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A capitalização, ou o pensamento mágico

"Um xelim aplicado no ano do nascimento do nosso Redentor a 6% de juro composto repr

Publicado em 22/01/2020
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"Um xelim aplicado no ano do nascimento do nosso Redentor a 6% de juro composto representaria hoje uma soma maior do que aquela que poderia conter todo o sistema solar se ele fosse transformado numa esfera de um diâmetro igual àquele do anel de Saturno".

 

Este cálculo efeituado em 1773 pelo pastor Richard Price provocou émulos. Assim, Patrick Artus pergunta-se numa nota recente qual seria a situação dos reformados se tivessem tido fundos de pensão. Seus cálculos conduzem a esta conclusão inapelável: um euro contribuído em 1982 daria hoje 21,90 euros em [regime de] capitalização contra 1,93 euro em [regime de] repartição. Dito de outra forma, "o custo de ter tido em França, desde há 40 anos, a [pensão de] reforma somente por repartição é portanto considerável".


A longa história dos cálculos fantasistas

Este tipo de argumento não tem nada de novo: ele encontrável desde o século passado. Assim, nos Estados Unidos, Martin Feldstein, partidário resoluto da privatização da segurança social , explicava em 1997 que a contribuição de 12,4% do sistema americano de segurança social poderia "ser substituída por um depósito de poupança obrigatória equivalente a 1,5% das receitas" (Foreign Affairs, Julho-Agosto 1997).

Em França, Olivier Davanne, num relatório de 1998 ao Conselho de Análise Económica (CAE), sustentava o mesmo ponto de vista: "Um franco imobilizado durante trinta anos torna-se 1,8 franco ou 4,30 francos conforme seja colocado a 2% (rendimento do regime de repartição) ou 5% (ordem de grandeza razoável para o rendimento num longo período de uma carteira diversificada). Assim, é evidente, para atingir um mesmo nível de prestações, um sistema fundamentado sobre a poupança é muito menos custoso (a taxa de retirada pode ser multiplicada por mais de três quando o rendimento real cai de 6% para apenas 2%)".

Estes cálculos dão vertigem: se se retiver os de Patrick Artus chega-se ao resultado manifestamente absurdo segundo o qual as reformas representariam hoje 156% do PIB ao invés de 13,8%! Ora, as objecções a esta aritmética simplista tão pouco são novas e limitamo-nos aqui a resumir uma nota de 2002 .

Os ganhadores e os perdedores

Se o rendimento nacional cresce 2% ano, será possível que a soma dos rendimentos avance a 5% ao ano? É evidente que não: se certos rendimentos crescem mais rapidamente isto equivale a dizer que a sua parte aumenta e isto implica a baixa compensatória de outras formas de rendimento. A generalização de cálculos atuariais a todos os futuros aposentados leva portanto a configurações improváveis. Todo diferencial entre a taxa de rendimento financeiro e a taxa de crescimento da economia é, consequentemente, a indicação de uma distorção na repartição dos rendimentos: é o famoso r > g de Thomas Piketty.

Outro argumento avançado por vezes: um sistema por capitalização estaria melhor preparado para enfrentar as evoluções demográficas, ou seja, o crescimento do número de aposentados mais rápido do que o dos [trabalhadores] ativos. As razões pelas quais este argumento é erróneo são muito esclarecedoras. Elas foram bem resumidas pela OCDE em 1998: "Quando a geração do baby-boom começar a aposentar-se, daqui a 10 ou 20 anos, os representantes desta geração serão muito certamente vendedores líquidos de pelo menos uma parte dos ativos financeiros que terão acumulado durante a sua vida ativa. Ora, sendo a geração mais jovem muito menos numerosa, o preço dos ativos financeiros poderia encontrar-se deprimido. Em consequência, não é impossível que a geração dos baby-boom se aperceba, uma vez já aposentada, que as reformas que lhes asseguram os fundos de pensão são inferiores àquelas com que contavam com base na extrapolação das tendências atuais".

Artus contra Artus

Além disso, o mesmo Patrick Artus reconheceu na época numa nota de Abril de 1998: "É provável que uma geração numerosa pague caro (ou até demasiado caro) ações que revenderá mais barato no momento de se aposentar. Por outras palavras, o rendimento da aposentadoria é baixo para uma geração numerosa, enquanto é elevado para uma geração pouco numerosa". Quanto a Jérôme Cahuzac, então deputado socialista, em Julho de 1998 ele prevenia: "A transição maciça para a capitalização faria desaparecer a própria atração da capitalização, a saber, o elevado rendimento real das ações representativas do capital produtivo".

O âmago do assunto fora apontado por Jean-Michel Charpin no seu comentário do relatório Davanne: "É preciso explicar de onde virão os suplementos de bens e serviços. Seria enganoso dar a entender que eles decorrem naturalmente, mesmo magicamente, da adopção do princípio de capitalização".

Os dois mecanismos esquecidos

Os resultados fantásticos explicam-se pois pelo esquecimento de dois mecanismos. O primeiro pode ser resumido nestes termos: "demasiado de capitalização mata o rendimento". Dito de outra forma, os rendimentos obtidos pelos ativos financeiros não podem permanecer elevados senão na medida em que os seus detentores são pouco numerosos. A extensão dos seus privilégios a outras camadas sociais implicaria a sua "evaporação".

Em segundo lugar, pode-se transferir receitas financeiras mas não os bens e serviços que eles servirão para comprar. Os bens e serviços que hoje consomem os aposentados não foram armazenados há 20 anos, eles correspondem a uma produção contemporânea. Portanto não há "frigorífico económico", para retomar a fórmula de Jean Cassandre, que já denunciava esta "miragem da capitalização" ( Droit social, nº 6, Junho 1991).

Esta referências antigas deveriam bastar, mas pode-se remontar ainda mais longe no tempo citando o comentário cáustico de Marx aos cálculos de Price, em O Capital: "A concepção do capital como valor que se reproduz a si mesmo, aumentando-se nesta reprodução graças à sua qualidade inerente de valor que se perpetua e se acresce sem cessar, conduz o Dr. Price às suas inspirações fabulosas que ultrapassam de longe as quimeras dos alquimistas".

Tudo isto remete ao fundo da teoria do valor, o que mostra que os cantores da capitalização não integraram esta lição da crise recente: a valorização fictícia de ativos financeiros, desconectada da economia real, não pode senão desmoronar-se.

14/Janeiro/2020

Ver também:

• Blackrock & Cia: os fundos de pensão ditam a reforma do sistema para impor a capitalização e colocar as vossas pensões nas mãos deles

[*] Economista, membro do Conselho Científico do Attac, hussonet.free.fr .

O original encontra-se em www.alternatives-economiques.fr/

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

Fonte: Resistir.Info

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