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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

Princípios do Nacionalismo – Inserção internacional e defesa

Estratégia de defesa deve estar ligada à construção da ordem multipolar

Publicado em 14/02/2023
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O século 21 apresenta uma configuração geopolítica internacional caracterizada pelo confronto entre a unipolaridade decadente, liderada pelos Estados Unidos, e a multipolaridade emergente, alavancada pelo desenvolvimento econômico e militar do outrora chamado Terceiro Mundo, que reunia as antigas colônias europeias, como China e Índia.

A multipolaridade diferencia-se da multilateralidade por visar não uma compensação moral pela hegemonia de uma potência, mas a reorganização efetiva e profunda das relações internacionais de poder de modo que nenhuma potência se torne hegemônica. Enquanto Otan, OCDE, União Europeia, FMI e Bird são algumas das principais instituições da ordem unipolar, Brics, Ibas, Organização para Cooperação de Xangai, Banco dos Brics e Banco da Ásia são da ordem multipolar.

Não se trata, como alguns analistas apressados supõem, de uma continuidade da Guerra Fria, quando estavam em disputa basicamente dois sistemas econômicos com pretensões universalistas, mas de um novo cenário no qual o bloco de poder triunfante da Guerra Fria busca exercer um “governo mundial” capitaneado pelas instituições de Bretton Woods, mas é frustrado pela ascensão de centros geopolíticos alternativos que representam civilizações distintas da Ocidental.

O panorama internacional contemporâneo apresenta-se não a partir de modos de produção, mas de civilizações. A disputa hoje em dia não é mais entre “capitalismo” e “comunismo”, mas entre distintas totalidades socioculturais territorialmente sedimentadas, nas quais a economia joga parte importante, porém subordinada e variável conforme os paradigmas civilizatórios.

O pluralismo civilizacional se manifesta, ao mesmo tempo, como choque e diálogo de civilizações, de acordo com concepções diferentes de globalização. O choque de civilizações é a consequência da globalização financeira liderada pelo Ocidente liberal e pós-moderno, que o coloca em colisão com as civilizações tradicionalistas na luta pela preservação do estatuto de poder, e o diálogo de civilizações é a expressão da globalização multipolar que abre possibilidades de desenvolvimento e de intercâmbio às regiões antes exploradas pelo colonialismo, de maneira a fortalecer as suas tradições específicas.

A ordem multipolar, ao descentralizar as relações mundiais de poder e favorecer a ascensão de potências regionais, oferece amplo espaço para o Brasil, enquanto civilização própria, parte mais importante da civilização ibero-americana mais ampla, estabelecer suas estratégias nacionais e se firmar como liderança sul-americana e sul-atlântica, enquanto a ordem unipolar, centralizando o poder nas esferas financeira e militar estadunidenses e norte-atlânticas, reserva ao Brasil a posição vexatória de colônia, de depósito de recursos naturais e de cloaca para dejetos econômicos e ideológicos. Na ordem multipolar, o Brasil poderá ser o que quiser ser, na ordem unipolar, só lhe restará ser aquilo que o imperialismo preferir.

Pelas suas proporções territoriais, demográficas e econômicas, o Brasil é a liderança natural e inconteste da América do Sul e do Atlântico Sul e uma provável liderança do chamado Sul Global. Em todas as Américas, somente o Brasil é capaz de rivalizar com os Estados Unidos pela liderança continental, o que, se ainda não é percebido por nós, certamente o é pelos dirigentes estadunidenses, que buscam dividir e enfraquecer o Brasil para manter toda a região na sua zona de influência. A diplomacia brasileira deve atuar, então, combativa e sistematicamente a favor dos interesses do Brasil e dos brasileiros no exterior, para fazer frente às pressões imperialistas contrárias.

Uma adequada estratégia brasileira de inserção internacional deve priorizar a parceria ganha-ganha com os demais países sul-americanos e sul-atlânticos, a maior parte dos quais nossos vizinhos terrestres e de fachada marítima, para integrar ambas as regiões por meio de infraestruturas civis-militares, dinamizando-as e vitalizando-as geoeconômica e geopoliticamente.

