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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

O amanhã da China: cibernética e energia

A China tem seu projeto e, como todo bom planejador, com permanente acompanhamento, avaliação e reformulação conforme os resultados que vão surgindo.

Publicado em 16/08/2023
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Em setembro de 2022, Xi Jinping divulgou o “Novo Sistema Nacional Integral” que deverá fortalecer a liderança do Partido Comunista da China (PCCh) sobre a inovação científica e tecnológica. Na prática, o PCCh quer ter mais controle sobre para onde vai o dinheiro e para onde os talentos estão se aglomerando.

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Ainda é muito cedo na evolução desse modelo de política industrial mais centralizado. Porém, algumas características dele podem estar tomando forma em termos de coordenação da cadeia de suprimentos e integradores (clusters) de tecnologia.

Um exemplo dessa abordagem centralizada pode ser na fabricação dos robôs. Os europeus e japoneses dominavam quase três quartos do mercado doméstico de robôs industriais, e o governo da China não escondeu seu desejo de reduzir essa dependência. No entanto, após subsídios maciços e competição entre governos locais, a participação de mercado dos fabricantes de robôs domésticos diminuiu em 2017.

O governo central interpretou isso como outra acusação ao modelo de competição fragmentada. Por isso, Pequim encarregou, em 2018, o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT), a poderosa agência de política industrial, de estabelecer o Centro Nacional de Inovação em Manufatura (NCMI), focado em robótica, em Shenyang, capital e maior cidade da província de Liaoning, no nordeste da China. E o secretário do partido de Liaoning à época, Chen Qiu Fa, era tecnocrata proeminente.

A criação do NCMI foi efetivamente o sinal de Pequim de que escolhera o vencedor em robótica e que os outros governos locais deveriam canalizar recursos para isso. O vencedor é a Siasun Robot & Automation, ou simplesmente Siasun, um dos principais fabricantes de robótica, em torno do qual a província desenvolve seu ecossistema de empresas de manufaturas inteligentes.

E Siasun viu sua produção de P&D aumentar e afirmou ter feito avanços na plataforma de software ao colaborar com talentos de pesquisa em todas as províncias. Além disso, dez governos locais apoiam a Siasun, um aumento em relação aos seis de 2018, o que pode indicar a eficácia do NCMI em obter apoio.

Observe-se que a centralização obteve melhor resposta do que a duvidosa competitividade da descentralização. A importância da Siasun para o futuro da robótica da China foi confirmada quando Xi Jinping visitou a empresa pouco antes do 20º Congresso do Partido, para elogiar suas realizações. A bênção de Xi sobre a Siasun também teve ramificações políticas. Zhang Guoqing, o secretário do partido de Liaoning e ardente defensor do modelo Siasun, acabou entrando para a “elite de oito tecnocratas” no Politburo, validando ainda mais a importância dos “nanômetros sobre o PIB”, como referido no artigo anterior.

O ponto culminante da política industrial mais centralizada ocorreu no Congresso Nacional do Povo, em março de 2023, quando a nova Comissão Central de Ciência e Tecnologia foi estabelecida no nível do Comitê Permanente do Politburo (PBSC). É provável que Ding Xue Xiang, o único tecnocrata da PBSC, tenha sido encarregado do portfólio de tecnologia.

Vimos no artigo anterior a estrutura da governança na China. Examinemos agora a formação dos políticos, daqueles que exercerão a administração do País. O que é preciso para chegar ao topo do Partido Comunista Chinês (PCC) não é uma questão trivial.

Perseverança mais do que brilho

O Ocidente euro-estadunidense consagrou a democracia formal como seu principal valor político e distintivo civilizatório. Embora de natureza social, pois destinada a governar sociedades que, como ensina a boa tradição sociológica, não se confundem com a soma dos indivíduos, ela possui caráter individualista, pois privilegia a soma aritmética dos votos individuais. Ou seja, na quantidade de pessoas que se deixaram levar pelas palavras ou pelos recursos dos candidatos como fator de seleção dos governantes. Nada se sabe, nem se avalia, sobre a capacidade e a personalidade do político, exceto pelas mídias. Pois a vida pública só aparece em escândalos ou processos judiciais. Daí a tendência à espetacularização da política, à transformação da política, reitora dos destinos sociais, em um “reality show”, simulacro de realidade que faz vir à tona tudo o que há de mais vil e grotesco nas pessoas e nas relações entre elas.

