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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

Alexandre Dugain: a libertação da economia, 4ª parte

“Tomei o partido que os povos (brasileiros independentistas) desejavam ... sem romper, contudo, os vínculos da fraternidade por

Publicado em 07/07/2022
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“Tomei o partido que os povos (brasileiros independentistas) desejavam ... sem romper, contudo, os vínculos da fraternidade portuguesa, harmonizando-se com decoro e justiça todo reino-unido de Portugal- Brasil e os Algarves, e conservando-se debaixo do mesmo chefe duas famílias” (carta de Dom Pedro I, às vésperas da viagem que o levaria ao Ipiranga, conforme Manoel Bomfim, “Brasil Nação Realidade da Soberania Brasileira”, 1931).

Consultando muitos e diferentes autores da “Teoria Geral do Estado”, de nacionalidades e épocas distintas, sempre dois elementos estão entre os definidos como constituintes essenciais do Estado: território e povo. Há um terceiro pressuposto, tratado como subjetivo, para diferenciar dos dois concretos (objetivos), que está na grande maioria destes trabalhos, que é a soberania.

A base física é evidente pois um Estado, diferentemente de uma nação, necessita do endereço, da sua posição geográfica, específica e única. O povo é evidente pois não se pode imaginar um Estado inteiramente desocupado, apenas com baixa densidade populacional. E a quantidade da população, como as riquezas e dimensões do território (esta última também vista em teorias políticas como necessária para constituição de uma potência) irão conformar a cultura do Estado, base para sua institucionalização.

O Brasil é um país miscigenado. Não é necessário mais do que transitar por seu imenso território para constatar esta realidade. E, nesta miscigenação, aparecem mais fortemente a origem africana e a europeia. O extermínio da população originária não foi, como nos Estados Unidos da América (EUA), um projeto de ocupação territorial, eram poucos índios, como, ainda hoje, são poucos estes e mesmo todos os brasileiros, se considerada nossa dimensão territorial. Com os dados atuais, há 25 habitantes por km², no Brasil (25/km²).

Para comparação vejamos outros grandes países com território, acima de 2,7 milhões de quilômetros quadrados: Canadá, 4/km²; Cazaquistão, 7/km²; Rússia, 8,5/km²; Argentina, 16,5/km²; EUA, 33,5/km²; China 146/km²; e Índia 401/km². Poderíamos duplicar nossa população e ainda teríamos uma taxa de ocupação baixa, considerando que todo nosso território, sem desertos áridos ou de gelo, pode ser ocupado.

Os europeus que majoritariamente ocuparam o Brasil foram latinos e católicos, os portugueses e espanhóis. Trouxeram a língua que falamos em todo território, hábitos alimentares, religiosidade e alguns elementos de formação do gosto, como as expressões musicais.

Mas os portugueses também representavam, politicamente, o atraso, como ocorria na Península Ibérica e em parte da Península Italiana, o que se verifica pelo estabelecimento da Inquisição Religiosa e pela expulsão dos judeus. O progresso, à época dos descobrimentos, estava na Inglaterra e na Holanda, que, não só no Brasil mas por todo mundo, tomaram colônias portuguesas e espanholas.

Darcy Ribeiro (1922-1997) (“O Povo Brasileiro”, 1995) demonstra como as bulas papais (“Romanus Pontifex”, 1454, e “Inter Coetera”, 1493) fundamentaram a questão da propriedade territorial, da escravidão e do preconceito, ainda hoje presente em nossa sociedade.

Os índios no Brasil eram principalmente os “tupi”, distribuídos em dezenas de tribos, espalhadas, principalmente pela costa atlântica, sem noção de unidade, de formação de uma nação. Darcy Ribeiro, obra citada, estima existirem um milhão de índios à época da chegada dos portugueses e escreve “não era pouca gente porque Portugal teria a mesma população ou pouco mais”.

Este imenso país continua sendo pouco habitado!

