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Daniel Vaz de Carvalho

Quatro lições de “democracia liberal” (2)

Os impérios, como o colonialismo, vivem da guerra e de outras formas de agressão.

Publicado em 15/09/2023
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1ª lição – A guerra midiática ou levados para a ilha dos lotófagos
2ª lição – Para ser democrata basta obedecer aos EUA
3ª lição – Matai-vos uns aos outros
4ª lição – Não se cansem da guerra

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3ª lição – Matai-vos uns aos outros

Os impérios, como o colonialismo, vivem da guerra e de outras formas de agressão. Os EUA lançaram 251 intervenções militares entre 1991 e 2022, outras 218 intervenções de 1798 a 1990, um total de 469 intervenções militares, segundo um relatório do Congressional Research Service. O Projeto de Intervenção Militar no Centro de Estudos Estratégicos da Universidade Tufts documentou ainda mais interferências no estrangeiro: “Os EUA realizaram mais de 500 intervenções militares internacionais desde 1776, com quase 60% realizadas entre 1950 e 2017”. “Com o fim da Guerra Fria, esperaríamos que os EUA diminuíssem suas intervenções militares no exterior, assumindo menores ameaças e interesses em jogo. Mas revelou-se o oposto: os EUA aumentaram os seus envolvimentos militares no exterior".

O número de pessoas mortas nestas guerras, golpes e outras operações subversivas conduzidas pelos EUA de 1945 a 2018 é estimado em 20 a 30 milhões de pessoas . Eis o saldo de um império periclitante que mantém 750 bases militares em 80 países, apenas porque se imagina com direito a um império global. O problema é que as contradições criadas são tão grandes e antagónicas que ou se tem poder absoluto ou não se tem nenhum.

A guerra na Ucrânia faz parte desta ilusão de poder. Só o completo desfoque da realidade levou a imaginar que Rússia poderia ser derrotada militarmente, acarretando uma “mudança de regime”. Mas a Rússia teve já essa experiência com Ieltsin e não gostou.

Em termos militares, a Ucrânia simplesmente não tem homens nem equipamentos suficientes para romper as linhas russas. Mesmo que fosse capaz de fazer um avanço localizado, não teria reservas suficientes para garantir o acompanhamento necessário. A última grande unidade que as Forças Armadas Ucranianas (FAU) mantinham em reserva – a 82ª Brigada Aerotransportada – foi transferida para a linha de frente, escreve o colunista da Forbes, David Axe.

Os ataques frustrados das FAU treinadas e armadas pela OTAN e mercenários apenas conduzem a perdas humanas e equipamentos da OTAN transformados em sucata. Contra isto, vale a propaganda. Na frente de Zaporozhye, Rabotino, uma aldeia de 480 habitantes em 2000, foi propagandeada como uma vitória estratégica. Tal como noutros locais transforma-se numa armadilha onde sucessivos grupos de assalto são liquidados, tentando ultrapassar a linha Rabotino – Verbovoye, enquanto o exército russo prossegue a ofensiva em direção a Kupyansk e Kremenna (Kharkov).

No início de agosto as perdas ucranianas atingiam 350 a 400 mil mortos, 2 milhões de feridos e deficientes (https://telegra.ph/INTEL-EXCLUSIVE-08-02) Segundo o ministro da Defesa russo, as FAU ao longo de 3 meses de contraofensiva não conseguiram atingir os seus objetivos em nenhuma das direções, tendo perdido mais de 66 000 pessoas e 7 600 equipamentos. O fracasso da contraofensiva ucraniana/NATO tem sido camuflada com ataques a instalações civis reivindicadas como vitórias militares. (Geopolítica ao vivo – Telegram, 05/09)

Perante esta tragédia, quem insista em parar a guerra e negociações de paz (como o PCP), é ostracizado, criticado, ridicularizado, em vergonhosos “debates” sem contraditório. Nem uma vez foi mencionado que aquelas propostas não se afastavam das que o Papa apresentou.

