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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

Guerra EUA-Israel contra palestinos desmascara derrota neoliberal

Análise profunda: Guerra EUA-Israel vs. Palestinos desvenda a derrota neoliberal, do pensamento liberal à geopolítica atual.

Publicado em 14/11/2023
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Os Estados Unidos da América (EUA) e o Estado Sionista de Israel (Israel) têm rejeitado todos os esforços de paz que surgem desde aliados até países contrários ao conflito desproporcional que vem dizimando a população palestina.

O sionismo, ideologia oficial do Estado de Israel, demonstra-se, na prática e na retórica, tão extremista quanto o fundamentalismo islâmico, sendo ainda mais perigoso por deter recursos bélicos e financeiros muito superiores, além da complacência dos poderes ocidentais.

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O espírito bélico das elites estadunidenses e israelenses é bem conhecido, muitos de seus componentes têm seus capitais aplicados em indústrias de armas, equipamentos e materiais de combate e nas pesquisas de interesse militar para as forças terrestres, marítimas e aéreas. Mas seria o lucro financeiro a razão desta oposição à paz?

Também as questões da política interna destes países são frequentemente apresentadas, pois a direita cresce no mundo ocidental e a guerra é sempre aproveitada pelas emoções que desperta nas populações. O fascismo e o nazismo, no poder, são recentes exemplos históricos. Porém seriam as questões da política de republicanos e democratas que mantêm os EUA avesso à paz na Cisjordânia?

Que forças estão verdadeiramente em conflito?

Para responder esta questão é necessário, de início, observar a evolução do poder a partir do século 20, quando duas guerras, envolvendo boa parte da humanidade, ocorreram em somente 31 anos.

Do pensamento liberal ao poder popular

O pensamento liberal dominou o poder desde o empoderamento da Inglaterra e da França, de onde saíram os principais teóricos: Adam Smith (1723-1790), Bastiat (1801-1850), Locke (1632-1704), Jean-Baptiste Say (1767-1832), Malthus (1766-1834), Montesquieu (1689-1775), Ricardo (1772-1823) e Voltaire (1694-1778).

Neste período surgiram duas “revoluções” no Ocidente – Industrial e Francesa – cujos princípios, que chamamos liberais, se entranharam numa sociedade onde, até então, prevaleciam dogmas: a religião e o poder monárquico de origem externa à ação humana, divina.

No entanto, o pensamento liberal também se revelou excludente, colocando a propriedade, em particular a grande propriedade capitalista, controladora dos meios sociais de subsistência, para separar os que tudo podiam e os que nada significavam, nada contavam. A ideia do Estado foi a de um intermediário, do garantidor dos contratos entre os que ali habitavam. Bastiat considerava o Estado uma “grande ficção através da qual todos se esforçam para viver às custas dos demais” (Frédéric Bastiat, “L’État. Maudit Argent”, 1849).

Mas os que nada valiam tinham suas necessidades, e produziram pensadores que defendiam os atendimento e mesmo o poder para os excluídos.

O empresário galês Robert Owen (1771-1858) é considerado dos primeiros socialistas, tendo fundado nos EUA (Estado de Indiana) a colônia New Harmony (Nova Harmonia), em 1825, cujo fracasso o fez retornar ao País de Gales, onde faleceu. Duas ideias sustentavam a ação de Owen: que o homem é produto da hereditariedade e do meio, daí a grande importância da educação, e que a religião leva à hipocrisia ou ao fanatismo, devendo portanto ser reprimida.

Outro movimento foi a Comuna de Paris, em 1871, a tentativa de implementação de um governo socialista, que, no entanto, não dava direito de voto às mulheres. O Governo Francês, com auxílio do exército prussiano, dissolveu a Comuna. Dela ficou a importância do Estado para a sociedade, que levará à vitória futuros levantes socialistas.

Dentro da perspectiva dialética, o liberalismo, que preconizava todo o poder aos capitalistas, engendrou seu rival, o socialismo, que defendia todo o poder aos trabalhadores. A luta de classes tornou-se fator precípuo da política europeia do século 19. Porém, no contexto de acirramento das rivalidades internacionais decorrentes das revoluções industriais, as nações demandavam o Estado como fator de coesão social e de coordenação histórica.

