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Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas
Felipe Maruf Quintas é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

Reflexões para Teoria do Estado Nacional: Leviatã, Têmis ou Anteros

“As eleições correram aqui como geralmente correm por lá – atas falsas, livros roubados, capangas, atentados contra a liber

Publicado em 15/06/2022
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“As eleições correram aqui como geralmente correm por lá – atas falsas, livros roubados, capangas, atentados contra a liberdade do cidadão e outras asneiras em que se pegam os políticos da oposição para atacar a gente do P.R.C. Os jornais do governo naturalmente dirão que houve inteira liberdade no pleito, que tudo andou às mil maravilhas” (Graciliano Ramos, carta à mãe, Maria Amélia Ferro Ramos, em 4/2/1915).

Nos anos 1950, várias pesquisas foram realizadas em empresas e órgãos públicos, na França e nos Estados Unidos da América (EUA), publicadas em revistas sobre administração, buscando conhecer o modelo de maior eficácia gerencial. A grande maioria destes trabalhos apontava para o participativo, solidário. No entanto, já fermentavam as batalhas do sistema financeiro para a conquista do poder. A luta das finanças contra a produção apresentava ritmo crescente, alimentada pela vinculação cada vez maior das indústrias capitalistas a sistemas de propriedade pública (sociedade anônima por ações) e de gerenciamento voltadas ao lucro de curto prazo.

Os resultados destas pesquisas contrariavam a pregação neoliberal, a competitividade, que servia aos propósitos financistas. E, como num passe de mágica, todos estes trabalhos desapareceram, as revistas que os publicavam tornaram-se raridades editoriais.

Retomamos aqui estas questões, agora não mais com os recursos empíricos, mas com base em análises históricas e recursos teóricos.

Na raiz de democracia está o “kratos”, que significa força ou soberania. Daí “aristoi” (os melhores), “pluto” (riqueza), “oligo” (poucos), e outras palavras para classificar o exercício do poder conforme a sua distribuição, além do povo (um dos significados de “demo”). Também consignável é que povo, quer em Xenofonte, Sócrates ou Aristóteles, inclui os mais pobres, “a pólis são os cidadãos e não as muralhas nem os barcos viúvos de homens” (Tucídides).

Recordemos que na estrutura do estado romano, no período da Realeza (753 a.C. a 510 a.C.), a partir de Sérvio Túlio (entre 578 e 539 a.C.), as cúrias abrigavam os “plebeus”, normalmente formada por estrangeiros (lembremos o caráter miscigenado da formação de Roma) e pelos pobres.

É próprio dos Impérios, sejam ideológicos, nacionais ou socioeconômicos, como vimos nesta série de Reflexões, com a religião católica, os EUA e as finanças, procurarem a homogeneização ou pasteurização cultural. Veja-se, como exemplo, as religiões usando o latim (que foi ensinado em escolas secundárias até a segunda metade do século 20 na Europa e nas Américas), o Reino Unido e os EUA, com inglês, sobrepondo-se ao francês (a língua culta do século 18), e com a predominância destes dois países na gestão dos capitais apátridas, com a manutenção do inglês cibernético, no presente Império Financeiro.

Portanto, a manifestação do poder pode ser iniciada pelo idioma e, deste modo, como as pessoas irão organizar seus pensamentos, os raciocínios.

O engenheiro Fernando Peregrino, ex-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e secretário de Estado no Rio de Janeiro, prefaciando Mundo Latino e Mundialização (organizado por Darc Costa e Francisco Carlos Teixeira da Silva, Mauad-Faperj, RJ, 2004) afirmou: “O Brasil é o maior país de origem latina do mundo”, ao analisar a situação, no início do século 21, das nações decorrentes dos Impérios europeus, estes provenientes do desmembramento de Roma. Tal é a continuidade de um poder fundado na cultura, seja autóctone seja imposta colonizadamente.

E, insistimos em reafirmar que a “mestiçagem cultural”, com sua postura inclusiva, não destrutiva das culturas autóctones, porém, ao contrário, integradora, é o meio mais importante de sedimentar e perpetuar o tipo de poder que a Realeza e a República romana souberam construir.

Contrariamente, todas secções, todos identitarismos, toda esta pregação da inexistente liberdade acima da convivencialidade, amplamente aparelhados pelas redes de comunicação, levam ao enfraquecimento do poder nacional, e, ao fim, promovem mais exclusões e maiores desigualdades.

Desde a primeira metade do século 20, com o resultado nas pesquisas na área da transmissão de dados, a comunicação ficou cada vez mais restrita, exigindo maiores investimentos, e foi o sistema financeiro quem melhor soube aproveitá-la. Isto não só facilitou a universalização das trocas monetárias como trouxe novos veículos à formação das pessoas, à pedagogia colonial.

A comunicação é um dos maiores problemas que encontra o Brasil para constituição de um Estado Nacional Brasileiro. Há verdadeiro monopólio privado da comunicação, dirigido por testa de ferro de capitais alienígenas e da sua religião neopentecostal.

Identificar o poder que suporta ou sustenta um governo, uma elite dirigente, é, por conseguinte, o primeiro e mais importante elemento para constituição do Estado Nacional. E, em seguida, saber organizar este poder ou combatê-lo, conforme a perspectiva do Estado Nacional.

A cultura a servir de base para construção deste Estado será fundamental para sua duração, como vimos com Roma clássica.

