje, 70 anos passados, se impõe como realidade incontornável, embora com atores distintos: a capitalista, porém autêntica, Federação Russa (Rússia), o “socialismo com características chinesas” da recente potência mundial e mesmo a decadente potência do Atlântico Norte, os Estados Unidos da América (EUA).

Neste mundo aeroespacial, cibernético, termonuclear, persistem as condições que sempre motivaram o poder: dominar os corpos e as mentes. A imensa diferença, também de sempre, está na resposta à velha interrogação latina: cui bono? Quem aproveita? Quem se beneficia?

Ao fim e ao cabo, vitoriosa ou derrotada, sempre se encontrará a elite que conduziu o processo, usufruindo dos ganhos ou salvando o possível do poder enfraquecido. Desde os albores do capitalismo no século 13, a plutocracia financeira foi hábil em preservar seus interesses a despeito dos ciclos hegemônicos dos Estados aos quais se associava. Porém, pela primeira vez, a potência emergente não se localiza no Ocidente geográfico e civilizatório, mas em milenar Estado-civilização que, prestando-se a albergar o capital transnacional, não se presta a ser governado e moldado por ele.

Também por isso, não são poucos os ideólogos da plutocracia que bradam contra um suposto imperialismo chinês, projetando para o império historicamente pacífico, construído por relações de ganhos recíprocos (vide a Rota da Seda na Dinastia Han), o expansionismo e unilateralismo típicos das potências ocidentais, que, fundadas no mercantilismo e sem arraigadas tradições para defender, invadiram o restante do mundo em busca de “mercados”, sem se importar com as distintas formações socioeconômicas e culturais dissonantes do modelo capitalista imperialista.

Na perspectiva de hoje, quais seriam as estratégias adotadas pelas elites dirigentes dos principais “impérios” mundiais?

Embora compreendendo que o mundo é constituído de sistemas com diversificadas interseções, tomemos, das qualificações que atribuímos ao mundo atual, as mais recentes iniciativas que têm sido adotadas.

Mundo aeroespacial

Notícia do @sputnikbrasil, em 24/07/2023:

“Rússia oferece ao Brics um segmento especial para pesquisas científicas na futura estação espacial russa”, declarou o chefe da agência espacial russa, Yuri Borisov, na reunião de cooperação espacial do Brics. Isso “permitiria aos países do Brics usar as oportunidades da órbita terrestre baixa para realizar os seus programas espaciais nacionais”, especificou Borisov. A estação espacial russa deve ser iniciada em 2027, com envio dos primeiros cosmonautas planejado para 2028”.

Como interpretar esta notícia?

O desenvolvimento do conhecimento aeroespacial transcende aspectos militares, das tecnologias da comunicação e muitas outras conquistas mais recentes do saber humano. Ele também é fundamental para a agricultura, por exemplo. E quem são os Brics, em cuja porta se enfileiram países desejando associar-se a eles?

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul estão entre os países com mais de um milhão e duzentos e vinte mil quilômetros quadrados, com população superior a 60 milhões de habitantes, ou seja, significativa extensão territorial para o desenvolvimento agrícola e um mercado nada desprezível, onde estão os dois países mais populosos do mundo.

Porém, não é apenas isso. Os Brics, com governanças diversas, têm resistido às pressões universalistas do Consenso de Washington, com variáveis graus de sucesso. Desenvolveram tecnologias próprias em diversos setores importantes para a sociedade contemporânea, como a do petróleo no Brasil e a da mineração na África do Sul.

Portanto, o desenvolvimento aeroespacial poderá usufruir das capacitações diversificadas, como a matemática dos indianos, para saltos fundamentais na conquista do espaço.

Antes de descrever o projeto aeroespacial chinês, é importante conhecer esta democracia de partido único. Se a quantidade de partidos políticos fosse um indicador de democracia, os 30 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fariam do Brasil a maior democracia mundial, o que sabemos estar muito longe da realidade.

Espera-se que o partido político defenda o Estado e a população do país. Logo, se todos têm este objetivo, seria melhor discutirem dentro do partido nacional as opções que cada grupo, movimento ou associação apresenta. Melhor, mais enriquecedor, do que ficarem os acólitos de um mesmo pensamento se autoelogiando.

São cerca de 100 milhões os filiados ao Partido Comunista da China (PCCh), só tendo similar no Bharatiya Janata indiano, que também tem mais de 7% da população total do país inscrita nos quadros partidários.

O Partido é o importante condutor dos projetos e demandas da sociedade, constituindo um fator indispensável para a participação popular nas decisões do Governo.

A estrutura da governança chinesa é bastante descentralizada, conforme se dá o próprio processo da decisão à ação. Tudo parte da garantia fundamental da posição do povo como dono do País e de que a administração se exerce conforme a lei.

