Eugenio Miguel Mancini Scheleder
Eugenio Miguel Mancini Scheleder
Eugenio Miguel Mancini Scheleder é Engenheiro Mecânico e trabalhou na Petrobrás por 52 anos.
Caio Múcio Barbosa Pimenta
Caio Múcio Barbosa Pimenta
Caio Mucio Barbosa Pimenta é Engenheiro Químico e trabalhou na Petrobrás por mais de 30 anos, onde se especializou em Engenharia de Processamento do Petróleo,
José Fantine
José Fantine
José Fantine é Engenheiro Químico e trabalhou na Petrobrás por mais de 30 anos, onde se especializou em Engenharia de Processamento do Petróleo.
Manfredo-Rosa
Manfredo Rosa
Manfredo Rosa é Engenheiro Mecânico e Cientista Social e trabalhou na Petrobrás durante 29 anos.

O Estado e a economia no mundo – Qual relação existe? 3

na busca de uma maior identidade política, comercial, e estratégica. Nessa linha, tem sido valorizado o que seria o modelo norte-americano de l

Publicado em 05/11/2019
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na busca de uma maior identidade política, comercial, e estratégica. Nessa linha, tem sido valorizado o que seria o modelo norte-americano de livre iniciativa, entendida pelos liberais como sendo de afastamento do Estado dos setores produtivos de bens e serviços. Desta forma, a política econômica do atual governo vem aprofundando a doutrina liberal de ampliação de espaços para os interesses privados, o que implica em mercados abertos praticamente desregulados e sem qualquer intervenção ou proteção do Estado.

Entretanto, uma análise da economia norte-americana revela, em verdade, a existência de um Estado Máximo, forte, protetor da sua economia e do seu conjunto tecnológico, agrícola e industrial/comercial, capaz de interferir em todos os segmentos internos e no mundo para favorecer/proteger seus negócios, de todas as formas possíveis. Nada diferente do que nações líderes sempre fizeram.

No Site Brasil2049.com é pesquisada a real situação mundial e como atuam os países líderes, ricos ou em desenvolvimento, na proteção dos seus negócios, indústrias, tecnologias e comércio. O trabalho “O Estado e a economia no mundo – Qual relação existe?”, publicado no site em capítulos, procura mostrar, com muitos exemplos e análises, o quão distante da teoria liberal é a realidade vigente no mundo.

O Capítulo III (https://brasil2049.com/o-estado-e-a-economia-no-mundo-qual-relacao-existe-3/) oferece uma análise abrangente sobre o caso EUA, abordando como aquele país exerce sua soberania, fazendo valer o poder do Estado e afastando-se do liberalismo que tanto estimula para outras economias, marginais ou mesmo do primeiro nível. Surpreendentemente, o seu modelo real distancia-se substancialmente da imagem cultuada por seus seguidores liberais mundo afora. Pergunta-se, então, se o Brasil alcançaria vantagens efetivas ao não deixar a sua economia desprotegida e vender os seus principais ativos ao capital estrangeiro, enquanto nos EUA e no mundo ocidental ocorre justamente o contrário, de forma majoritária.

Abaixo, o artigo na íntegra:

CAPÍTULO III – Como os EUA protegem seus interesses

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
COMO OS EUA PROTEGEM SEUS INTERESSES
UM POUCO DE HISTÓRIA
PROTECIONISMO
CONCLUSÃO

APRESENTAÇÃO

No texto “A questão das privatizações, visão geral” (publicado neste site Brasil2049.com) foi pontuado que “No mundo das economias desenvolvidas ou em desenvolvimento não se aboliu o modelo de empresas estatais ou de entidades públicas agindo no mercado, nem a presença marcante do Estado como ente protetor das empresas nacionais [1] em geral (em relação a ajudas do Estado) e dos negócios locais (seus interesses, protegidos por cotas e por ações do Estado no exterior)” (Capítulo: Ação do Estado na economia através de entidades ou empresas).

Dando continuidade ao Capitulo II – Como as nações protegem seus interesses, neste texto, será apresentada a lógica da qual se vale o Estado norte-americano em defesa de suas empresas, dos seus negócios e de sua grandeza.

Com o exposto, o leitor poderá analisar se a presente situação brasileira de aberturas e privatizações corre no rumo certo ou se ajustes devem ser considerados ou, também, se estudos com maior envolvimento da sociedade devem ser levados adiante.