Estadistas como Otto von Bismarck, líder da unificação alemã, aperfeiçoaram o Estado como instância equilibradora dos conflitos de classe e de criação de sentido unificado de país. Posteriormente, liberais e socialistas também aderiram ao princípio do Estado para melhor defender seus interesses vitais, ainda que infringindo vários de seus dogmas. O keynesianismo e o bolchevismo viriam a se configurar como manifestações realistas do liberalismo e do socialismo, respectivamente, no cenário de indispensabilidade do protagonismo estatal.

Diferenças entre a 1ª e a 2ª Grandes Guerras

Alguns historiadores chineses designam a 1ª Grande Guerra (1ª GG) de Guerra Civil Europeia. Há bastantes motivos para que assim se considere o conflito. Mas há, também, omissão importante. Ela revela que a fonte primária de energia que conduzira a 1ª Revolução Industrial, e que deu à Inglaterra o mais extenso poder em terras descontínuas, o carvão mineral, fora substituída pelo petróleo, que conduziria a 2ª Revolução Industrial, liderada pelos EUA.

O petróleo não somente era mais eficiente como fonte de energia, mas se constituía também em insumo industrial, principalmente na forma de gás natural. Neste último caso poderia ser comprimido ou liquefeito, para uso ou transporte, e utilizado nas indústrias química, farmacêutica, metalúrgica, siderúrgica, de celulose, alimentos, bebidas e plásticos.

Recordemos que as primeiras empresas de petróleo foram criadas nos EUA – a Standard Oil Co, em 1879; nos Países Baixos – a Royal Dutch Petroleum, em 1890; na Inglaterra – a Shell Transport and Trading Co, em 1897; fundem-se as duas últimas em 1907; e no Irã é constituída a Anglo-Persian Oil Co, em 1909, que se transformará em 1954 na British Petroleum Co. (BP). Elas foram importantes na 2ª GG e no empoderamento dos EUA por quase meio século após seu término.

A 2ª Revolução Industrial ampliou os incluídos como consumidores do mercado capitalista. O menor custo da energia, sua maior comercialidade, a imensa gama de produtos que permite fabricar e em grandes quantidades necessitavam do acréscimo igualmente grande de consumidores, tendo por base o consumidor individual, a pessoa física. As modalidades do salário e do crédito criam estes consumidores e, em consequência, maior bem estar e a sensação de prosperidade. Vive-se o que a Associação Francesa de Economia Política denominaria os “30 anos gloriosos”, de 1945 a 1975, quando tem início as consequências da luta do capital financeiro contra o capital industrial.

Hipocrisias e trapaças do poder financeiro

Como se pode observar, desde o fim da Idade Média se buscava a maior inserção das pessoas no sistema de poder. Não era resultado de qualquer valor humanístico, mas a consciência de que a exclusão excessiva promovida pelas monarquias absolutas e hereditárias as levaria ao cadafalso. O que até ocorreu durante a Revolução Francesa. As industrializações antes da energia nuclear encontraram no petróleo a fonte barata, segura e de fácil utilização o caminho para ampliação da participação das pessoas como consumidoras. Era um poder relativo que a comunicação de massa poderia controlar.

Porém as finanças não eram mais decisivas nas decisões, os Estados dominados pelas indústrias passaram a ter mais poder e presença, sobretudo arcando com custos de infraestruturas.

Tudo isso ocorria no Atlântico Norte, pois a África, Ásia e as Américas Central e do Sul continuavam sendo colônias europeias ou estadunidense.

O discurso socialista continuava existindo sem uma articulação política popular que lhe desse efetividade. O fim da 2ª GG mostrou que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) tinha poder suficiente para promover a expansão socialista, ainda que incapaz de competir pela hegemonia monetária internacional, claramente reservada ao dólar estadunidense. E a Rússia, que a Europa Ocidental sempre teve como bárbara, repentinamente, ocupa um lugar à mesa.

Também a participação de africanos e asiáticos, estes últimos pela ação colonialista do Japão, de início apoiado pela Grã-Bretanha e posteriormente pelo Eixo, mobilizou os colonizados a lutarem pela independência. Esta situação encareceu muito a manutenção colonial e foi negociando, onde possível, a independência política para manter a colonização econômica, que a industrialização evitou sua recessão.