Bastante diferente é o paradigma chinês, que confere à democracia um valor muito mais substancial e literal, ainda que ausente o fetichismo institucional do Ocidente em relação às vagas e imprecisas definições de “separação dos poderes” e “alternância política”. Na China, o que prevalece não é a capacidade de persuasão de candidatos-celebridades, mas a habilidade e liderança, a passagem com êxito pelos obstáculos das diversidades, complexidades e âmbitos das governanças que revelam o político. Em suma, a experiência, construída desde os primeiros passos da vida política.

No partido político com mais de 90 milhões de membros, as probabilidades de chegar ao Politburo de 25 membros, o órgão de decisão mais alto do PCCh, são estatisticamente ínfimas. Como os políticos do PCCh não respondem a um eleitorado, o processo de preparação coloca mais ênfase na experiência de carreira. Assim, ter acumulado experiências significativas e diversificadas é condição para os políticos do PCCh que chegaram aos escalões mais altos.

Como é impossível concorrer a cargo político aos 25 ou 35 anos de idade, as carreiras políticas do PCCh tendem a atingir o pico depois dos 55. O que significa que os políticos passam quase 30 anos em vários cargos antes de conseguir os importantes cargos na central do Partido. Examinemos a carreira do presidente Xi Jinping.

Ele ingressou no Partido em 1974, após algumas tentativas mal sucedidas. Cursou, de 1975 a 1979, engenharia química como “estudante-operário-camponês-soldado”. De 1979 a 1982, Xi serviu como secretário de Geng Biao, então vice-primeiro-ministro e secretário-geral da Comissão Militar Central (CMC). Em 1982, ele foi enviado para o condado de Zhengding, em Hebei, como vice-secretário do partido no condado. Foi promovido, em 1983, a secretário, tornando-se o principal funcionário do condado. Posteriormente, Xi serviu em três outras províncias durante sua carreira política regional: Fujian (1985–2002), Zhejiang (2002–2007) e Xangai (2007). Xi ocupou cargos no Comitê Municipal do Partido de Fuzhou e tornou-se, em 1990, presidente da Escola do Partido em Fuzhou.

Essa experiência executiva provincial é fundamental para qualquer aspirante a membro do Politburo. Mais de 80% dos membros do Politburo, em cada comitê central desde Jiang Zemin (Presidente da República Popular da China de 1993 a 2003), serviram em pelo menos uma província. Sem a experiência provincial em seu currículo, é basicamente impossível para o político do PCCh ascender ao Politburo.

Xi foi nomeado para o Comitê Permanente do Politburo (CPP) de nove membros no 17º Congresso do Partido, em outubro de 2007. Ele foi classificado acima de Li Keqiang, uma indicação de que iria suceder Hu Jintao como o próximo líder da China. Na maioria das questões em que se viu envolvido, Xi buscou ecoar a linha da liderança central.

Constata-se, portanto, que Xi Jinping, ou qualquer outro que pudesse chegar em seu lugar, não é um aventureiro, mas um aristocrata do mérito e da experiência, que, com o seu valor provado e comprovado em vasta e criteriosa trajetória na administração pública, coloca seu valor intrínseco a serviço da causa comum, democrática, de toda a Nação chinesa.
Tecnologia nuclear

Até junho de 2022, a China tinha 54 unidades de energia nuclear em operação e 23 unidades nucleares em construção, sendo o segundo maior país do mundo em quantidade de unidades de geração de energia nuclear em operação e construção. As informações foram apresentadas por Tang Bo, vice-diretor da Administração de Segurança Nuclear da China e diretor da Divisão de Segurança e Regulação de Energia Nuclear. Os EUA, com 98 usinas em funcionamento, são o país que mais gera energia por fonte nuclear no mundo.