Este seria o último capítulo da trilogia que nomeia este tema específico. No entanto, em função da riqueza de detalhes encontrados, o trabalho foi ampliado: o terceiro capítulo, lançado agora, considera a atuação dos EUA. Posteriormente, outro texto discorrerá sobre a China. E, completando a análise, serão apresentados os casos da União Europeia em conjunto com outros países importantes.

Em nota de rodapé [2], pode-se pesquisar a dimensão da questão “empresas estatais e ação do Estado”. Este é um ponto básico para entender as afirmações antes apresentadas e, também, as a seguir expostas.

Por conta da complexidade da temática, convidamos o leitor para opinar sobre este texto de forma que ele possa ser aprimorado.

COMO OS EUA PROTEGEM SEUS INTERESSES

Antes de tudo é importante registrar que todas as nações líderes, em todos os tempos, são zelosas, permanentemente diligentes, na defesa de suas conveniências econômicas, utilizando-se de todos os meios possíveis em tal ação.

Os EUA são reconhecidos como superpotência, estando na vanguarda ou dianteira em segmentos os mais variados como o das ciências e das tecnologias, da medicina, da educação e da agricultura, das indústrias em geral, da informática, telecomunicações e dos serviços.

Seu poderio bélico, com presença e ação militar por todo o mundo, sua influência nos organismos oficiais mundiais, suas universidades e seu turismo que atraem multidões de estrangeiros, sua indústria de entretenimento e, também, suas indústrias manufatureiras espalhadas mundo afora, trazem-lhe o bônus e o ônus de tamanha exposição. Os EUA vivem o segundo século como superpotência, e exibem uma vitrine mundial, admirada e, ao mesmo tempo, temida.

Quase uma obviedade, então é de se esperar que este país lute para manter sua hegemonia obtendo vantagens estratégicas, militares, econômicas, políticas e comerciais em todas as suas atitudes [3] (tal como sempre agem ou agiram todas as superpotências, desde os primórdios das grandes civilizações).

A partir do fim da Segunda Guerra Mundial os EUA viram seus produtos, empresas de serviços e entretenimento ganharem mercado mundialmente (exceto na China, Índia e URSS).

Com sua infraestrutura produtiva não afetada pela Guerra, não enfrentaram competidores inicialmente. Com isto, todos os seus segmentos industriais e de serviços tiveram expressivo crescimento [4]. Demandavam, por outro lado, cada vez mais, mercados e garantia de suprimento de matérias primas e energéticos. Este período consolidou o seu status de potência econômica, industrial e comercial, gerando riqueza interna capaz de elevar sobremaneira o seu padrão de vida e de financiar sua expansão militar.

Mais tarde, a recuperação das economias e indústrias japonesa e europeia e, depois, o advento da economia exportadora da Coreia do Sul, da China e de outros Tigres Asiáticos, conteve os avanços dos EUA no mercado de bens de consumo, inclusive no seu próprio território. No entanto, até o presente, mantiveram-se potentes em vários segmentos, como nas indústrias, aeroespacial, automobilística, do petróleo, da energia em geral, da petroquímica e gás, da guerra, dos fármacos e da química, entre outros.

Muito importante, graças a sua infraestrutura acadêmica e tecnológica, e o expressivo montante de suas aplicações nacionais em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I), continuaram trabalhando na fronteira da ciência e da tecnologia da nova era industrial, a dos novos materiais, da informática e computação, das comunicações, da inteligência artificial e robótica, das biociências/tecnologias e da medicina avançada, citando apenas os principais. Ou seja, cederam espaços no parque manufatureiro, mas avançaram nas tecnologias e nos serviços de ponta, que rendem sempre mais.

Em persistente aprimoramento desde a sua independência em 1776, adotaram um modelo para a economia que não teve paradigma anterior e que não encontra similar no mundo. Importante a considerar, como em qualquer análise que se faça, seriam as bases históricas que foram determinantes para tal façanha.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Conhecer e entender a História é preciso, e como é essencial! Seria possível transplantar para a realidade brasileira todo o passado de acertos e de conquistas coloniais das nações atualmente potências? Será que isto resolveria a secular má colocação do Brasil no cenário mundial? Esta face de conquistas, inerente à condição de economia central, nos empolgaria?