Há também ideologias que lutam para a fragmentação da sociedade, para a inexistência do Estado Nacional ou para a sua ineficácia, improdutividade e inadequação das suas ações, com o objetivo mal dissimulado de manufaturar consensos acerca da necessidade de transferir o exercício da política para uma tecnocracia financista. São as formadoras das colônias, dos estados coloniais, que retiram a soberania das sociedades.

Vejamos três condições de poder.

O Estado pode ser autoritário, todo poderoso, que impõe e obriga comportamentos e ações. Alguns o chamam do Estado Leviatã, na alusão à obra de Thomas Hobbes (1588-1679), matemático e filósofo inglês, para quem os homens só poderiam viver em paz se concordassem em se submeter ao poder absoluto e centralizado de um Estado.

Há o Estado iluminista, oriundo da Revolução Francesa, com o jargão da liberdade, igualdade e fraternidade, mas, objetivamente, se desmembrou em poderes que, gradualmente, vêm se firmando em questões formais do direito, constituindo um Estado que até mesmo juristas denominam Têmis, deusa grega guardiã da lei.

Porém quer o Estado Leviatã, quer o Estado Têmis são estados, ao fim e a cabo, de poder oligárquico, ou seja, de poucos, de parcela não significativa da sociedade integral.

Buscamos um Estado Solidário, Participativo, que para manter a alusão grega clássica, denominamos Estado Anteros. Anteros, irmão de Eros, filho de Afrodite e Ares, é um dos dois deuses com asas. Ele simboliza o amor correspondido, a solidariedade e a comunicação dos sentimentos e das razões.

O Estado Anteros será, por conseguinte, o Estado Solidário, da Comunicação Verdadeira, onde as pessoas se unirão pelo bem comum. Pode ser exemplificado pelos Estados Sociais do século 20, moldados por diferentes influências, desde o positivismo e o socialismo até o liberalismo social e mesmo o fascismo, conforme as idiossincrasias nacionais. O oposto dos estados coloniais e da doutrinação pela pedagogia colonial, pois, nesse caso, o Estado atende a interesses outros que não os do povo, que constitui a essência humana da nacionalidade.

Porém devemos ter em mente que a sociedade humana é composta de muitas e diversificadas culturas que levam Estados Nacionais a seguirem seus próprios e distintos caminhos. Um Estado Anteros não pode agir internamente igual ao comportamento no universo dos Estados, nas relações com os demais.

É indispensável estar preparado para se defender, para não se deixar dominar, quer pela força das armas, da destruição física, quer pela das ideias, aquela da destruição mental.

Shmuel Noch Eisenstadt, pensador polonês, no artigo “O Modelo Civilizacional e a Experiência Histórica da China” (em Eisenstadt, A Dinâmica das Civilizações, coletânea organizada por Jorge Miguel Pedreira, Pedro Tavares de Almeida e Rui Santos para Edição Cosmos, Lisboa, 1991) transcreve do cientista político estadunidense Benjamin Isadore Schwartz (1916-1999):

“Nos Analectos encontra-se uma considerável valorização da relação dos homens com o ‘céu’, que não é tratado simplesmente como o ‘tao’ imanente da natureza e da sociedade, mas como uma vontade transcendente interessada na missão de redenção (da sociedade e, consequentemente, do homem, o ‘ren’)”.

Ao que Eisenstadt comenta que a construção da China, a mais antiga estrutura de Estado construída durante os últimos mil anos antes de Cristo, constituiu “uma rede organizacionalmente frouxa, mas relativamente coesa, de grupos e de indivíduos que partilhavam um substrato cultural e uma orientação político-cultural comuns”. Este “enquadramento” (Eisenstadt) vinha dos ensinamentos e rituais confucianistas, ou seja, da teoria e da estrutura de administração que lhe dará efetividade.

Vê-se, portanto, que a teoria de poder, por si só, não subsiste ao tempo, por melhor elaborada que seja, até porque a definição de “melhor” varia conforme as circunstâncias. Hoje os poderes vigentes desconstroem na ação as ideias de Montesquieu, Rousseau, tanto quanto de Locke, Hobbes, Tomás de Aquino e tantos outros pensadores políticos que teorizaram acerca do bem comum.

A administração, ou seja, as estruturas dos Estados até se dissolvem diante da dominação neoliberal do “mercado”, uma entidade quase mística na qual o interesse privado dos controladores de capitais aparece camuflado de interesse geral, como se toda a sociedade devesse convergir para a finalidade última de lucro e acumulação de poder e riquezas.

Tão importante quanto estabelecer as condições teóricas para o Estado Nacional Brasileiro será apresentar as condições organizacionais para a construção deste Estado Nacional. A base já foi apresentada em artigo anterior: a aprofundada investigação da cultura brasileira.

Concluímos, mais uma vez, com o mestre Hermes Lima (Introdução à Ciência do Direito, 1933) quando comenta o direito administrativo e o constitucional, ou seja, as normas de organização e relacionamento da sociedade:

“Define-se Direito Administrativo como o sistema de princípios jurídicos que regulam a atividade específica do Estado para a realização dos seus fins. No Direito administrativo estão as normas que regulam, de modo especial, a função administrativa do Estado, a organização do trabalho que incumbe às autoridades governamentais e a competência dos funcionários.”

“O Direito constitucional fornece as bases da organização, o administrativo a marcha da organização”, o “tao” de Confúcio, ou seja, tem seu dinamismo próprio que acompanha a dinâmica da sociedade.

Felipe Maruf Quintas é cientista político.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

Fonte: Monitor Mercantil

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