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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

Reflexões para Teoria do Estado Nacional: invasão neoliberal

Ao tratar do Império, mostramos que a opção liberal, no Brasil, não trazia o sentido de alternativa política, porém do modo

Publicado em 19/10/2022
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Ao tratar do Império, mostramos que a opção liberal, no Brasil, não trazia o sentido de alternativa política, porém do modo de acomodação das elites dirigentes, que se inclinavam para o poder descentralizado, dando mais força às lideranças regionais, em oposição à centralizadora presença do Imperador.

Se luzias e saquaremas tinham bases nacionais, a invasão neoliberal, ocorrida a partir de meado do século 20, foi efetiva recolonização estrangeira.

Aspecto significativo, já descrito por historiadores e analistas do Brasil República, é a presença militar a partir de 1889. Não se limitou a intervenções pontuais, mas trouxe para o modelo de organização e de administração do Estado a perspectiva laica e hierárquica.

De certo modo, esta perspectiva contrariava o sentimento mais místico do que religioso do povo, e mais paternal do que profissional, como tivemos antes da República.

Estava, por outro lado, contemporâneo com os Estados Nacionais que surgiam ou se transformavam no mundo ocidental, desde o século 19. Importávamos, assim, a dualidade capital x trabalho, inexistente no mundo escravista.

Vimos, em artigos desta série, esta emergência de pensamento militar, crítico, planejador, disciplinador, que se traduzirá na ditadura de 1964–1985.

O neoliberalismo é o resultado de séculos de ajustamento do poder rentista, monetário, no domínio real na Grã-Bretanha. Fica absolutamente clara esta transição na transformação do poder fundiário em monetário, no século 17, quando a dinastia Tudor-Stuart convoca os judeus para sua condução. Este poder argentário passará por diversos percalços e se manterá vivo, mesmo quando é derrotado em duas guerras. Sua resiliência e capacidade de planejamento são marcantes.

Antes que se introduzissem na estrutura política as organizações “think tank”, o monetarismo inglês já coletava de suas colônias, distribuídas pelo mundo, as características culturais, psicossociais, geográficas para melhor submetê-las e impedir revoluções libertárias.

No Brasil, o neoliberalismo teve seu ajustamento cultural próprio. Se no hemisfério Norte as questões climática e energética foram suficientes para o impor, no país permanentemente ensolarado, com inúmeros cursos d’água produzindo energia por todo País, precisava outra caracterização. Ela veio com o neopentecostalismo, na década de 1950, ocupando dois espaços: o religioso e o político, e com a crítica ao poder militar, que propulsionava a industrialização e a tecnologia.

A Igreja Católica, acomodada ao poder desde a colonização portuguesa e o Império, se enfraqueceu na República. Faltava também o dialogo mais transversal com a sociedade miscigenada, o que não constituiu problema para igrejas que brotavam nas favelas e nas periferias.

A primeira neopentecostal que aqui chegou foi a Quadrangular, mas a que logo ganhou maior número de fiéis foi a Universal do Reino de Deus (IURD). Os resultados do Censo Demográfico 2010 mostram o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil. A proporção de católicos seguiu a tendência de redução observada nas duas décadas anteriores, embora tenha permanecido majoritária. Em paralelo, consolidou-se o crescimento da população evangélica, que passou de 15,4%, em 2000, para 22,2%, em 2010. Dos que se declararam evangélicos, 60% eram de origem pentecostal, 18,5%, evangélicos de missão, e 21,8 %, evangélicos não determinados.

Na comparação da distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por rendimento mensal domiciliar per capita, o Censo do IBGE de 2010 revelou que 55,8% dos católicos estavam concentrados na faixa de até um salário mínimo. Mas são os evangélicos pentecostais o grupo com a maior proporção de pessoas nessa classe de rendimento (63,7%), seguidos dos sem religião (59,2%). No outro extremo, o das classes de rendimento acima de cinco salários mínimos, destaca-se o percentual observado para as pessoas que se declararam espírita (19,7%).

A revista Metrópole (14/1/2020) informa que “há mais representantes de igrejas neopentecostais na Câmara do que participantes delas na sociedade brasileira”. E cita Geraldo Monteiro, professor de Ciência Política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj): “Existe uma super-representação, especialmente da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)”.

O neoliberalismo traz o católico midiático padre Patrick Peyton, membro da Congregação de Santa Cruz, pároco em Hollywood (Los Angeles, Califórnia), produtor cinematográfico e de televisão, para divulgar sua Cruzada do Rosário em Família, no Brasil.

Procura o neoliberalismo unir o anticomunismo com a religião. O poder político aliado ao religioso não se dá por acaso, mas pelo trabalho dos centros de estudo e planejamento (think tank) neoliberais. O neoliberalismo precisa submeter o poder militar a seus interesses financeiros. E nisso se utiliza do anticomunismo, trazido com a dualidade capital x trabalho na República, com a revolução na Rússia, em 1917, e o protagonismo soviético na 2ª Grande Guerra.

