Amazônia Azul é a próxima Groenlândia?

Brasil quer submarino nuclear para dissuasão, diz analista

Publicado em 04/04/2025
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Orçamento de Defesa do Brasil para 2025 não é má notícia para o Ministério da Defesa, mas pode atrasar entrega do submarino nuclear brasileiro. Frente a um ambiente internacional turbulento, especialistas questionam se uma frota de submarinos convencionais não aceleraria a dissuasão brasileira.

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse nesta quarta-feira (2) que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionará o orçamento brasileiro para 2025 até a sexta-feira (11) da semana que vem, reportou o Portal 360.

A peça orçamentária aloca cerca de R$ 136,34 milhões para o Ministério da Defesa, o que representa estabilidade após os cerca de 38% de aumento em 2024. De acordo com o portal Metrópole, o ministro da Defesa José Múcio considera o valor insuficiente, mas reconhece o tratamento diferenciado que o seu ministério recebe em meio ao contexto de arrocho fiscal.

O orçamento da Defesa para 2025 é o quinto maior da Esplanada e inclui gastos com pessoal, custeio e investimentos. O valor fica muito aquém daqueles investidos pelas principais potências militares, segundo dados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. O valor a ser investido pelos EUA em 2025 atingirá R$ 5,4 trilhões, enquanto China desembolsará R$ 1,3 trilhão e Rússia alocará cerca de R$ 818 bilhões.

De acordo com especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, o orçamento proposto não será o suficiente para avançar um dos principais programas estratégicos das Forças Armadas brasileiras: a construção do submarino de propulsão nuclear Almirante Álvaro Alberto.

O orçamento anual para o programa PROSUB, que inclui a construção de submarinos convencionais e nuclear, está estimado em cerca de R$ 2 bilhões. Com esse ritmo, a entrega do submarino nuclear ficaria para 2040, reportou o portal Poder Naval.

Os recursos disponíveis para os submarinos brasileiros flutuaram bastante de 2008 para cá, quando o projeto foi lançado, disse a doutora em Estudos Estratégicos Internacionais e especialista em política nuclear Michelly Geraldo.

"O Brasil precisa garantir um fluxo contínuo de financiamento para esse projeto, o que atualmente não existe", disse Geraldo à Sputnik Brasil. "Projetos de defesa como esse deveriam ser iniciativas de Estado, e não de governo. Só assim poderíamos superar as constantes descontinuidades que os programas nuclear e do submarino sofrem."

O mestre em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Rafael Laginha não acredita que o prazo de 2040 seja exequível.

"Acho esse prazo apertado, se considerarmos as restrições orçamentárias", disse Laginha. "O PROSUB já entregou quatro submarinos convencionais e nos elevou de um patamar no qual só construíamos, para um no qual projetamos submarinos. Então já temos ganhos. Mas, pela falta crônica de recursos, não acredito que 2040 seja um prazo factível."

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A construção de um submarino de propulsão nuclear implica a superação de vários desafios tecnológicos. Uma vez superados, o submarino Álvaro Alberto colocará o Brasil em um seleto grupo de países com domínio de tecnologias nucleares aplicadas ao setor naval.

"Nós já superamos vários desafios: já sabemos construir cascos resistentes para a altas profundidades, já temos o ciclo completo do combustível nuclear [desde a mineração, passando pelo enriquecimento de urânio até a produção de pastilhas] e temos o complexo naval de Itaguaí, que garante infraestrutura para construir o submarino", explicou Geraldo.

A Marinha brasileira, no entanto, ainda trabalha para realizar tarefas essenciais para a construção do submarino nuclear, entre elas a de produzir um reator nuclear pequeno o suficiente para ser embarcado.
"Precisamos dominar a miniaturização e integração do reator, que seja compacto o suficiente para operar dentro de um submarino. E fazer isso tudo com segurança, controlando as reações nucleares – o que é algo novo para o Brasil", considerou Geraldo.

Essas dificuldades, no entanto, são positivas, já que demandam a qualificação de quadros e desenvolvimento da capacidade industrial brasileira, tanto no setor de defesa, quanto no setor civil nuclear, acredita a especialista.

Por outro lado, o mestre em Estudos Estratégicos Laginha questiona os benefícios de o Brasil produzir somente um submarino nuclear, e não uma frota completa. Caso o país não tenha orçamentos para construir mais de um submarino nuclear, o especialista preferiria ver mais investimentos em submarinos convencionais.

"Reconheço o ineditismo do projeto do submarino nuclear, a capacidade de contribuição tecnológica para o Brasil, o trabalho corajoso da Marinha, o salto tecnológico atingido com as nossas centrífugas [de enriquecimento de urânio], mas, do ponto de vista operacional, não sei se o submarino nuclear conseguirá cumprir a sua função, que é a de patrulhar as águas jurisdicionais brasileiras", questionou Laginho.

Segundo ele, com parcos recursos, o Brasil terá dificuldades de realizar a manutenção do submarino nuclear em prazos adequados. Além disso, durante os períodos de substituição do combustível nuclear, o submarino poderá ficar parado por mais de um ano.

"Se durante o período de troca de combustível o submarino ficar parado por período prolongado, isso vai ferir a famosa 'regra três' da estratégia naval: um submarino patrulha, o outro fica no porto para adestramento da tripulação e o terceiro em manutenção", explicou Laginha. "Por isso não acredito que ter somente um submarino nuclear será relevante."

Segundo ele, "durante os períodos de indisponibilidade do submarino nuclear, esse alto investimento de recursos não vai se justificar. Porque teremos um, mas ao mesmo tempo não teremos nenhum".

Por outro lado, os submarinos movidos à propulsão nuclear têm vantagens significativas em relação aos convencionais, como a capacidade de navegar em águas mais profundas, por mais tempo, com menos ruído e sem a necessidade de emergir para reabastecer – o que diminui a possibilidade de ser detectado pelo inimigo.

"Na minha opinião, os submarinos nucleares e convencionais são complementares, e não excludentes", disse o pesquisador do Núcleo Avançado de Avaliação de Conjuntura da Escola de Guerra Naval (ESG) Pérsio Glória de Paula à Sputnik Brasil. "O submarino nuclear pode realizar operações de longo prazo em águas distantes e profundas, o que é um componente essencial para ampliar a capacidade de dissuasão do Brasil."

Glória de Paula lembra que o Atlântico Sul abarca 95% das reservas de petróleo do país e transporta 95% de seu comércio exterior, fonte indispensável de renda para a economia brasileira.

"Precisamos proteger esses recursos nacionais e dissuadir potências estrangeiras que possam cobiçá-las", notou Glória de Paula. "É necessário levar o aspecto geoestratégico em consideração, ainda mais nesse cenário de renovadas tensões internacionais, no qual líderes de países importantes aventam a possibilidade de anexar territórios, como a Groenlândia."

Segundo Glória de Paula, "ainda que o Brasil não esteja envolvido em litígios internacionais, a adição das capacidades de negação do uso do mar e dissuasão de um submarino nuclear são imperativos estratégicos."

"O submarino nuclear vai proteger não só a Amazônia Azul, mas pode também restringir a capacidade de potenciais adversários de realizarem operações contra o solo no interior do Brasil, a partir do mar. E ele seria um marco da soberania nacional e aumentaria significativamente nas capacidades de dissuasão e projeção de poder do país", concluiu o especialista.

Fonte(s) / Referência(s):

Jornalismo AEPET
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