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Pedro Augusto Pinho
Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e Consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).

Tecnologia do século 21, vida do século 19 – Poder da banca – Liberdade

Reflexão crítica sobre a influência chinesa e as democracias ocidentais, explorando diferenças filosóficas e culturais.

Publicado em 18/10/2023
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A banca fez retroceder os países, especialmente os da Europa e Américas, à situação colonial, onde as autonomias passaram dos povos para o capital financeiro. A questão nacional, que impulsionara o progresso ao longo dos séculos 19 e 20, foi substituída por questões identitárias. A política, que caracterizava as diferenças partidárias, passou a ser objeto de campanhas das Organizações não Governamentais (ONGs), afastando o interesse comum, a “coisa pública”, elemento fundamental das governanças, para ações privadas, objetivos de “mercado”.

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Com domínio das comunicações, as finanças passaram a construir uma nova história, uma nova realidade, fazendo real a ficção do escritor britânico nascido na Índia, Eric Arthur Blair (1903-1950), conhecido pelo pseudônimo George Orwell, no “1984”, romance distópico editado em 1949.

O Ministério da Verdade – ou Miniver, em Novilíngua – era completamente diferente de qualquer outro objeto visível. Era uma enorme pirâmide de alvíssimo cimento branco, erguendo-se, terraço sobre terraço, trezentos metros sobre o solo. De onde estava, Wilson conseguia ler, em letras elegantes colocadas na fachada, os três lemas do Partido: Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força.

O pensamento ocidental nasce nos espaços geográficos da Ásia Menor, aquelas ilhas e porções continentais que têm limites no Mar Negro, Mar Mediterrâneo e Mar Vermelho. E se caracterizam pelas oposições, frio-quente, leve-pesado, sim-não, ou pela submissão humana às divindades, ainda que não sejam sempre excludentes.

Liberdade não se confunde com a iniciativa econômica dos liberais dos séculos 17 e 18, nem com o direito natural do homem: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-las” (Voltaire).

Para Pitágoras (580 a.C.), liberdade envolve um aspecto cognitivo e outro comportamental, individualista e social: o saber e o autocontrole. “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”.

Curioso é observar que o “pai da dialética”, Heráclito (500 a.C.), para quem o mundo é um constante devir, cheio de mudanças e surpresas, está próximo do pensamento do “dogons”, povo desde priscas eras da região do rio Níger, no Mali, que simbolizava a origem da vida à semente no Universo, que solta de seu envoltório cresce e reproduz num movimento permanente, sem limite, como descrevem Nei Lopes e Luiz Antonio Simas (“Filosofias Africanas”, Civilização Brasileira, RJ, 2020).

Como se pode esperar, a lógica de Aristóteles (380 a.C.), que tão profundamente influenciou o pensamento ocidental, não tem identidade com a de seu contemporâneo Gong Sun Long (325 a.C.). Se na do grego, a definição é excludente, na do chinês é inclusiva, um objeto, um ente é um todo que inclui as partes. Nos princípios centrais da lógica aristotélica está a lei do terceiro excluído: qualquer afirmação da forma A ou não-A é verdadeira.

Os três grandes pensadores chineses que, ainda hoje, no governo do partido que se declara comunista, marxista, influenciam o comportamento da sociedade, têm a identidade não teísta: Lao Tse (Lao Zi, 571 a.C.), Confúcio (Kong Fu Zi, 550 a.C.) e seu herdeiro espiritual Mêncio (Meng Zi, 372 a.C.).

Existe, na história do pensamento chinês, passagem interessante mediando, no ocidente, o surgimento do cristianismo. Entre a decomposição do feudalismo e a nova centralização, houve o período em que os intelectuais (shi) gozaram de relativa liberdade, sem precedente nem repetição na China até o século 20. Na história europeia, a principal sociedade se estruturou diferentemente, entre a República e o fim do Império Romano, época na qual ocorreu esta autonomia shi. O trabalho era escravo, e todo lucro ia para os proprietários de terra e os comerciantes.

Os letrados, na administração dos impérios chineses, só tiveram papel que nos ocorre vagamente semelhante na Rússia, ao tempo de Catarina 2ª, cercada de intelectuais do iluminismo da Europa Ocidental.

O conceito de liberdade, ao longo da história ocidental, vem sendo desconstruído pela religião, pelo estado, pela economia, a ponto de, no século 21, ter perdido significado para o próprio ser humano e a sua sociedade.

Detalhe-se. A sociedade ocidental hodierna é colonizada. Ainda nos referimos, principalmente os latino-americanos, aos Estados Unidos da América (EUA) como potência colonial, colonizadora. No entanto, se observarmos as ações governamentais estadunidenses, logo perceberemos que não beneficiam o país, e menos ainda seus habitantes. Tudo se faz para a concentração da riqueza e dos bens na banca e para o poder universal dos capitais apátridas. País escravo, povo escravo.