As ações do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fortemente influenciadas pelo stalinismo, ajudaram a criar maior antagonismo na classe média, inclusive por lideranças que até saem do PCB para participar de governos nitidamente neoliberais, como o de Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Mas o objetivo rentista do capitalismo financeiro não obtém sucesso imediato com os militares. Durante os governos de 1964 a 1985, apenas no último general presidente o Brasil não teve expressivo desenvolvimento industrial e tecnológico. Ao invés da redução do Estado, houve ampliação da ação estatal, em especial nos governos Médici e Geisel.

As campanhas contra os governos militares enfatizavam as questões da expressão política, da liberdade individual, da opressão do Estado, mas não podiam deixar de atender as questões sociais, e estas exigiam trabalho e salário. Apenas a questão nacional, que tinha, na liderança nacional, o trabalhista Leonel Brizola, não foi tratada como consenso oposicionista aos militares. Apagaram-se os feitos econômicos, tecnológicos e mesmo sociais dos governos militares, para sobressaírem a tortura, os assassinatos, as perseguições e mortes.

O anticomunismo não foi suficiente para enquadrar os militares num projeto rentista, no encolhimento do Estado, nas privatizações e alienações dos ativos e do poder público. Era necessário desmoralizar as Forças Armadas. FHC reduziu a um único ministério os três, ou quatro, se considerarmos o status gozado pelo Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa), ministérios militares. Um civil foi nomeado ministro da Defesa, que já fora da Guerra e do Exército, inadmissível não ser ocupado por militar da mais alta expressão hierárquica.

O projeto neoliberal, que tem início na segunda metade do século 20, chega ao Brasil do século 21 ainda com dúvida em relação à questão militar. A pedagogia colonial fizera sua colheita na sociedade civil, na religiosa com o crescimento das igrejas neopentecostais, no Fim do Estado (!), faltavam o trabalho e os militares.

A eleição de um sindicalista, em 2002, só teve a contrapartida da eliminação da liderança nacional trabalhista de Brizola, e, com sua morte, da própria militância de origem varguista. Os militares desenvolvimentistas da Era Vargas também não deixavam descendência. O Brasil se preparava para o neoliberalismo.

Para explicitar esta ação infiltradora do neoliberalismo no meio militar, combatendo-o e desmoralizando-o, há diversos eventos. Iniciemos com análise das ações e discursos do general Golbery do Couto e Silva, participante do primeiro governo militar, em 1964, e dos dois últimos, Geisel e Figueiredo. Golbery, nos anos 1950, foi dos elaboradores da doutrina de segurança nacional, bastante calcada no que se desenvolvia nos Estados Unidos da América (EUA).

Os militares brasileiros, que promoveram o desenvolvimento nacional, passaram pela ideologização europeia do início do século 20: alemã e francesa especialmente. O pensamento voltado para segurança chega com a 2ª Grande Guerra, e Golbery faz sua redução sociológica para ser a doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG).

A este respeito transcrevemos de A. Simões Fernandes (“A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil: a geopolítica de Golbery do Couto e Silva”, Antíteses, vol. 2, nº 4, jul-dez/2009): “Doutrina difundida pelos Estados Unidos e ensinada aos oficiais brasileiros na zona do Canal do Panamá foi adequada a noção de geopolítica estudada desde 1930 destacadamente entre a intelectualidade militar, assim como a ênfase em elementos mais pertinentes à realidade brasileira”.

Golbery tinha inteligência e orientação para evitar a bipolarização. Em seus escritos e discursos, vai procurando demonstrar que o Brasil precisa do mundo e este do Brasil, dando falsa ideia de complementariedade, que se funde na “estratégia ocidental”. E critica o “isolacionismo”, pela incapacidade de “captar o apoio de um povo que se vira ludibriado por essa tese amolecedora” (“O Brasil e a Defesa do Ocidente”, in Conjuntura Política Nacional O Poder Executivo & Geopolítica do Brasil, Coleção Documentos Brasileiros, Livraria José Olympio Editora, RJ, 1981, 3ª edição).

Simultaneamente, próceres “liberais”, acadêmicos, profissionais conhecidos, empresários de sucesso, ainda que meramente midiáticos, passam a proferir conferências, já no final dos anos 1960, nas Escolas de Comando e Estado-Maior (Ecem), das três Armas, pois a hierarquia obriga que o exemplo venha como as ordens, de cima. O neoliberalismo nas escolas militares é fenômeno dos anos 1980.

Nenhum oficial, hoje, no século 21, escapou da doutrinação neoliberal em sua formação profissional. Com isso, introduziram-se nas Forças Armadas, por incrível que possa parecer, a ideia do “Estado mínimo”, a naturalização do poder do “mercado”, e a vantagem, independente dos meios, como típica da ação humana. É o desvio do interesse na grandeza nacional, nos planos de desenvolvimento, e o ingresso da corrupção.

Assim, a invasão neoliberal conclui seu trabalho de desmoralização das Forças Armadas colocando um capitão, que dela fora expulso, para entrega, por meios dos mais questionáveis, do patrimônio nacional ao capital financeiro apátrida. A verificação dos principais acionistas dos “compradores do Brasil” elencará os “gestores de ativos”, ativos captadores para suas agências nos 84 paraísos fiscais: BlackRock, Vanguard, State Street Global Advisor, Fidelity, Wellington, Geode Capital, T. Rowe Price, JP Morgan Investment entre outras.

Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

Fonte: Monitor Mercantil

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