Costumeiramente, cada país é instado a se mirar em um ou outro vitorioso, imaginando que bastaria adotar seus supostos vantajosos procedimentos, atuais ou recentes, ou suas doutrinas também aparentemente preferidas, para crescer em importância. Sempre haverá alguém sugerindo receitas de sucesso, teóricas (não inteiramente aplicada com êxito em lugar algum) ou práticas, para estimular o progresso nacional. O debate é oportuno. O que certamente não convém é ignorar a história da base do sucesso alienígena e, ainda, esperar algum milagre da simples imitação desta ou daquela referência destacada.

Alguns pontos demandam um olhar mais acurado para entender a economia norte-americana e suas singularidades desde o momento que a nação surgiu até o presente.

O modelo de livre iniciativa hoje cultivado nos EUA se consolidou nos primórdios da nação, na Independência das Colônias inglesas da costa Leste da América do Norte, vitoriosa no século 18. Impulsionava os colonos a busca da liberdade, nacional e individual, bem como os já presentes desejos de expansão territorial – que orientaram a formação do país. Guiava-os, também, o contagiante iluminismo europeu, bastante influente à época [5].

A Independência foi decretada em 04 de julho de 1776, no curso de uma rebelião armada contra a Inglaterra. As Treze Colônias que vieram a compor a nação norte-americana (no seu momento inicial) se livraram do jugo inglês, após saírem vitoriosas em guerra apoiada por França e Espanha contra o colonizador. Estabeleceram-se soberanamente como uma Federação, podendo, então, desenvolver livremente seus negócios [6]. Este é um ponto fundamental para entender a construção do poderio norte-americano.

O mundo, naquela época, era palco de disputas e guerras entre Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Rússia, entre outros, todos sonhando conquistar ou manter colônias mundo afora e, ainda, tentando a supremacia, regional ou mundial. Nenhum contava com poder suficiente para garantir um domínio pleno, mas cada um se empenhava ao máximo para minar o poderio dos outros.

Nesta janela histórica tem lugar também a Guerra Civil Americana, ou Guerra da Secessão. O Norte saiu-se vitorioso, consolidando para aquele país o destino de potência militar e industrial, porém com forte segmento agrícola (característica do Sul derrotado).

Pela conjuntura da época e pelo poderio militar inicial das treze colônias, a nova nação partiu com ímpeto imperial para se expandir nas Américas, comprando colônias e conquistando terras, como, por exemplo, partes do México. Seu território mais que triplicou nestas jornadas. Amplo espaço que lhe garantiu vasta saída para o Oceano Pacífico, agregando imensas regiões propícias para a agricultura e, para mais adiante, lhes garantir supremacia em minerais e, ainda, a partir do final do século 19, muito petróleo.

A Revolução Industrial ganhava corpo naquela época [7] e, assim, a nova nação pôde se industrializar e desenvolver tecnologias, par e passo com os demais líderes, antes mencionados. Já outros países como o Brasil Colônia e colônias africanas e latino-americanas não puderam se desenvolver industrialmente, logicamente também não tecnologicamente, pois suas Cortes proibiam toda e qualquer atividade manufatureira.

Explosão concomitante da Revolução Industrial, subsolo rico de minerais estratégicos da ocasião (carvão e ferro) e características específicas da identidade nacional, entre outros, formaram excepcional contingência história que favoreceu a independência efetiva do país (não substituída por outra submissão). Os EUA tornaram-se rapidamente potência econômica, industrial e militar mundial. Condição que, passo a passo, lhe garantia maior inserção externa e montagem de um mapa de países aderentes.

Primeiramente, já apontado, atuaram junto suas fronteiras, com destaque na conquista de terras do México e compra de colônias estrangeiras vizinhas. Continuando, fizeram da América Latina até boa parte do século 20 praticamente uma extensão de suas fronteiras comerciais e territoriais [8]. Daí, rapidamente se expandiram militarmente pelo mundo até que, após a Segunda Grande Guerra Mundial, ultrapassaram o Império Inglês e estreitaram laços com boa parte das nações de vários continentes.

Com isso, suas empresas cresciam vertiginosamente e formavam o “Poder do Estado”, agindo lado a lado mundialmente. Onde o país sentisse necessidade, intervinha, e ainda intervém, de alguma forma, para garantir os interesses nacionais (comerciais, empresariais e de fornecimento de petróleo e outras matérias primas) [9].