Porém, o mundo termonuclear não se resume à produção de energia e aos usos bélicos. Ele avança em outras aplicações da tecnologia nuclear, tais como a produção de alimentos, a conservação de frutas, o estudo do metabolismo das plantas, o comportamento de insetos e o controle de pragas; na dessalinização da água, na esterilização de materiais cirúrgicos e na medicina nuclear; em inúmeras aplicações na indústria, como a análise de grandes estruturas e na exploração espacial, desenvolvendo motores chamados foguetes termonucleares.

Em muitos países, a pesquisa nuclear na agricultura é realizada por agências nucleares que não dependem de centros nacionais de pesquisa agrícola. Mas, na China, o uso de técnicas nucleares na agricultura faz parte do trabalho da Academia Chinesa de Agronomia (CAAS) e das academias provinciais de ciências agrícolas, que permitem que os resultados sejam colocados em prática imediatamente. Com 18% da população mundial e apenas 7% de terras aráveis, a China enfrenta a dificuldade de alimentar a população crescente e cada vez mais rica, sem negligenciar a proteção de seus recursos naturais. Os agrônomos do país fizeram, nas últimas décadas, uso crescente de técnicas nucleares e isotópicas para a produção agrícola.

A segunda variedade de mutantes de trigo mais usada na China, a Luyuan 502, foi desenvolvida pelo Instituto de Ciências de Culturas CAAS e pela Academia de Ciências Agrícolas de Shandong, melhorando suas mutações e, como explica Lu Xiang Liu, diretor geral adjunto do Instituto, seu rendimento é até 11% superior ao da variedade tradicional, além de ser mais resistente à seca e às principais doenças. Cultivada em mais de 3,6 milhões de hectares, área semelhante à da Suíça, é uma das onze variedades de trigo desenvolvidas para melhorar a resistência ao sal e à seca, com qualidade dos grãos.

O Instituto de Padrões de Qualidade e Tecnologia de Teste para Produtos Agrícolas desenvolveu um protocolo para detectar o mel falso através de análises isotópicas. Estima-se que muito do que é vendido na China como mel seja produzido sinteticamente em laboratórios, em vez de ser mel de colmeia. Outros institutos do CAAS usam isótopos estáveis para estudar a absorção, transferência e metabolismo de nutrientes em animais. Os resultados servem para aperfeiçoar a composição e os padrões de alimentação.

Através da radiação, os cientistas podem reduzir significativamente o tempo necessário para produzir novas e melhoradas variedades de plantas. Na indução de mutações no espaço, também denominada mutagênese espacial, as sementes são enviadas ao espaço para aproveitar os raios cósmicos, que são mais fortes, e induzir mutações. Experimentos são realizados com satélites, ônibus espaciais e balões de alta altitude. Uma das vantagens deste método é que o risco das plantas sofrerem danos é menor do que com a radiação gama na Terra.

O amanhã da República Popular da China não é deixado à sorte. Constitui um projeto para o qual o Estado Nacional se organizou, os gerentes se preparam e há o partido que forma permanentemente a governança do País.

Por conseguinte, nenhuma surpresa no avanço chinês, não apenas no PIB e nos nanômetros, mas na contemporaneidade da vida da sociedade chinesa. Surpreendendo aqueles que ainda veem na retrógada estrutura e governança anglo-estadunidense o modelo para o mundo.

A China tem seu projeto e, como todo bom planejador, com permanente acompanhamento, avaliação e reformulação conforme os resultados que vão surgindo. Ela não está livre das turbulências e vicissitudes históricas, mas possui e busca ampliar as ferramentas para governar autonomamente seu destino, em vez de ser levada por ele a circunstâncias estabelecidas de fora. A China, portanto, é soberana.

Felipe Maruf Quintas é doutor em Ciência Política.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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