Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

Reflexões para Teoria do Estado Nacional – Considerações finais: Estado

Nação somente será algo e terá lugar ao sol se for ela mesma

Publicado em 14/12/2022
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A unidade nacional é inegociável. Da mesma forma que a soberania é indivisível, o Estado-nação também. O separatismo é o maior crime que pode ser cometido contra a Nação. Contra ele não há perdão, pois quem mutila o corpo nacional atenta contra o pressuposto da existência de todos. O separatismo é a extinção da nacionalidade e da cidadania, é o ocaso do que define os compatriotas enquanto seres sociais e, portanto, como seres humanos.

O separatismo é o grau mais pernicioso de terrorismo, pois é um golpe de morte voltado não contra um grupo específico, mas contra toda a Nação em toda a sua temporalidade: contra todos aqueles que a vivem presentemente, contra todos que a construíram no passado e contra todos que estão destinados a herdá-la futuramente.

O separatismo é a violação dos preceitos sagrados que definem a Nação e, assim, constitui crime contra a Eternidade. A transigência com o separatismo é tão criminosa quanto o próprio, pois significa colaborar com a extinção do bem político maior, com a agressão terrorista ao lar comum. Contra o separatismo, porém, não é válido incorrer no erro do centralismo, que, ainda que menos grave, pode acarretar em consequências fatais, como levar água ao moinho do separatismo.

A excessiva centralização dos processos políticos na capital ou em outro lugar, num país continental como o Brasil, pode ser considerada uma espécie de tirania, pois submete a maior parte do país a um único ponto de comando, que assume, perante a maior parte do país, não uma posição de centro nacional, mas de metrópole em relação a suas colônias. O centralismo constitui a colonização interna e, portanto, esgarça os laços de solidariedade nacional, induzindo as demais regiões e a maior parte da população ase sentirem alijadas da política e a buscarem, pelo separatismo, o reconhecimento que o poder centralista lhes usurpou.

A importância do pacto federativo, num país continental como o Brasil, reside em conciliar as inevitáveis diversidades regionais com a necessária unidade nacional, sem a qual as diferentes partes do país perderiam a si próprias na medida em que perderiam a essência profunda da brasilidade que as une.

A organização central do Estado-nação deve ser suficientemente forte para aglutinar os distintos interesses locais em um mesmo sentido histórico nacional, o que implica balanceá-los e incorporá-los como parceiros de projetos e empreendimentos.

O Brasil é por natureza um Império, o que não quer dizer monarquia e, muito menos, imperialista

Somente um poder nacional unificado, sólido e coeso permite alcançar esse equilíbrio. Nas condições do Brasil, o poder nacional assume magnitude imperial, no sentido de estabelecer, por um centro coordenador, uma universalidade abrangente de distintas realidades que se coadunam numa unidade política e espiritual, física e metafísica.

O Brasil, como sabia José Bonifácio de Andrada e Silva, Patriarca da Independência, não era apenas um país como qualquer outro, mas o Império dos Trópicos, portador de uma civilização autóctone, capaz de definir suas próprias chaves interpretativas, mentalidades e modos de ser e de viver.

O Brasil é por natureza um Império, o que não quer dizer monarquia e, muito menos, imperialista. Sendo um Império, subsiste em si mesmo, sem a necessidade e a predileção por dominar outros povos.

A estrutura política brasileira precisa, então, ser tão imperial quanto o país que representa. Por isso, as condições brasileiras exacerbam o fato de que a tese da separação/independência de poderes é um grande mal entendido, pois, num país de tal porte, que mantenha sua integridade e integração e que esteja a salvo de uma conflagração interna, somente pode existir um único poder, cujas funções sejam distribuídas entre órgãos separados – os ramos Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo o braço Militar, a Nação em armas – porém integrantes do mesmo corpo, que atuam em concerto.

Da mesma forma, a ideia de “alternância de poder” é absurda, pois o poder nacional não é alternável, e quem quer que seja seu ocupante, não pode usurpar o poder que é de toda a Nação.

Dentre esses ramos, é natural e desejável que a preeminência caiba ao Executivo, pela sua capacidade de representação da totalidade nacional, tanto civil quanto militar, um único centro de poder personificado no chefe Executivo, simultaneamente o chefe de Estado, quer seja o rei na Monarquia ou o presidente na República.

O Legislativo, composto por representantes eleitos por minorias sociais e regionais, e o Judiciário, órgão técnico por natureza, não permitem criar nada semelhante à síntese nacional unificada do Executivo.

A primazia do Legislativo constituiria um governo de caciques e chefetes, no qual os conchavos parlamentares se sobressairiam à soberania nacional e popular, e a do Judiciário seria uma tecnocracia pura e dura, que fetichizaria a lei como instrumento de manutenção da posição de poder.

A política verdadeiramente nacional é incompatível com a  concentração de poder em minorias influentes

Disso resulta que o melhor sistema de governo seja a República presidencialista, pois, comparada à Monarquia parlamentarista e à República parlamentarista, onde o chefe de Estado assume figura ornamental e subsidiária, é a única que, nas condições atuais, assegura a predominância do Executivo e, portanto, a unidade institucional da soberania nacional e da representação popular.

Mais amplamente, toda e qualquer discussão sobre as formas de governo, isto é, sobre quem governa e como governa, precisa levar em consideração a adequação aos imperativos de preservação da unidade nacional e de representação unificada dos múltiplos aspectos constitutivos da nacionalidade.

A política verdadeiramente nacional é incompatível com a oligarquia, isto é, com a concentração de poder em minorias ricas e influentes. Ela deve ser, simultaneamente, democrática e aristocrática, para contemplar todo o povo e zelar pelo seu Bem Comum e, ao mesmo tempo, ser conduzida por elite no sentido verdadeiro do termo, ou seja, pelos elementos mais virtuosos e preparados para interpretar a realidade nacional e agir em nome da Nação.