PROTECIONISMO

Muitas vezes apresentados como paradigma do livre mercado competitivo, os EUA não o praticam na extensão apregoada, ou na sua sequência histórica. E quando imperioso, contam com suas armas de guerra econômica ou militar para lhes garantir o sucesso. A questão do livre mercado é sugerida no debate como sendo a prática usual daquela nação e a sua característica mais marcante para o seu progresso, mas não corresponde, de todo, à realidade.

Há nuances não percebidas, que podem alterar o entendimento sobre a questão do livre comércio. Até a entrada do século 20, o dominante no mercado norte americano era a lei do mais forte. Mas montado segundo uma especificidade crucial: ali imperavam as empresas nacionais que surgiam, cresciam e se multiplicavam. Formavam, de fato, carteis, monopólios e oligopólios privados. O poder empresarial era surpreendente. O mercado para as empresas norte-americanas se multiplicava interna e externamente e o Estado se firmava militarmente, abrindo espaço e negócios para suas companhias.

Naquele contexto, os legisladores conseguiram se mobilizar e criar as condições [10] para que, de fato, dentro do possível, vigorasse internamente a prática do livre mercado, respeitando os ideais da fundação da nação. Talvez soubessem que o progresso ficaria restrito, submetido, se o poder empresarial se impusesse de forma dominante e livre, sem a força do Estado para moldá-lo em limites aceitáveis, observado o legítimo propósito de liberdade individual. De fato, um dos pressupostos centrais era o de salvaguardar os interesses dos cidadãos. O país seria prejudicado se as grandes empresas estrangeiras pudessem entrar no mercado local de forma dominante. Desta maneira, conforme se viu, o livre mercado atuava sob determinadas condições, obedecendo a limites.

Além da grandeza do seu mercado interno e externo, e de seu imenso poderio, é sabido que naturalmente o país investe indiretamente na economia, favorecendo o desenvolvimento tecnológico das grandes empresas com suas encomendas de ponta e desenvolvendo-as através massivas compras públicas (indústria aeroespacial, de guerra, eletrônica e digital, por exemplo) [11]. As encomendas do Estado são de tal monta que suas empresas nacionais favorecidas se desenvolvem não por conta do livre mercado, mas, ao contrário suportadas pelo contrato cativo de fornecimento para as Forças Armadas.

Também, aplicam substanciais recursos em ciência e tecnologia, em institutos estatais e entidades privadas, com encomendas de desenvolvimentos de produtos de alta tecnologia, que transbordam depois para o setor privado competitivo, fortalecendo-o (como no caso da NASA)

E não se descuidam do desenvolvimento de soluções de todos os matizes para seus contínuos e expressivos esforços de guerra. Em outras palavras, as indústrias aeroespacial e de guerra norte-americanas (incluindo uma inumerável cadeia de empresas detentoras e desenvolvedoras de tecnologias de sustentação), carros chefes do poderio econômico local, devem seu status ao poder de compra e de incentivo do Estado, bem como das exportações por conta da alta tecnologia e, ainda, das pressões do país sobre seus aliados para comprarem equipamentos de guerra norte-americanos.

O orçamento militar dos EUA em 2018 foi da ordem de US$ 633 bilhões[12], o que pode indicar o quanto significa o Poder do Estado nos negócios internos e na economia em geral. Tanto do governo quanto das empresas as aplicações em P&D em 2016 foram de US$ 514 bilhões, sendo que cerca de 70% foram bancados pelas indústrias. Isto lhes dá uma vantagem competitiva considerável, pois estarão sempre à frente da maioria dos países em inovação, dificultando o acesso ao seu protegido mercado[13]. A expressiva fatia de aplicações pelo governo se traduz em vantagens competitivas para as empresas, pois acabam sendo repassadas à iniciativa privada.

Um exemplo: No programa Sem Fronteiras da Globo News, no mês de julho de 2019, foi apresentada uma série sobre os 50 anos da conquista da Lua. A entidade estatal NASA conduz todo o programa espacial norte-americano, mas o faz em estreita colaboração com entidades privadas verdadeiramente nacionais naquilo que não ameace as estratégias locais. E para as tecnologias já dominadas e detidas por vários países, estimula a iniciativa privada local a assumir o comando das ações, por exemplo, lançar foguetes para serviços com satélites e para plataformas espaciais. Deve ser imaginado qual o poder do Estado que representam dez Centros de Excelência da NASA interagindo com a indústria nacional envolvendo dezenas de milhares de profissionais em trabalhos de tecnologia de ponta[14].