E assim se estruturam as Assembleias Populares, a partir das províncias até a Assembleia Nacional. Simultaneamente, existe o Sistema de Consulta Política e o Sistema de Administração Autônoma das Unidades Populares.

Projeto aeroespacial

Pode parecer complexo, porém é o sistema de governança que está mais ajustado ao modo chinês de agir, sua relação com o ambiente físico e humano. Por conseguinte, a tradução livre que apresentaremos do projeto aeroespacial chinês deve ser entendida nesta realidade da estrutura do Estado, na posição do PCCh, como representante do povo e formulador de decisões, e no ambicioso projeto de amplo desenvolvimento por todas as províncias da China.

O texto, de autoria de Rui Han Huang e AJ Cortese, foi publicado no MacroPolo, think tank interno do Paulson Institute. Este Instituto, sediado em Chicago, é uma organização de “pensar e fazer”, não partidária e independente, dedicada a promover a relação EUA-China, com escritórios em Washington (DC) e Pequim (Beijing), as capitais dos dois países.

“Dos 205 membros plenos do 20º Comitê Central (CC) do Partido Comunista Chinês (PCCh), dez são veteranos da indústria aeroespacial, alguns dos quais executaram grandes projetos como o Programa Lunar Chang’e. Com a intensificação da competição tecnológica entre a China e os EUA, Pequim pode facilmente promover produtos tangíveis, como trens, foguetes, jatos comerciais e sua estação espacial, como “vitórias” para a autossuficiência tecnológica. Essa ênfase na autossuficiência tecnológica também se reflete no ressurgimento mais amplo de tecnocratas no alto escalão da política chinesa”.

“Os números deixam claro que os tecnocratas se saíram muito bem ao serem promovidos ou ao reterem seus assentos na transição política do 20º Congresso do Partido. Dos 205 membros plenos do 20º CC, mais de um terço (69) são tecnocratas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), um aumento de 35% em relação ao 19º CC. Mesmo no nível do Politburo, oito dos 24 membros são tecnocratas, o dobro do 19º Politburo”.

“Entre esse grupo de tecnocratas há um notável viés provincial: a maioria administra províncias em vez de ministérios centrais. De fato, 36 tecnocratas no 20º CC são líderes provinciais, em comparação com os 20 do 19º CC. A lógica aqui parece ser a de que colocar líderes com conhecimento técnico, em vez de políticos comuns, em chefias provinciais aumentará as chances de reduzir/eliminar as deficiências tecnológicas, vitais para a segurança nacional da China”.

“Colocar tecnocratas nas províncias parece se alinhar com a ardente crença do presidente Xi Jinping de que a verdadeira perspicácia da liderança é adquirida resolvendo problemas do mundo real nas províncias. No mínimo, segundo a lógica, esses líderes provinciais são treinados nas ciências exatas e deveriam ter um faro melhor para discernir quais tecnologias são viáveis. Neste ponto, 25 das 31 províncias têm pelo menos um líder em exercício (secretário do partido ou governador) que é um tecnocrata, tendo mais do que dobrado em relação aos 11 de 2017”.

“O 20º Politburo acolheu o maior número de tecnocratas desde que Xi assumiu o comando, em 2012. Todos esses “oito tecnocratas de elite” têm ampla experiência em setores tecnológicos estratégicos e vêm com credenciais da governança local. Sua influência na tecnologia certamente será sentida, pois estarão informando o processo de tomada de decisão política no mais alto nível”.

O que parece evidente na atual política de Pequim é a crença de que o Estado é indispensável na condução de qualquer projeto, em especial aqueles que desenvolvem tecnologias básicas para o mundo de amanhã. A iniciativa privada tem seu espaço na política industrial e tecnológica chinesa, mas não será condutora.

O crescente número de tecnocratas nas posições políticas, desde as Províncias até o Comitê Central do PCCh, demonstra que a China não se satisfaz com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Ela quer estar na vanguarda da criação científica.

Expansão do Brics: 22 países na fila para ingressar

É significativo o título que a matéria de Rui Han Huang teve no MacroPolo: “Nanômetros acima do PIB”.

A República Popular da China avança a passos largos para tornar-se a maior potência tecnológica global, sem negar os riscos e os avanços que ainda são necessários, no projeto onde se preserva a soberania nacional, de modo a permitir que o povo chinês tenha uma vida próspera e digna, constituindo um avanço para todos aqueles que querem construir a verdadeira soberania nacional.

Disse Xi: “Vamos trabalhar de mãos dadas para que os povos do mundo tenham maior confiança na segurança nuclear duradoura e nos benefícios a serem trazidos à humanidade” (Xi Jinping, A Governança da China, Contraponto: Foreign Language Press, RJ, 2019).

Felipe Maruf Quintas é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado, atual presidente da Aepet – Associação dos Engenheiros da Petrobrás.

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