A abundância de espaço e de recursos naturais permite que todos os países se desenvolvam de forma compartilhada dentro das suas potencialidades, para o que os governos, instituições e empresas brasileiras podem auxiliar em termos de exportação de capitais, de tecnologia e de expertise. Para tanto, é fundamental termos como sócios, de maneira especial, Argentina, Venezuela e Colômbia, países cujo peso regional e posicionamento geográfico são decisivos para consagrar a liderança brasileira do Caribe à Antártica.

O Brasil deve, ainda, assumir o seu devido papel de protagonista em organizações e iniciativas como o Mercosul, a Unasul e o Tratado de Cooperação Amazônica, fundamentais para autonomizar politicamente a América do Sul em relação aos Estados Unidos.

O Brasil também deve aproveitar os laços de aproximação com os demais países sul-americanos para alcançar o Pacífico, região de grande pujança econômica atualmente, e articulá-lo ao Atlântico, vertebrando o continente e estabelecendo um circuito transoceânico e transcontinental independente dos comandos financeiros e militares do Atlântico Norte. Dessa maneira, poderá ser pivô da integração latino-americana, atraindo para si o México, a América Central e o Caribe, retirando-os da zona de influência direta dos Estados Unidos, e, também, chegar ao Índico pela incorporação do leste africano à nossa zona de influência.

O Brasil também tem plenas condições de buscar se tornar uma potência antártica e aeroespacial, para defender seus interesses em frentes geopolíticas promissoras. O controle da Antártica e do espaço aéreo/sideral será fundamental para definir as futuras hierarquias de poder, e se o Brasil ficar para trás, como já está ficando de forma preocupante, dificilmente conseguirá depois alcançar o limiar de poder mundial no espaço de uma geração.

O Brasil pode ainda, pelas suas características filoculturais, projetar-se como liderança do mundo lusófono e católico/cristão, para o que seria fundamental uma estratégia internacional de projeção cultural, inclusive para fins de fortalecimento do chamado “poder brando”. O futebol e as telenovelas são aspectos em que o Brasil já conseguiu estima e colocação significativos no mundo.

Em termos mundiais, é mais do que necessário o maior alinhamento do Brasil aos Brics, bloco de países que compartilham características e posições geopolíticas semelhantes, e às demais instituições multipolares, incluindo a Belt and Road Initiative, rede internacional de infraestruturas erigida pelo poderio chinês como forma de estruturar uma globalização alternativa à da plutocracia financeira norte-atlântica.

Não se trata de alinhar automaticamente o Brasil às potências não-ocidentais, muito menos de transferir a elas o controle de setores-chave do País, mas de reconhecer que o Brasil terá mais oportunidades junto dos países que ocupam estatuto internacional semelhante ao nosso e que buscam, cada qual à sua maneira e dentro das suas possibilidades, reconstruir a ordem internacional de modo favorável às aspirações de países como o nosso.

O futuro do Brasil depende do seu papel no diálogo multipolar de civilizações e será tão mais glorioso quanto mais contribua para a concórdia universal a partir da afirmação da sua natureza brasileira e, mais amplamente, ibero-americana e sul-atlântica, capaz de construir um novo bloco geopolítico alternativo à hegemonia norte-atlântica.

O nacionalismo brasileiro, sendo universalista e internacionalista por natureza, permite ao Brasil ser brasileiro somente pelos referenciais a partir dos quais o ser humano brasileiro se torna ser humano propriamente dito, portador de uma cultura e pertencente a uma civilização, capaz, assim, de dialogar e interagir com todos os demais.

Neste sentido, é absolutamente necessário rechaçar a adesão e a aproximação do Brasil à Otan e à OCDE, pois, além do País nada ganhar com elas – antes, ao contrário, perdendo as condições vantajosas de país em desenvolvimento – ainda se subordina a poderes francamente hostis à soberania territorial e econômica brasileira e se amordaça a uma ordem internacional indisputável. Somente na multipolaridade o Brasil encontra condições de exercer a sua Independência e de se firmar como Potência.