Além disso, o Estado norte-americano protege o mercado local com taxações e cotas para dificultar a entrada livre de determinados produtos estrangeiros, mesmo para segmentos tidos como da economia do passado (Caso atual de cotas para o aço e taxações nas importações agrícolas, principalmente, e, ainda, a disputa com China) [15].

Por exemplo, se o mercado norte-americano fosse livre para importações, a soja, os cítricos e o álcool brasileiros causariam alterações sensíveis na produção local destes produtos. Os resultados seriam o fortalecimento incomparável da agricultura brasileira e uma queda substancial do setor agrícola norte-americano. Como agem? Estabelecem taxas sobre as importações (o governo as recolhe) para que a eficiência brasileira, ou de outros, não ameace os fazendeiros locais. Portanto, não há livre mercado, nem livre comércio, nem livre iniciativa quando se trata de produtos agrícolas[16].

“Os subsídios são fundamentais instrumentos de política comercial, amplamente utilizados pelas nações efetivamente envolvidas no mercado mundial. Contudo, a elevada e indiscriminada prática de incentivos, principalmente pelos países desenvolvidos, vem anulando os efeitos positivos que sua concessão traria à intervenção dos governos, provocando distorções no comércio internacional. Além disso, tem gerado preocupações sobre a eficiência do próprio instrumento de política comercial e das regras internacionais vigentes para controlá-lo. É possível identificar a UE e os EUA como os que mais utilizam os subsídios no comércio internacional. No setor agrícola, ostentam a posição de economias que mais usam formas de subsídios à produção e à exportação e que mais empregam este instrumento de política comercial para intervirem no comércio internacional, seja para proteger seu mercado agrícola, seja para utilizar uma válvula de escape, possibilitando que outros acordos não sofram a influência da sua prática de subsídios à agricultura no comércio internacional” [17].

Ademais, o país mantém imensos estoques de soja, milho e trigo, por exemplo, que lhe garante amenizar eventuais pressões de alta do mercado, além de possibilitarem exportações subsidiadas para países menos desenvolvidos, desestimulando, assim, incentivos para desenvolverem suas próprias culturas [18]. Também, no caso do milho, nos episódios opostos, de preços baixos no mercado decorrentes de superoferta, direcionam parte da produção de milho para produzir etanol, regulando a oferta e os preços [19], e garantindo mercado para os produtores (Mais uma vez, expõem as limitações do livre mercado).

Elaboram leis que favorecem o chamado Conteúdo Local (exemplo, compras de tubos para a indústria petrolífera) ou a reserva de mercado de seus interesses (navegação costeira) [20]. Se o mercado fosse livre, produtos chineses, japoneses, brasileiros, europeus, sul-coreanos poderiam asfixiar a produção local, pois ela não resistiria à concorrência. Então, neste segmento não se pratica o livre mercado. O slogan da vitoriosa campanha do atual presidente dos EUA – America First – foi um recado muito claro, em especial para os países periféricos que se preocupam em seguir em aberturas e implantar políticas de mercado livre na esperança de conquistar reciprocidade norte-americana para seus planos [21]. E ainda que consigam livre acesso, isto se dará principalmente para produtos primários, enquanto de lá virão os produtos manufaturadas intensivos em tecnologia, gerando uma distorção de impossível ajuste.

Os EUA exercem seu poder para impedir, ou transações de venda de patrimônios norte-americanos para outras nações, quando há interesse [22], ou que indústrias estratégicas de ponta estrangeiras se desenvolvam no mundo ou alcancem seu território [23]. Ainda que o país interessado entre em acordo em algum momento com algum “adversário”, o que é sempre possível.

Muito importante, para as empresas, protegidas ou não, ainda há a mão forte do Estado a lhes socorrer em épocas de crises, como ocorreu, em 1929 e a partir de 2008. Injeção sem precedentes de recursos na economia para alavancar o mercado, bem como para resgatar empresas que, sem a proteção dada, iriam à falência [24] (estatização provisória, como na crise de 2008 ou permanente como no caso do sistema ferroviário Amtrak). Desta mesma prática se valeram, a União Europeia e seus países membros, o Japão e a China. Assim, a livre iniciativa pode contar com socorros diretos e indiretos de grande magnitude dada a pujança da economia local. Ou seja, protegida e podendo ser até estatizada.

