Detonador da explosão populacional
De todos as maravilhas tecnológicas do século, o processo Haber-Bosch fez a maior diferença para nossa sobrevivência. Qual é a inven
De todos as maravilhas tecnológicas do século, o processo Haber-Bosch fez a maior diferença para nossa sobrevivência.
Qual é a invenção mais importante do século XX? Aviões, energia nuclear, viagens espaciais, televisão e computadores serão as respostas mais comuns. No entanto, nenhuma destas pode competir com a síntese de amônia a partir de seus elementos. O mundo poderia estar melhor sem a Microsoft e a CNN, e sem também os reatores nucleares ou até mesmo ônibus espaciais seriam críticos para bem-estar humano. Mas a população mundial não poderia ter crescido de 1,6 bilhão em 1900 para seis bilhões de hoje sem o Processo Haber-Bosch.
Cada um de nós tem que comer dez aminoácidos essenciais para sintetizar as proteínas do corpo necessárias para o crescimento e manutenção dos tecidos. Culturas agrícolas e animais alimentados com estas culturas fornecem quase noventa por cento destes aminoácidos nas proteínas alimentares (espécies aquáticas e os animais de pastagem fornecem o restante). O rendimento da agricultura intensiva é quase sempre limitado pela disponibilidade do nitrogênio necessário para produzir estas proteínas.
O nitrogênio vem da biofixação (pela bactéria Rhizobium em simbiose com leguminosas e cianobactérias), da deposição atmosférica, e da reciclagem de resíduos de culturas agrícolas e de adubos animais. Mas estas fontes só somam cerca de metade da necessidade total: a outra metade deve vir de fertilizantes nitrogenados inorgânicos, cuja síntese foi possível graças à invenção de Fritz Haber e a engenhosidade de Carl Bosch.
A síntese de amônia pertence àquele grupo especial de descobertas – incluindo a lâmpada de Edison e voo os irmãos Wright - para o qual podemos identificar a data do avanço decisivo. Os arquivos de Badische Anilin- Und Soda-Fabrik (BASF), em Ludwigshafen, Alemanha, contém uma carta de Haber, professor de físico-química e eletroquímica na Technische Hochschule em Karslruhe, enviada em 3 de julho de 1909 aos diretores da empresa.
Nela, Haber descreve os eventos do dia anterior, quando dois químicos da BASF vieram ao seu laboratório para ver a síntese demonstrada: “Ontem começamos a operar o grande aparelho de amônia com circulação de gás na presença do Dr [Alwin] Mittasch, e fomos capazes de operá-lo por cerca de cinco horas sem interrupção. Durante todo esse tempo funcionou corretamente e produziu amônia líquida continuamente… Todas as partes do aparelho estavam ajustadas e funcionavam bem, então foi fácil concluir que o experimento poderia ser repetido ”.
Vinte anos depois, Robert Le Rossignol, assistente inglês de Haber, lembrou que tanto Bosch e Mittasch vieram para testemunhar o experimento matutino. Paul Krassa, outro dos alunos de Haber, lembrou a tensão que tende a acompanhar tais acontecimentos, e o medo de Tücke des Objekts (a malícia dos objetos). De fato, um dos parafusos do aparelho de alta pressão espanou durante o aperto, atrasando a demonstração por várias horas; Bosch não podia ficar durante a tarde e voltou para Ludwigshafen.
Mas os líderes da BASF estavam relutantes em prosseguir com o desenvolvimento de uma síntese operando a pressões acima de 10 MPa (100 atm). August Bernthsen, chefe dos laboratórios da BASF, ficou horrorizado: “Cem atmosferas! Ontem mesmo tivemos uma autoclave sob meras sete atmosferas voando pelos ares". Mas Bosch, que dirigia a pesquisa de fixação de nitrogênio na empresa, estava confiante: “Eu acredito que pode acontecer. Eu sei exatamente a capacidade da indústria siderúrgica. Pode ser arriscado”. E ele fez isso: resolveu alguns problemas sem precedentes de engenharia, e a produção comercial de amônia começou em 9 de setembro de 1913, apenas quatro anos e dois meses depois da demonstração laboratorial Haber.
Atualmente, a síntese de amônia foi aprimorada em muitos detalhes e é muito mais eficiente energeticamente, mas Haber e Bosch poderiam reconhecer todas as principais características de sua invenção. A produção global de amônia no presente é de cerca de 130 milhões de toneladas por ano; oitenta por cento disso se aplica a fertilizantes, dos quais a ureia é o mais importante. Países ricos poderiam utilizar menos fertilizantes, cortando sua produção excessiva de alimentos e consumindo menos animais - mas mesmo a reciclagem mais persistente de resíduos orgânicos e a mais ampla plantação de leguminosas não poderiam fornecer nitrogênio suficiente para nações de terra escassa, pobres e populosas.
Durante várias décadas, virtualmente todo nitrogênio fixado nos campos da China, Egito e a Indonésia veio de fertilizantes sintéticos. Quando você viaja em Hunan ou Jiangsu,
através do Delta do Nilo ou pelas as paisagens bem cuidadas de Java, lembre-se que as crianças correndo por ali ou conduzindo um dócil búfalo devem as proteínas do seus corpos, à ureia que seus pais espalharam pelos campos, a partir da síntese de amônia de Haber-Bosch. Sem isso, quase quarenta por cento da população mundial não estaria aqui - e nossa dependência só aumentará quando a contagem global se mover de seis para nove ou dez bilhões de pessoas
Vaclav Smil trabalha no Departamento de Geografia, da Universidade de Manitoba, Winnipeg, Canadá.
Revista Nature, volume 400, de 29 de julho de 1999.
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