Diretas Já!
A substituição do povo por um parlamento deslegitimado viola o espírito da Constituição de 1988
Com a consumação do nefasto golpe de Estado de 2016 e o recrudescimento da crise econômica, social e política que se abate sobre o País, muitas vozes se levantam em favor das eleições diretas, sob a evocativa bandeira das “Diretas Já”.
Engrossamos esse coro. Segundo nos parece, a solução para o atual dilema brasileiro passa, necessariamente, pela consulta direta ao povo, único titular da soberania. A possibilidade de eleição indireta, em caso de renúncia ou destituição do senhor que ocupa, ilegitimamente, o cargo de Presidente de República, resultaria, mais uma vez, no alijamento do povo em um momento decisivo da história nacional.
Naturalmente, diversos juristas e “especialistas” se apressaram em demonstrar o seu inconformismo com a proposta de alteração da Constituição para consagrar eleições diretas em caso de vacância nos dois últimos anos do período presidencial. É curioso observar que muitos deles, há poucos meses, pisotearam, sem qualquer pudor, o texto constitucional, legitimando um golpe de Estado, e agora, cinicamente, apresentam-se como “guardiães da Constituição”.
Não há qualquer obstáculo à reforma do art. 81, § 1º, da Constituição Federal para converter as eleições indiretas em diretas. O art. 60, § 4º, da Constituição Federal, onde estão estabelecidas as chamadas "cláusulas pétreas”, proíbe, explicitamente, o amesquinhamento do voto direto, secreto, universal e periódico. Jamais o contrário, ou seja, a transmutação de eleições indiretas em diretas, de modo a reforçar o princípio democrático!
A substituição do povo por um parlamento deslegitimado, sim, viola o espírito democrático da Constituição. Já a recíproca nunca poderá ser verdadeira. Lamentavelmente, continuamos tendo, nas palavras de Raymundo Faoro, uma democracia sem povo e os últimos acontecimentos da vida nacional o comprovam de maneira eloquente. Já passou da hora de devolvermos o poder ao seu verdadeiro titular, o povo, fundando-se uma verdadeira República.
Gilberto Bercovici, Professor Titular da Faculdade de Direito da USP; Luiz Guilherme Arcaro Conci, Professor da Faculdade de Direito da PUC/SP; Rafael Valim, Professor da Faculdade de Direito da PUC/SP.
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