Esta estreita ligação das empresas nacionais norte-americanas com o Estado levantou a tese da característica estatal das empresas privadas locais, como pode ser depreendido do artigo do Canadian Business ‘’Are US companies state-owned? Reality’s unintended consequences” [25]. Neste artigo afirma-se que as empresas privadas norte-americanas devem ser consideradas (pelo Canadá) como empresas estatais. Ou seja, poder do Estado é amplo, muito mais do que se pode imaginar.

Um extrato do artigo: “The latest revelation about U.S. government surveillance comes by way of a June 14 Bloomberg report that says “thousands” of American companies are working with U.S. intelligence agencies in a mutually beneficial arrangement where the latter secretly piggybacks on normal commercial operations. What does that mean? Potentially, it means U.S. business interests are a de facto arm of the government and vice versa. And that in turn makes the Harper government’s take on state-owned enterprises, as recently discussed elsewhere in Canadian Business, a thorny and possibly embarrassing one”.

Não bastasse este poderio do Estado superprotetor de corporações privadas e esta estreita ligação Estado-Empresas, a nação norte-americana conta com inúmeras entidades estatais nos vários níveis da administração agindo empresarialmente. Em nota de rodapé são apresentados exemplos da ação estatal através de informações do próprio governo federal e, também, da OECD [26].

Finalmente é muito importante que a sociedade brasileira, seus formadores de opinião, políticos e empresários discutam o conteúdo do documento “Federal Government Corporations: An Overview” [27], do qual é extraído um trecho muito significativo para entender o porquê da existência de empresas estatais:

“The government corporation model has been utilized by the federal government for over a century. Today’s government corporations cover the spectrum in size and function from large, well-known entities, such as the U.S. Postal Service and the Federal Deposit Insurance Corporation, to small, low-visibility corporate bodies, such as the Federal Financing Bank in the Department of the Treasury and Federal Prison Industries in the Department of Justice.”

CONCLUSÃO

É importante salientar que o protecionismo nos EUA em relação aos seus negócios e empresas, e que atualmente se vê bem explicitado pelas ações do presidente norte-americano, sempre existiu de formas variadas e/ou veladas e sempre atentas para bloquear ameaças externas. E não é uma novidade, ou uma exclusividade norte-americana, pois as nações mais ricas assim sempre agem.

Conforme mostrado nas notas de rodapé 26 e 27, nos EUA existem empresas estatais federais (government corporation) e Agências federais que agem no mercado com expressivas aplicações, além de incontáveis entidades estaduais e municipais (não objeto da pesquisa deste trabalho), que utilizam este caminho de forma natural para complementar a ação do Estado. Curiosamente, os dois partidos políticos que se revezam no poder nos EUA seguem lógicas distintas com relação ao liberalismo. O Partido Republicano (Nixon, Reagan, Bush, Trump) tem por doutrina se orientar pela baixa taxação de importações como forma de estimular a concorrência local. Já o Partido Democrata (Kennedy, Carter, Clinton, Obama) seguiria uma linha mais protecionista. No entanto, nos tempos mais recentes, nenhuma das duas orientações deixou de aplicar o favorecimento interno contra o que consideram ameaças ao poderio local. Tanto assim que o Partido Republicano tem imposto restrições singulares para favorecer todo o sistema industrial e agrícola norte-americano.

Concluindo, não há livre mercado nas relações comerciais internacionais norte-americanas e, também, não há negócio livre para empresas de fora atuarem de forma autônoma em compra de corporações locais. Além do que, os negócios internos são apoiados por incentivos e regras que fogem do que seria a lógica de um pretendido mercado livre [28], no qual as forças deste mercado a tudo regulariam.

Assim, se algo houvesse a imitar seria o Brasil submeter aos interesses internos a entrada, aqui, de empresas estrangeiras, retomando o nível de protecionismo de mercado equivalente ao vigente até 1990, quando se iniciou a abertura sem contrapartidas do mercado brasileiro para produtos estrangeiros [29]. E ainda, voltar a utilizar o poder de compras do Estado para favorecer empresas nacionais legítimas, apoiar grandes empresas nacionais etc. Das considerações anteriores entende-se, também, que se não se elevar firme e gradativamente suas aplicações em ciências, tecnologias e inovação para empresas genuinamente nacionais, jamais o País contará com uma indústria nacional competitiva.