A expressão “até ao último ucraniano” tem todo o cabimento, agora que se prepara a mobilização de mulheres ucranianas. Face à incapacidade das FAU “fazerem progressos significativos” o Wall Street Journal relatava que no ocidente já se consideram opções para um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. Mas Moscou exige o reconhecimento das novas realidades territoriais. Seja qual for a ideia, nas capitais ocidentais começam a perceber a impossibilidade da vitória do regime de Kiev.

As ações da OTAN têm-se salientado pela cobardia – dado não atacarem a Rússia diretamente – e hipocrisia, das quais uma das mais evidentes é afirmar que cabe à Ucrânia estabelecer o momento e as condições para possíveis negociações de paz, fazendo de nós absolutamente estúpidos, como se uma marioneta tivesse voz própria. Diga-se que a duplicidade das ações e declarações do ocidente constituem um grave problema para futuras negociações.

Por mais ridículo que pareça, como se os países africanos não merecessem qualquer consideração, numa conferência de imprensa conjunta com a delegação africana, Zelensky recusou as suas propostas e repetiu que as negociações de paz só podem prosseguir depois da Rússia se retirar completamente de todos os territórios que ele considera ucranianos, mas que na realidade se desligaram de Kiev depois do golpe anticonstitucional de 2014.

A Ucrânia não existe economicamente, não tem dinheiro para pagar a funcionários nem a soldados, desde 2014 está falida. Perde a sua população, industrias, infraestruturas e não tem capacidade viável de escoar produtos agrícolas. Politicamente é um regime repressivo de cariz neonazi, minado pela corrupção, que proibiu todos os partidos da oposição e persegue quem conteste o clã de Kiev. Apenas sobrevive graças ao dinheiro do ocidente, para que mais ucranianos morram e oligarcas façam vida de ultraricos, na esperança que da matança o ocidente saia vencedor a bem das suas transacionais.

Estará a OTAN disposta a enfrentar a Rússia, o seu grande número de reservas treinadas, capacidade industrial, artilharia, mísseis de cruzeiro, drones, mais de mil aviões de caça, helicópteros de ataque e sistemas de defesa aérea maciços? Uma Rússia auto-suficiente nos recursos naturais essenciais para as suas indústrias de defesa, que não depende mais do ocidente para o comércio e cuja economia cresce, apesar das sanções?

Deviam atentar no que disse Putin, que não pode ser tomado por emitir bravatas: "Ouvimos dizer que nos querem derrotar no campo de batalha. Deixem-nos tentar". "Todo mundo deve saber que, em grande parte, ainda nem começamos nada a sério". "É uma tragédia para o povo ucraniano, mas parece que está indo nessa direção", recusando as propostas russas.

Perdidas as ilusões de submeter a Rússia, os EUA aumentam a pressão sobre a China, em que a propaganda tenta apresentar a China como o inimigo principal: “Terão sido os EUA demasiado lentos a acordar para a ameaça da China?, interroga o Washington Examiner; “Estão os EUA prontos para enfrentar as ameaças da China a tempo de fazer a diferença?” The Hill; “Xi Jinping está a preparar a China para a guerra”, Newsweek. A acusação de que a China envia armamento para a Rússia é recorrente, como se tivesse de pedir autorização a Washington para o fazer!

Convencer as pessoas que a China é uma ameaça para o mundo é constantemente repetida. O facto é que a Republica Popular da China nunca invadiu outro país, ao contrário do historial dos EUA, que mantêm centenas de bases militares em redor da China, e estabeleceram alianças militares anti-chinesas arrastando para isso inclusivamente a OTAN.

A duplicidade no caso de Taiwan é inqualificável, não passando despercebida para o resto do mundo. Blinken vai a Pequim garantir que não apoia a independência de Taiwan e o governo Biden aprova um pacote militar de 80 milhões de dólares para Taiwan, através um programa de financiamento militar ao estrangeiro geralmente para países soberanos. Pelos vistos, pretendem repetir em Taiwan a lição de destruição da Ucrânia.

Exemplo caricato é a propaganda sobre a “militarização dos mares do Sul da China”, pela China. Estas ilhas são historicamente reconhecidas como pertencentes à China. Os EUA encorajaram outras nações asiáticas a reivindicar, ocupar e militarizar algumas ilhas, com a possibilidade de nelas serem instaladas armas nucleares. Os chineses, começaram imediatamente a construir instalações militares em algumas das outras ilhas, contra o que era uma grave provocação militar. Os media, omitem o historial e dizem que a China está a criar instalações militares nos mares do Sul da China ameaçando os seus vizinhos!