E se esta situação é vigente no mais rico e bem armado país, imagine o que ocorre com as decadentes potências coloniais: Reino Unido, França, Países Baixos, Bélgica, Espanha, etc.

“A economia alemã deve encolher 0,4% em 2023, segundo estimativa da Comissão Europeia”, noticia Deutsche Welle em 23/09/2023. Recorde que a Unificação Europeia, segundo a geógrafa, pesquisadora, professora Teresinha de Castro (1930-2000), em palestra na Escola Superior de Guerra e encontrado em seus numerosos escritos, “foi o triunfo alemão sobre a Europa, perseguido desde Bismark”. Um valor mais alto, da banca, levantou-se e levou a Alemanha a conhecer outra derrota.

EUA e Europa Ocidental, que tanto fizeram para o domínio financeiro, pagam com retrocesso econômico, industrial, tecnológico, desemprego, miséria, greves, arruaças, depredações, pilhagens a situação colonizada à qual as finanças os levaram.

Sem soberania não há democracia, sem democracia não há liberdade

O “tao” é o caminho e o título do livro (Tao Te Jing) de Lao Tse (Lao Zi). Não é uma explosão, uma disputa, mas a elaboração diuturna, onde som e voz se harmonizam, mostrando que a construção humana se faz com a virtude, sem malícia ou vulgaridade.

Observe o prezado leitor, quão diferente é a doutrinação para competitividade, para os heróis, o individualismo antagônico ao invés da orientação fraterna, a união para construir, da fábrica à sociedade, onde se vai viver.

Há muito mais escravidão, desumanidade, quando se impõe a unicidade, a unipolaridade, o fim da história, a globalização. Retira-se inquestionavelmente a democracia, a liberdade.

Duas questões são basilares no pensamento chinês: o caminho (tao) que ensina a perseverança, a dedicação, a vida com os demais, e a virtude (te), que é própria de cada um.

“Mais vale preservar a virtude, manter seu organismo em equilíbrio, cultivar o espírito puro, preservando a energia vital, do que esgotar, falando muito e rápido, esgotando o fôlego” (do Tao Te Jing).

É vergonhoso fazer do salário seu único objetivo, indiferente quanto a se o Caminho prevalece no reino ou não (Os Analectos)

“O que distingue o homem do animal é quase nada. As pessoas comuns fazem pouco caso dele, o homem de bem é o único a preservá-lo” (de Mengzi).

Nestas três citações, respectivamente de Lao Tse, Confúcio e Mêncio, observamos: o cuidado do ser humano (corpo e mente, saúde e comportamento), o nacionalismo (não há desenvolvimento fora da Nação) e a questão ambiental (o homem preserva onde vive). Estas questões, nas manipulações da banca, só servem para iludir as pessoas, que não adotam qualquer medida para que possam efetivamente serem implantadas, existirem, mas constituem mantras midiáticos.

A República Popular da China (China) surge como farol no conturbado século 21.

Com três décadas no poder, o que temos da banca? Os falsos dilemas (guerra ao terror pós 11 de setembro, invasão Russa na Ucrânia, falácias das questões climáticas e ambientais, movimentos identitários: femininos, sexuais, étnicos). As guerras, que, apenas nestes últimos 23 anos, atingem e despedaçam a Iugoslávia, destroem o Iraque, Serra Leoa, Timor Leste, Iêmen, Afeganistão, Filipinas, Costa do Marfim, Libéria, Haiti, Kosovo, Líbia, República Centro Africana, Somália, Níger, Jordânia, Burundi, Sudão, Uganda, República Democrática do Congo, Polônia, Ucrânia e Nagorno-Karabakh (ou Alto Carabaque). Vinte e três anos, vinte e três países em conflito.

As governanças são específicas, podem ter pontos em comum, traduzirem alguma filosofia específica, mas dependem das relações que os seres humanos estabeleceram entre si e com o meio onde se desenvolveu sua civilização, ao longo do tempo. Chamaremos este conjunto de vivências e saberes de cultura, que diferencia os povos.

Os chineses viveram muitos séculos de aflições, de dominações, sujeições a culturas que nada tinham de identidade com a dos que habitavam o espaço geográfico que vai da Sibéria à linha do Equador, das margens do Oceano Pacífico ao coração do Continente Euroasiático, com altas montanhas e planaltos, férteis pradarias e desertos, enrugamentos himalaios e a península indochinesa, nos 9.596.961 km², que a faz ser o terceiro mais extenso país do mundo.

Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), a China é o segundo mais populoso entre os países, com 1 bilhão e 425 milhões de habitantes, sendo a etnia han amplamente majoritária, representando 91,5% da população total, estando entre as demais os zhuang (16 milhões), manchu (10 milhões), hui (9 milhões), miao (8 milhões), uigur (7 milhões), yi (7 milhões), mongol (5 milhões), tibetano (5 milhões), buyi (3 milhões) e coreano (2 milhões) (brasilescola.uol.com.br/geografia/aspectos-humanos-china.htm).

Os han constituem também 95% da população (23,4 milhões) da ilha de Taiwan.

Administrativamente, a China está dividida em 22 províncias: Anhui, Ainão, Cantão, Chequião, Chingai, Fuquiém, Gansu, Guizhou, Hebe, Hei Long Jiang, Honã, Hubei, Hunan, Jiangsu, Jiangxi, Jilin, Liaoning, Sujuão, Xantum, Xanxim, Xianxim, Iunã; cinco regiões autônomas: Quancim, Mongólia Interior, Ninxiá, Sinquião e Tibete; quatro cidades administradas diretamente pelo governo central: Xunquim, Pequim, Tianjin e Xangai e duas regiões administrativas especiais: Hong Kong e Macau.

“O Sonho Chinês” é um capítulo do livro bilíngue “Palavras-chave para conhecer a China A Governança da China” (New World Press, FGV Editora, RJ, 2019), que assim principia:

“O ‘sonho chinês’ foi proposto pela primeira vez por Xi Jinping, em 29/09/2012, no discurso proferido durante sua visita à exposição ‘O Caminho para a Revitalização’. Ele assinalou que concretizar a grande revitalização da nação chinesa constitui o maior sonho da nação desde o início da época moderna. Este sonho encarna os desejos de gerações de chineses, demonstra os interesses gerais da nação chinesa e do povo chinês e representa a esperança comum de todos os filhos da nação”.

Para o Ocidente, o comunismo se apresenta como uma heresia, um combate dos homens contra o(s) deus(es). Não enxergam a escravidão que existe na sujeição dos homens, seja a outro homem, seja a uma divindade, seja a um sistema econômico.

Não viram, por conseguinte, a imensa diferença do discurso de Lenin, em abril de 1917, e as mensagens de Mao Tse Tung, na primavera de 1958. Quantos eram os camponeses, os trabalhadores ou mesmo os pequenos produtores rurais na Rússia Czarista? A quem Mao se dirigia ao dizer: vencemos quando transformamos a propriedade. Se Lenin falava para menos de 100 milhões, pois as condições tecnológicas precárias não levavam muito longe suas palavras, Mao se dirigia a um povo de tradição agrária, majoritariamente camponês, cerca de meio bilhão de pessoas.

Seria expressão da democracia o comparecimento periódico a uma junta eleitoral para depositar seu voto em quem não conhece, nem no presente o que dirá do passado, sua formação e sucessos e insucessos, se verdadeiros ou midiaticamente construídos? E voltar após quatro ou cinco anos para repetir o ritual, nem mais lembrando a quem deu seu voto na vez anterior? Qual a liberdade, se os candidatos são os escolhidos por terceiros e por imperscrutáveis desígnios?

A China tem no partido o construtor da Nação, este partido tem o maior e melhor órgão de recrutamento, seleção e treinamento do mundo, de fazer inveja ao que as empresas, em todo mundo conseguiram de melhor, basta dizer que são cerca de 100 milhões os que passaram por suas mãos e estão em atividade neste 2023.

E mais, há o sistema de triagem democrática, ou seja, pela escolha do povo e seus representantes, que só os mais capazes, com experiência comprovada, que sempre é superior a 30 anos de trabalho, atingem o órgão máximo, o Comitê Central, de 300 lugares. Destes, sete membros formam o Comitê Permanente para condução do País.

Anualmente o Departamento de Organização do PCCh sofre auditagem e análise de desempenho. Há sempre algo a mudar. E vem sendo efetivamente alterado desde 1949. O melhor exemplo está na expectativa de vida, que era de 41 anos e, hoje, se aproxima de 79 anos, ou seja, quase dobrou em 74 anos. O Financial Times realizou pesquisa recente sobre “como a juventude via seu futuro?”, 93% responderam: melhor.

A China é hoje o melhor exemplo de democracia e liberdade. E pode, no último Congresso do Partido, definir que não seria mais o crescimento econômico, mas a distribuição de renda e o desenvolvimento tecnológico os seus maiores objetivos. A desinformação da mídia ocidental divulgou que a China deixara de crescer e fez desabar as bolsas ocidentais, já fracas pelos resultados das sanções de guerra e gastos bélicos na Europa e nos EUA.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, é atual presidente da AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás.

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