A leitura deste texto deve ser seguida de aprofundamentos e perguntas sobre os temas abordados e, principalmente, de tentativa de resposta sobre as seguintes questões:

Que poder o Estado brasileiro poderia dispor para responder aos desafios assemelhados aos enfrentados pelos norte-americanos?
Sem contar com os fatos históricos que moldaram a economia dos EUA, o Brasil alcançaria sucesso equivalente aplicando o simples alinhamento a alguma economia destacada?
Que semelhanças existem entre o protecionismo norte-americano e aquele de outros países líderes no presente?
É adequada a ideia de colocar os EUA como paradigma para justificar as privatizações brasileiras (Estado mínimo e supremacia da iniciativa privada sobre ações conduzidas pelo Estado)?
Notas

De capital realmente nacional e não controlada por entidades estrangeiras, portanto nada a ver com empresas estrangeiras entrantes na economia local. ↑
https://www.pwc.com/gx/en/psrc/publications/assets/pwc-state-owned-enterprise-psrc.pdf ↑
Logicamente as superpotências desejam atrair para seu lado o maior número de países. Sabem que a estes cabem quatro posições: a) Adesão incondicional (por admiração, medo ou ideologia); b) Adesão condicional (utilizando-se de compensações de grande importância); c) Tentativa (quase sempre frustrada) de alinhamento a outra superpotência (motivada por troca de ideologias ou por incômodo com o parceiro dominante); d) Busca de soberania (e não alinhamento), possível para nações com visão e planos estratégicos de independência.A tradição da diplomacia brasileira, de uma maneira geral, seguindo cultura e ditames constitucionais, tem sido a da autodeterminação dos povos e não a de alinhamento automático. ↑
A URSS se contrapunha ao expansionismo dos EUA e vice-versa, resultando na Guerra Fria (visto no Capitulo I). A disputa se dava para fidelizar países independentes para mercado e suprimento de matérias primas, com destaque também para a geopolítica, nos interesses em fronteiras para ação militar mais favorável contra o contendor. Logicamente, cada conquista representava novas aquisições. ↑
https://escola.britannica.com.br/artigo/Iluminismo/481232 ↑
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,independencia-dos-eua-entenda-o-que-e-o-4-de-julho-para-os-americanos,70002904617 http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=214
https://escola.britannica.com.br/artigo/Revolução-Industrial/481567 https://monografias.brasilescola.uol.com.br/historia/revolucao-industrial.htm
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/COROL%C3%81RIO%20ROOSEVELT.pdf https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,trump-ressuscita-doutrina-monroe,70002883339 https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/06/brasil-argentina-e-mexico-resistem-a-pressao-dos-eua-para-excluir-huawei.shtml
https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/ira-nacionaliza-petroleo-em-51-grandes-potencias-reagem-patrocinando-golpe-10467697 https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/01/internacional/1559389670_532613.html
https://www.britannica.com/event/Sherman-Antitrust-Acthttps://link.estadao.com.br/noticias/empresas,reguladores-antitruste-dos-eua-estao-de-olho-nas-gigantes-de-tecnologia,70002885556. Notar que, naquela época, dominavam a economia local empresários e banqueiros que isoladamente detinham a grande parte dos negócios em cada segmento, e eram muito rejeitados pela sociedade pelos seus métodos e ações de destruição da concorrência. Eram chamados “Rober Baron” https://www.britannica.com/topic/robber-baronos
https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/05/15/em-guerra-comercial-com-a-china-trump-declara-emergencia-nacional-e-proibe-equipamentos-suspeitos.ghtml ↑
https://www.statista.com/statistics/272473/us-military-spending-from-2000-to-2012/ ↑
https://www.nsf.gov/statistics/2019/nsf19320/ ↑
https://www.hq.nasa.gov/office/codez/plans/99nsp/9.html https://www.hq.nasa.gov/office/codez/strahand/roles.htm (ver item 3.3.2)http://www.planetary.org/get-involved/be-a-space-advocate/become-an-expert/fy2020-nasa-budget.html
https://www.nasa.gov/careers/where-we-work ↑