Democracia e aristocracia não são excludentes, mas complementares e correlatas, pois o governo de todos não é o governo de qualquer um, e a responsabilidade democrática pelos destinos de toda a Nação, levando em conta os interesses de todo o povo, sendo a mais alta responsabilidade que pode existir, não pode ser confiada senão àqueles dotados de caráter e inteligência à altura da tarefa, que sejam reconhecidos como possuindo os mais altos atributos patrióticos.

Não há receita de bolo para a organização institucional da Nação, pois os processos históricos reais impõem questões e desafios específicos para os quais as instituições devem oferecer respostas pragmáticas que atendam aos interesses nacionais superiores.

As instituições não podem ser tomadas em absolutos abstratos, em fórmulas e chavões definidores de antemão do que seja democracia ou o que mais, porém dentro daquilo que permita a elas estabelecerem os padrões de ação e de expectativas condizentes com os objetivos nacionais.

Independentemente da forma de governo, a sã política é a que se orienta pelos princípios fundamentais da nacionalidade para promovê-la a níveis maiores de coesão, integração, autenticidade e prosperidade.

A política se baliza em fundamentos transcendentes, próprios das tradições e do espírito do povo. Porém ela é uma atividade mundana e pode ser pervertida por interesses escusos e inconfessáveis. De todas as garantias de que a política não seja corrompida, que aristocracia não degenere em oligarquia, e a democracia não seja traída, a principal é o direito à participação popular, para que haja canais institucionais de diálogo entre governo e sociedade, de modo que o Estado não seja capturado por nenhum grupo de interesse específico e não perca de vista seu caráter nacional.

A participação, como elemento da cidadania, deve fincar suas raízes nas instâncias microscópicas da sociedade e se espraiar por todas as esferas de representação política.

A participação, evidentemente, não suplanta a decisão tampouco pode servir para obstruí-la, pois sua importância consiste em esclarecê-la à luz da realidade nacional, vivida pelos cidadãos, de modo a fortalecer o nacionalismo do Estado, isto é, o seu caráter popular, o seu arraigamento no Brasil real.

Tampouco a participação deve se restringir ao individualismo do voto eleitoral, pois a Nação não se compõe apenas de indivíduos-cidadãos, também de estamentos oficiais e de grupos de interesse, dentre os quais os mais fundamentais são aqueles ligados à defesa da Nação, ao funcionamento do Estado e à organização material da nacionalidade, ou seja, as Forças Armadas, o funcionalismo público e as classes sociais – industriais, comerciantes, trabalhadores, agricultores, professores, profissionais liberais.

A participação institucional desses grupos se daria por meio de conselhos, comitês e congressos estatais, nos quais as organizações corporativas e de classe assumiriam função pública e se tornariam coadjutores, junto ao governo e aos parlamentares eleitos, da administração dos negócios comuns. Somente dessa forma a democracia pode ganhar caráter orgânico e se associar às dinâmicas reais da Nação como ela é, feita e vivida diariamente por quem a mantém de pé.

A participação social, bem como toda e qualquer representação política, apenas cumprirá seus desígnios patrióticos se for bem informada.

Na era atual, caracterizada pela sofisticação sem precedentes dos meios e veículos informacionais, a informação é um fator cada vez mais decisivo de poder. Nenhuma Nação pode permanecer de pé sem um sistema autônomo de informações, cujo caráter estratégico o faz ser de responsabilidade estatal direta.

A transnacionalização das redes de comunicação impõe desafio gigantesco ao Estado-nação brasileiro contemporâneo, pois a sobrevivência do Brasil dependerá, em grande medida, da construção do sistema nacional de comunicações que blinde o país contra operações psicológicas e semióticas dirigidas de centros de poder no exterior para desorientar os brasileiros e impedi-los de enxergarem a própria realidade e de agirem com a própria cabeça.

O Estado-nação deve, portanto, assumir sua função de agente informacional e comunicacional, para adequar os fluxos de ideias, valores, crenças e expectativas aos interesses nacionais e impedir que sejam manipulados por agentes externos e internos subversivos. O combate à pedagogia colonial é função permanente do Estado.

O Estado-nação assume, por isso, função pedagógica, no sentido de ser o meio de reprodução social da identidade nacional, a estrutura pela qual a Nação informa e educa a si própria com base no acervo simbólico e material erigido ao longo da história.

Contra a pedagogia colonial, incutida pelo poder transnacional por meio do controle exercido na mídia e nas mais diversas instituições, cabe ao Estado-nação exercer a pedagogia nacional.

Cabe ao Estado-nação a defesa da civilização nacional, fundamento de toda e qualquer ação histórica fecunda e proveitosa. Ao fazer isso, não se trata de aparelho externo impondo uma visão à sociedade, mas a comunidade nacional defendendo por conta própria aquilo que tem de intrínseco e peculiar, pois o Estado-nação é a Nação politicamente organizada.

A Nação somente será algo e terá lugar ao sol se for ela mesma. A alternativa à originalidade é a extinção, e essa não é uma opção, pois o Brasil está vocacionado à grandeza, isto é, a ser brasileiro, a assumir para si e para os outros o colosso que é.

A autenticidade, contudo, precisa ser ganha a cada dia, e, para isso, é necessária estar energizada pelo poder. Não qualquer poder, mas o poder nacional, na forma de Estado-nação, o único caminho pelo qual o Brasil pode se firmar como sendo verdadeiramente brasileiro.

Felipe Maruf Quintas é mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

Fonte: Monitor Mercantil

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