Por detrás de tudo isto, parece evidente estar o nervosismo que o pretenso império sente perante algo que lhes escapa. A Rússia apresenta-se com os seus Kinzahl, Sarmat, Poseidon. A China desenvolve aceleradamente a capacidade militar, inclusive nuclear, com mísseis hipersónicos, aviões invisíveis ao radar, uma marinha poderosa e totalmente modernizada.

A Rússia e a China respondem por 70% dos reatores nucleares em construção ou planeados do mundo, sendo os mais fortes em termos de tecnologia, principalmente quanto a enriquecimento de urânio. A Huawei colocou em pré-venda o novo smartphone, P60 Pro. Com desempenho sem paralelo, projetado e fabricado internamente, com tecnologias originais, anuncia também um software concorrente do Windows nos próximos meses.

Apesar da Fundação Rand já ter mostrado a incapacidade dos EUA sustentarem um guerra contra a China, tal não para os belicistas: Taiwan, Austrália, Filipinas e outros podem fazê-lo e… matarem-se uns aos outros – para isso trabalha a propaganda.

4ª lição – Não se cansem da guerra

O ex-ministro das decisões irrevogáveis que duram dias, dizia para jovens social-democratas: não se cansem da guerra, é isso que Putin quer porque se a Ucrânia for derrotada, ele vai avançar para os outros países da Europa.

Se nenhum jovem – comentador muito menos – lhe perguntou em que é que se baseava essa afirmação, não são jovens nem são velhos, estão mentalmente ancilosados.

O “mestre” simplesmente repete o que diz o governo de Washington. A dita contraofensiva tem sido frustrante para a NATO, mas em vez de se procurar uma solução diplomática, pretende-se prosseguir a guerra, sem que os que a pagam física ou materialmente se cansem e sem que em particular os jovens – os que mais a vão sofrer – o perspetivem. Sem argumentos arrastam não apenas a Ucrânia, mas a Europa do ocidente para o desastre: volta-se à velha história (então ridicularizando a guerra fria) de que “os russos vêm aí!”

“Viva a morte”, gritavam os fascistas de Espanha, “viva a guerra” grita-se na democracia-liberal já que “a Rússia não pode vencer”. Mas vencer o quê? Que se saiba – até prova em contrário – a Rússia sempre afirmou querer uma Ucrânia neutra, desmilitarizada e desnazificada. A Ucrânia podia ser uma Suíça a leste, preferiu através das mentiras eleitorais de oligarcas e do comediante tornar-se um ex-país: o país 404. A NATO incentiva. O que dizer da futura gestão do que restar da Ucrânia e da forma como os EUA vão lidar com a Rússia? Não se cansem da guerra? Enlouqueceram...

Diz o líder da minoria republicana no Senado, Mitch McConnell, que financiar a Ucrânia significa "enfraquecer um dos maiores adversários estratégicos dos Estados Unidos sem disparar um tiro" (?) e dissuadir outro” [ou seja, a China]. "Isso significa investir na força dos EUA, tanto militar quanto económica". As declarações de McConnell confirmam os objetivos desta guerra e da sua escalada: nada tem que ver com "democracia" na Ucrânia, submetida a uma oligarquia corrupta e grupos criminosos, nem defender a “Europa”, cuja consideração que lhes merece já foi definida pela sra. Nuland.

Mas as guerras custam caro: o custo das guerras desde 2001 para os EUA foi de 8,8 milhões de milhões de dólares. Hudson lembra que os EUA são um Estado falido: a dívida federal era 988 mil milhões de dólares em janeiro de 1981, agora está em 32,6 milhões de milhões. “Os Estados Unidos gastam por ano mais de 1,5 milhão de milhões de dólares do que recebem em impostos. Só os juros serão mais de 900 mil milhões no ano fiscal de 2023. Os EUA não têm forças para suster os seus objetivos e empobrecem confiantes na emissão de dólares.” “Os EUA não são capazes de vencer nenhuma guerra. Não olhamos para as nossas próprias vulnerabilidades”.