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,5-pontos-para-entender-a-guerra-comercial-entre-eua-e-china,70002887026 ↑
https://maissoja.com.br/estudo-da-cna-mostra-como-escaladas-tarifarias-impostas-pelos-eua-afetam-agronegocio/ ↑
Extrato da conclusão de www.scielo.br/pdf/cr/v42n4/a10812cr6214.pdf ↑
https://economia-estadao-com-br.cdn.ampproject.org/v/s/economia.estadao.com.br/noticias/geral,subsidios-dos-eua-a-agricultura-prejudicariam-brasil-na-alca,20021101p40147.amp?amp_js_v=a2&amp_gsa=1&usqp=mq331AQEKAFwAQ%3D%3D#aoh=15677089887554&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&amp_tf=Fonte%3A%20%251%24s&ampshare=https%3A%2F%2Feconomia.estadao.com.br%2Fnoticias%2Fgeral%2Csubsidios-dos-eua-a-agricultura-prejudicariam-brasil-na-alca%2C20021101p40147 ↑
No Brasil a produção de álcool de cana e de açúcar são atividades privadas. No entanto, à semelhança dos EUA, aumentam a produção de álcool em detrimento de açúcar para forças alta de preços internacionais do adoçante. Ou deixam o mercado desabastecido de álcool quando o mercado de açúcar se mostra em alta. Livre mercado para o produtor, mas não para o consumidor que não tem a oportunidade de ver preços despencarem na praça. ↑
https://www.americanmaritimepartnership.com/u-s-maritime-industry/overview/https://maritime-executive.com/article/new-cabotage-bill-would-support-u-s-shipbuilding ↑
https://pt.wikipedia.org/wiki/America_First ↑
https://exame.abril.com.br/mundo/cnooc-desiste-da-oferta-pelo-controle-da-unocal-m0061990/ ↑
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/05/huawei-acusa-eua-de-intimidacao-e-trabalha-com-google-para-combater-restricoes.shtml ↑
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2009/09/090902_aftershock_timeline_noflash https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/new-deal-bote-salva-vidas-para-tentar-conter-crise-iniciada-no-crash-de-1929-10464911
https://www.canadianbusiness.com/companies-and-industries/are-u-s-companies-state-owned-enterprises/https://www.bloomberg.com/news/articles/2013-06-14/u-s-agencies-said-to-swap-data-with-thousands-of-firms ↑
https://www.usa.gov/federal-agencieshttps://read.oecd-ilibrary.org/finance-and-investment/the-size-and-sectoral-distribution-of-soes-in-oecd-and-partner-countries_9789264215610-en#page14 Observar que: a) não estão inseridas as inúmeras ações estatais nos servicos publicos estaduais e municipais; b)que é comum nos EUA a atuação de Agências operando de forma especial,com atividade comercial, mas não estão incluidas neste documento que trata somente de corporações; c) que serviços públicos privatizados não são, por vezes, para empresas privadas (como no Brasil se faz e se incentiva), mas para organizações sem fim lucrativo, porém obtendo renda comercial, o que permite que priorizem o atendimento público ao invés do lucro; d) Algumas entidades dos EUA citadas nos vários documentos operam em linhas do mercado que no Brasil foram privatizadas por serem consideradas como não demandando ações do Estado. ↑
https://fas.org/sgp/crs/misc/RL30365.pdf ↑
Muitas vezes para exaltar a ideia de mercado livre e de livre iniciativa são relatadas experiências nas áreas de empresas iniciantes inovadoras, de comércio comum e de pequenos negócios. São, de fato, casos mais favoráveis à competição, podendo todo cidadão entrar no mercado. Isto pode e deve ser feito em todo mundo, simplificando burocracias, oferecendo incentivos fiscais e legais. Contudo, bem diferente é o processo quando se trata de grandes negócios, por exemplo, privatizar uma Petrobras, uma Eletrobras e outras, sob a alegação de que é assim no mundo da livre iniciativa. Não, não é desta maneira.↑
Há uma grande confusão no trato desta questão. O País não ganha estimulando e não taxando com vigor a entrada de bens de consumo no nosso mercado. Poderia perfeitamente ter favorecido as importações de bens que são essenciais para o setor industrial e taxar, como antes, a entrada de supérfluos (a abertura significou inúmeros prejuízos para o setor produtivo do País). E esta medida seria acompanhada da volta da diferenciação entre empresas estrangeira e empresas nacionais genuínas. Estas seriam estimuladas como as grandes potências agem. Ou seja, atuar exatamente como os EUA. ↑

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