Brasil é o único país de grandes dimensões que não tem bomba atômica

Mas não basta apenas haver as oportunidades; é preciso que elas sejam aproveitadas pelo sentido estratégico nacional. Nenhum outro país poderá fazer pelo Brasil mais do que podemos fazer por nós mesmos enquanto Nação; somente o Brasil redimirá o Brasil.

Para se estabelecer como um dos centros da ordem multipolar, além da afirmação civilizatória, da coesão e poder do Estado e do desenvolvimento econômico, é imperioso que o Brasil detenha a bomba atômica, bem como a tecnologia balística/aeroespacial a ela relacionada. O mundo se divide entre os que possuem e os que não possuem a bomba atômica, pois ela é o instrumento máximo de dissuasão nas relações internacionais.

Todavia, o Brasil se encontra em posição particularmente vulnerável, pois é o único país independente de grandes dimensões territoriais e demográficas que não possui ogivas nucleares. O Brasil já dispõe da tecnologia de fabricação de armas atômicas, porém está restringido pelo Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ratificado em 1998, o que nos impede de deter efetivamente armamento nuclear.

A denúncia do TNP é fundamental para que o Brasil possa enfim aperfeiçoar os seus meios de soberania pela atomização do seu poder militar, e possa pleitear, com meios efetivos de poder de dissuasão, o direito ao poder de veto nas Nações Unidas.

Para que tudo isso seja possível, é necessário que o Brasil fortaleça o seu setor militar, vinculando-o mais diretamente ao setor industrial e tecnológico, edificando todo um complexo industrial-militar que articule a economia e a defesa e segurança nacionais. O desenvolvimento também é uma questão militar, pois diz respeito aos meios materiais que o País tem e constrói para se fortalecer e, assim, poder se defender e fazer valer seus interesses. O Brasil já dispõe de frentes avançadas, como o tecnopolo de São José dos Campos, bem como diversos institutos e laboratórios militares, e é preciso ampliá-las e reproduzi-las em todo o País.

O setor militar possui o mais elevado sentido estratégico, porque não existe País sem Forças Armadas. Elas são a garantia de que a delimitação territorial nacional não seja uma ficção jurídica, mas uma realidade concreta sustentada pela força estatal. É a função militar, inclusive, que define o Estado como centro superior de coordenação social, pois lhe atribui a primazia da violência física oficial e, portanto, a capacidade de enquadrar nacionalmente as forças operantes no território de sua jurisdição.

Como qualquer outra instituição, porém, as Forças Armadas nada significam em si mesmas, pois somente na prática confirmam a sua funcionalidade. Assim, é preciso que os quadros militares, do Alto Comando à tropa, possuam formação nacionalista, pois sua razão de existir é a soberania nacional. Além de equipadas materialmente para cumprir o seu trabalho nas mais diversas frentes de atuação, seja nas fronteiras, nos tecnopolos, nos laboratórios e empresas especializados etc., as Forças Armadas precisam estar imbuídas dos valores e ideais característicos e protetores da nacionalidade, para ser capaz de saber o que é e o que não é de interesse da Nação e, assim, poder orientar a sua participação na vida nacional.

Desse modo, a inserção internacional do Brasil será tão mais soberana quanto mais autônomos e internalizados forem os centros de decisão e as dinâmicas dos fatores constitutivos do Poder Nacional: espiritual, político, econômico e militar. O grau do Poder Nacional define a importância geopolítica do Brasil no mundo. O Brasil dispõe de amplas possibilidades para se tornar potência de relevo mundial, sendo imprescindível, para isso, que sua estratégia de defesa esteja ligada ao engajamento na construção da ordem multipolar.

Felipe Maruf Quintas é mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Fonte: Monitor Mercantil

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