Esta virá com a ação das finanças atingindo o econômico e eficiente petróleo.

Desde o fim da 1ª GG que as finanças articularam seu retorno ao poder, aliando-se com movimentos ambientalistas britânicos resultantes da exploração e uso do carvão mineral, muitíssimo mais poluidor do que o petróleo. E foram ampliando suas vozes dominando os veículos de comunicação.

No entanto, a televisão encontrou no pós-guerra seu momento mais notável com o otimismo da vitória, o mundo de diversão e prosperidade, com numerosa propaganda incentivando o consumo. As finanças não puderam usá-la como o farão com as redes digitais na década final do século. Se havia ao menos um aparelho de TV em 99% das residências nos EUA, hoje, não apenas naquele país, mas em grande parte do mundo, há um celular por pessoa para quase totalidade da população.

As finanças resgatarão o liberalismo revisto pelo judeu ucraniano Ludwig von Mises (1881-1973), secundado pelo austríaco Friedrich Hayek (1899-1992) e pelo estadunidense Milton Friedman (1912-2006), na ideologia neoliberal que terá no Consenso de Washington (novembro de 1989) sua Bíblia.

Os engodos econômicos são facilmente constatados pela recessão que encolheu a produção ocidental, pelo desemprego nos países do Atlântico Norte e em suas colônias econômicas e ideológicas pelas Américas e África.

O grande esforço das finanças apátridas foi no sentido de alterar a matriz energética mundial, nas mãos de novas forças políticas surgidas com o êxito extraordinário da China e da Rússia, vencendo os obstáculos interpostos pelas consequências da dominação neoliberal no ocidente, surgindo como os mais desenvolvidos países do mundo no século 21.

Um aspecto cultural a considerar

Duas perspectivas embasam as opções de poder: a integradora e a excludente. Esta última conduz à dominação, à colonização, para manutenção da potência que, ao fim, será única. Foi com esta ideia do mundo unipolar que se divulgou a globalização e o poder dos mercados sobre os Estados Nacionais.

Com toda propaganda que inundou as mídias, as academias, os prêmios, não foi possível encobrir o desastre econômico-social- energético que vive a Europa Ocidental, os EUA e todos que seguem sua política concentradora de renda e riqueza.

A integradora tem, em pleno funcionamento, entre outras, a Iniciativa do Cinturão e Rota (Nova Rota da Seda) congregando cerca de 150 países – lembrar que a Organização das Nações Unidas (ONU) abriga 193 países-membros – que espelha muito mais o futuro do que um falso “Consenso” de meia dúzia de representantes de organismos financeiros internacionais.

A integradora para ter êxito precisa respeitar as diversidades dos seus componentes, diferenças que surgem dos próprios ambientes físicos onde se desenvolveram as sociedades. Os objetivos, dificuldades e recursos de um país do Sahel são evidentemente distintos dos povos próximos ao Círculo Ártico.

E a beleza do mundo não está em ingerir um hambúrguer com coca-cola em qualquer lugar, mas em se enriquecer com as variedades culturais. O que seria o “caminho” (tao) na filosofia de Confúcio como o modo de conhecer a verdade, se o mundo fosse apenas a repetição do colonizador, ou sua caricatura.

A transição energética, um modo de obter o controle das fontes primárias de energia, fracassou, como todos projetos neoliberais em menos de trinta anos.

Nada resta àqueles que empunharam a bandeira do mundo democrático, de liberdade, sem guerra, o “fim da história” de conflitos, senão a guerra.

Nestes 23 anos de século 21, os Estados Unidos da América estiveram em todos eles, envolvidos em guerras e obrigando outros países a secundá-los. A guerra de Israel não parará com o genocídio dos palestinos, ela avançará pelo Irã para atacar a Rússia pelo sul, enquanto a Ucrânia o faz pelo oeste. Sempre com os capitais apátridas e os recursos anglo-estadunidenses.

Felipe Maruf Quintas, doutor em ciência política pela Universidade Federal Fluminense, produz e apresenta o canal “Brasil Independente”, pelo YouTube.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, trabalhou por 25 anos na Petrobrás, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas na África (UN/DTCD 1987/1988).

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