Paulo Nogueira Batista Jr.
Paulo Nogueira Batista Jr.
Paulo Nogueira Batista Jr. é graduado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e mestre em História Econômica pela London School of Economics.

Acordo Mercosul/União Europeia – um post mortem

Era impossível melhorar suficientemente o acordo fechado no tempo de Bolsonaro

Publicado em 16/12/2024
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Meus amigos, os brasileiros que procuram defender o Brasil têm vida quase sempre difícil. Alcançamos, em geral, pouco ou nenhum sucesso e raramente temos algo a comemorar. Uma razão é a tenebrosa “quinta coluna”. Não sei se o leitor conhece a origem dessa expressão. Durante a Guerra Civil Espanhola, os republicanos diziam que pior do que as quatro colunas do General Franco, que marchavam sobre Madrid, era a quinta coluna franquista que operava dentro da capital. Pois bem, a nossa quinta coluna faz sombra à madrilenha. É um numeroso exército de oportunistas e vassalos de interesses estrangeiros. Dou meu testemunho: ao longo da vida inteira, passei grande parte do tempo lutando contra esses quinta-colunistas.

 

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Veja-se, por exemplo, o recém-concluído acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Foi recebido com certa empolgação no Brasil. Celebraram, por um lado, os setores liberais e seus porta-vozes na mídia tradicional. E, por outro, os defensores incondicionais do governo, muitos dos quais pouco informados sobre o assunto. Os liberais querem expor a economia aos ventos da concorrência europeia. Os demais defensores do acordo simplesmente não admitem a hipótese de que o governo possa errar em questões fundamentais. Não são da quinta coluna, claro, mas acabam colaborando com ela sem saber.

No final do ano passado e início deste, escrevi vários artigos explicando por que este acordo, herdado do governo Bolsonaro, era uma verdadeira fria para o Brasil (Ver, por exemplo, “Vive la France!”, 8 de fevereiro de 2024). A conclusão não poderia surpreender ninguém. Afinal, o que de positivo deixou Bolsonaro?

O governo Lula obteve modificações em alguns aspectos do acordo. Embora não sejam desprezíveis, não mudam a essência neoliberal. É essa ideologia, dominante na época em que a negociação com os europeus foi lançada há duas décadas, que estabelece a orientação do acordo. O princípio da liberalização fundamenta as suas principais partes – a eliminação de tarifas sobre importações, a proibição de impostos sobre exportações e a abertura das compras governamentais a empresas estrangeiras. O pressuposto central é que a liberalização é benéfica, tão benéfica que vale a pena consagrá-la em acordo internacional, protegendo-a de decisões nacionais.

Ressalte-se que o neoliberalismo foi abandonado nesse meio tempo em quase toda parte, inclusive nos Estados Unidos e na Europa. Encontrou, porém, uma sobrevida entre nós. Como dizia Millôr Fernandes, quando ficam caquéticas, as ideologias vêm morar aqui no Brasil.

Uma curiosidade: o acordo com a União Europeia fica aquém do que seria um acordo de livre comércio para bens e serviços. Mas vai além disso em diversos outros campos, como por exemplo em compras governamentais e na proibição de tributação sobre exportações de minerais críticos.

Alterações no acordo

As alterações obtidas pelo governo Lula foram em três áreas principais: a) certa margem de manobra em compras governamentais; b) algumas exceções à proibição de taxar exportações de minerais críticos; e c) um pequeno alongamento do cronograma de desgravação tarifária no setor automobilístico.

Um ponto essencial, leitor. O que se conseguiu foi algum damage control (controle de prejuízos), e não propriamente vantagens. Esse ponto nem sempre é compreendido. Explico sucintamente.

Em compras governamentais, não temos hoje qualquer restrição à sua utilização como forma de favorecer a produção e a geração de empregos em território nacional. Temos a liberdade de definir margens de preferência para produtores nacionais nas licitações públicas, favorecendo-os relativamente a fornecedores estrangeiras. Pelo acordo com a União Europeia, fica limitado o uso desse instrumento de política desenvolvimento econômico e de política industrial. O que o governo conseguiu foi apenas introduzir exceções setoriais à liberalização. No que diz respeito a compras do Sistema Único de Saúde, agricultura familiar e pequenas empresas, por exemplo, conservou-se o direito de favorecer os produtores nacionais relativamente aos do exterior. Ou seja, limitou-se o estrago, mas a liberalização foi preservada no essencial.

No que diz respeito a minerais críticos, essenciais para áreas estratégicas como economia digital e energia, foi definida uma pequena lista de produtos sobre os quais o governo poderá estabelecer impostos de exportação até um limite de 25%. Ora, hoje o governo pode tributar exportações desses e outros produtos sem exceção e sem pedir licença a ninguém. Isso pode ser importante para garantir o nosso acesso a esses insumos e estimular que a sua elaboração seja feita em solo nacional, no lugar de exportá-los em estado bruto. Como esses minerais são decisivos para a produção em setores de vanguarda, preservar essa margem de manobra teria sido essencial. Obteve-se a título de damage control uma pequena lista sobre a qual impostos serão admissíveis até certo teto.

Quanto à eliminação de tarifas sobre bens industriais pelo Mercosul, adiou-se a redução a zero desse imposto para alguns tipos de veículos. No caso dos carros eletrificados, a eliminação das tarifas se dará em 18 anos. No caso de veículos a hidrogênio, a desgravação passa para 25 anos e para os de nova tecnologia, para 30 anos. Para os demais setores industriais, permanece o prazo original de 15 anos. Depois desse período, a indústria brasileira, com as exceções mencionadas, ficará exposta à concorrência desimpedida com a indústria europeia, que conta com acesso a fontes de financiamento e economias de escala muito mais vantajosas.

Na verdade, leitor, era impossível melhorar suficientemente o acordo fechado no tempo de Bolsonaro. Não era recomendável aceitar ponto de partida tão desfavorável para a retomada dos entendimentos com os europeus. Melhor teria sido simplesmente abandonar o acordo, como fez recentemente a Austrália em negociação semelhante com a União Europeia. E explorar outros caminhos para incrementar as relações econômicas com os europeus de forma equilibrada e mutuamente benéfica.

O que ganhamos?

Repito a pergunta que fiz nos meus artigos anteriores. O que exatamente ganhamos com esse acordo, mesmo modificado? Não estou falando em damage control, mas em vantagens concretas. Essa pergunta nunca foi respondida.

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