Na Ucrânia, os EUA já gastaram 130 mil milhões de dólares, com milhões de americanos pobres, permanecendo sem seguro de saúde, em habitações precárias ou sem abrigo, vivendo de “vales-alimentação” se possível, além dos 2 milhões de presos. Juntando 70 mil milhões da UE, esta guerra vai em 200 mil milhões de dólares e sem fim à vista, enquanto na UE o nível de vida cai, a pobreza aumenta, as economias desindustrializam-se, a crise financeira é um facto.

Segundo a Heritage Foundation a ajuda a Kiev custa 900 dólares a cada família americana. Robert Kennedy Jr., candidato Democrata, disse em entrevista a Tucker Carlson: "Cometemos o pior erro geopolítico que podíamos imaginar, empurrando os russos para os braços da China. Como resultado, 40 nações ameaçam sair do dólar como moeda de reserva". Afirmando ainda que a Rússia é militarmente mais poderosa que os EUA.

Os EUA têm que vender 1,1 milhão de milhões em títulos do Tesouro urgentemente, porém as compras de Títulos do Tesouro caíram para perto de zero. Dado hostilizarem a maior parte do mundo, cada vez mais nações começaram a negociar noutras moedas que não o dólar, desligando-se do dólar e do seu sistema financeiro neocolonial. A situação é portanto muito delicada: a inflação e as taxas de juros subiram e os valores dos Títulos caíram.

Moscou, Pequim e Riad, em coordenação estão a quebrar um aspeto fundamental do "sistema": o controlo do ocidente sobre a fixação dos preços dos bens, incluindo o petróleo. Em Washington, isolados da realidade, estão desesperados.

Curiosamente, é nos EUA que o discurso sobre a Ucrânia vai mudando – enquanto os “comentadores” de cá se esforçam em sentido contrário. Washington Post: "A Ucrânia está ficando sem opções para retomar território importante". Financial Times: “Os EUA duvidam cada vez mais que contraofensiva da Ucrânia possa ter sucesso rapidamente". The Hill, Washington Post, CNN, concordam agora que os militares ucranianos nunca alcançarão os seus objetivos. Torna-se cada vez mais difícil conseguir que o Congresso aprove mais milhões de dólares em "ajuda" à Ucrânia. Não faz sentido gastar dinheiro numa causa que claramente está perdida.

Alheados da realidade, EUA e UE/OTAN aplicaram sanções a quase um terço da economia mundial, sem pensarem que também eles próprios perderiam. A guerra na Ucrânia em resultado dos EUA quererem submeter a Rússia às suas “regras” tornou-se, como disse o presidente do Banco Mundial à BBC: “uma catástrofe mundial que cortará o crescimento económico global”. Claro que quando fala em “mundial” pensa no ocidente, aliados e subordinados.

Não há dúvida de que os EUA estão a perder a credibilidade económica, financeira e militar perante o resto do mundo e o controlo que imaginavam ter. Na reunião do G20 a agenda não foi definida pelos EUA, mas a que resultou da reunião dos BRICS+ em Joanesburgo. A declaração final não critica a Rússia, não toma posição sobre a Ucrânia e apela à plena implementação do acordo de cereais, incluindo a garantia do fornecimento de fertilizantes russos.

Mas nos EUA há cansaço. O congressista Dan Bishop, declara na Fox News Digital: "Não há uma fixação de objetivos nem planos para definir como será a vitória. Os americanos estão fartos de Washington entrar de cabeça em guerras sem fim".

Perante tudo isto, no topo das prioridades é necessário colocar a luta para evitar uma 3ª Guerra Mundial. A social-democracia, nas suas diversas formas e siglas, cuja ideologia alinha pela “democracia liberal”, tarda em compreende-lo. Pelo contrário, faz tudo para que uma tragédia que pode estar iminente, não seja reconhecida, desdobrando-se em patéticas manifestações de apoio ao clã de Kiev.

12/Setembro/2023

A primeira parte encontra-se em resistir.info/v_carvalho/4_licoes_1.html.

 

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