Embora, na escala da evolução cultural, os indígenas brasileiros estivessem cerca de dez mil anos separados dos povos europeus, eles haviam “domesticado” plantas, entre elas a mandioca, citada por Darcy Ribeiro como “uma façanha extraordinária, porque se tratava de uma planta venenosa a qual deviam não apenas cultivar, mas extrair-lhes o ácido cianídrico”.

O elemento mais relevante destas populações originárias está na estrutura social igualitária, “não contando com um estamento superior nem com camadas inferiores, condicionadas à subordinação” (Darcy Ribeiro).

Esta sociedade solidária é uma herança cultural que se observa ainda hoje, malgrado as segregações estabelecidas pela religião e a hostilidade do capitalismo liberal.

A União Ibérica teve muita importância para o Brasil, tornando letra morta o Tratado de Tordesilhas e incentivando a busca de riquezas imaginadas no interior do País.

Não pretendemos esgotar a análise das influências indígenas e ibéricas num artigo, apenas indicamos alguns tópicos para sustentação das nossas conclusões.

Os índios formavam os escravos pobres, não só pelo valor comercial como pela forma de obter seu trabalho. Além disso, antes da importação africana, foram os mamelucos (fruto das uniões de portugueses e índias) os que fizeram surgir as fazendas e a expansão da ocupação pelos colonizadores.

Akans, fangs, igbos, iorubás, kongos e mandinkas, todos da costa atlântica, e, com menor expressão, os makondes, de Moçambique, constituem os elementos étnicos e culturais preponderantes da imensa influência africana no Brasil.

“Entre os séculos XVI e XIX, 40% dos quase 10 milhões de africanos importados pelas Américas desembarcaram em portos brasileiros” (Manolo Florentino, “Em Costas Negras”, editora unesp, SP, 2014).

A historiografia nos deixa transparecer um ambiente de concórdia, de relativa tranquilidade e harmonia nas relações dos europeus, índios e negros no Brasil. No entanto, se hoje, com algumas conquistas humanitárias, instituições para defesa das pessoas, legislações protetoras, vemos a constância, frequência e até elogios à tortura, atos de violência, assassinatos e destruição, o que imaginar da sociedade onde os poderes legais e espirituais garantiam e celebravam a desigualdade entre humanos.

Eventos como ocorridos com a família Junqueira, em 1833, no município de Cruzília (Minas Gerais), a Revolta dos Malês, em 1835, em Salvador (Bahia), os quilombos espalhados por todo território nacional, que têm início no século XVII e ainda permanecem no século XXI, demonstram a extrema violência que existe na sociedade, adormecida e sufocada pela repressão do Estado e pela doutrinação civil e religiosa.

Basil Davidson (1914-2010), africanista britânico, na Introdução de “Black Mother”, 1961 (tradução para Livraria Sá da Costa Editora, por António Neves-Pedro, “Mãe Negra”, Lisboa 1978), escreve: “Houve sofrimentos, sofrimentos infindáveis. Nas Américas as mortandades eram tantas que populações inteiras de escravos tinham de ser renovadas com intervalos de apenas alguns anos”. E acrescenta: “Por vezes os argumentos eram menos grosseiros e brutais. Chegavam mesmo a assumir um certo “tom científico”. E Davidson narra a história de Jacinta de Siqueira, escrava africana que não só descobriu ouro, mas fundou e povoou Vila Nova do Príncipe, em 1714, em Minas Gerais, com filhos de diversos pais. E, já na conclusão, transcreve depoimento do engenheiro alemão, von Eschwege, que andou pelo Brasil em 1818: “vi escravos a trabalhar como carpinteiros, pedreiros, calceteiros, impressores, pintores, decoradores, marceneiros, construtores de carruagem, fabricantes de ornamentos militares, joalheiros, prateiros e litógrafos”, portanto, afirma Davidson, “os negros foram o elemento tecnológico da primitiva sociedade brasileira”.

Felipe Maruf Quintas, cientista político, e Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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