Síria resiste e denuncia a hipocrisia do Ocidente: entrevista com a embaixadora Rania Al Haj Ali
Jornalista Valter Xéu visita Embaixada da Síria em Brasília e conversa sobre a Política Externa dos EUA e situação no Oriente Médio com embaixadora Rania Al Haj Ali.
Na tarde de quinta-feira (09/11), o jornalista Valter Xéu, editor do portal Pátria Latina, visitou a Embaixada da Síria em Brasília e conversou com a embaixadora, Rania Al Haj Ali, sobre a situação no Oriente Médio e a política externa dos Estados Unidos. A seguir, confira os principais trechos da entrevista:
Valter Xéu: A Síria vive um conflito que teve inicio há mais de uma década, que já causou milhares de mortes e milhões de refugiados. Como a senhora explica a origem desse conflito, e qual a posição do governo sírio diante dessa crise humanitária e política?
Rania Al Haj Ali: Esse conflito não é algo isolado ou recente. Ele é resultado de uma série de fatores que estão relacionados com a natureza do sistema internacional liderado pelos Estados Unidos. Esse sistema é baseado na imposição de seus próprios interesses, em detrimento dos países em desenvolvimento e do hemisfério sul. Nós não nos surpreendemos com o que aconteceu, pois era esperado como uma das consequências das mudanças que ocorrem nesse sistema mundial unipolar, que está em declínio. O governo sírio vê esse conflito como uma agressão externa, que visa desestabilizar o nosso país e impor uma mudança de regime. Nós rejeitamos qualquer ingerência estrangeira nos nossos assuntos internos, e defendemos o nosso direito à autodeterminação e à soberania. Nós também estamos comprometidos com uma solução política e pacífica para a crise, baseada no diálogo nacional e no respeito à vontade do povo sírio.
VX: Quais são os interesses e as estratégias dos Estados Unidos e seus aliados na região árabe, que é palco de diversos conflitos e tensões?
Rania: A região árabe tem uma grande importância histórica, cultural e geopolítica, além de ser rica em recursos naturais, como o petróleo e o gás. Os Estados Unidos e seus aliados buscam dominar essa região, para garantir seus interesses econômicos e políticos, violando os direitos humanos e o direito internacional. Para isso, eles usam de vários meios, como o apoio a regimes autoritários e corruptos, o fomento de divisões internas, religiosas e étnicas, o patrocínio de grupos terroristas, a ingerência nos assuntos internos, o bloqueio econômico e as sanções, e até mesmo a intervenção militar direta ou indireta. Essas ações provocam uma escalada do conflito na região e criam uma instabilidade e uma insegurança. Isso faz com que os povos dos países da região, especialmente os sírios, libaneses, palestinos e outros, tenham que lutar contra esse imperialismo e esse racismo, e defender sua soberania, sua dignidade e seus direitos.
VX: Quais são os desafios e as estratégias da Síria para enfrentar essa agressão externa, que usa de pretextos como a defesa dos direitos humanos, a democracia e a liberdade, para tentar dominar o Oriente Médio?
Rania: Nós estamos enfrentando uma guerra injusta e ilegal, que é imposta pelos Estados Unidos e seus aliados, que têm interesses geopolíticos e econômicos na nossa região. Eles usam de desculpas falsas e hipócritas, como a defesa dos direitos humanos, a democracia e a liberdade, para tentar justificar a sua ingerência nos nossos assuntos internos, a sua violação da nossa soberania, e a sua tentativa de mudar o nosso regime. Nós sabemos que os conflitos que vivemos são de origem externa, criados pelas potências que querem controlar o Oriente Médio e seus recursos. Essas potências são as principais violadoras dos direitos humanos, tanto no seu território como no exterior, e não têm moral para falar sobre esse assunto. Nós estamos vivendo em um mundo injusto, onde há dois pesos e duas medidas, e onde a política ocidental é dominada pelos Estados Unidos e por Israel, que são os países mais terroristas do mundo. A nossa estratégia é resistir a essa agressão, defender a nossa pátria, o nosso povo e a nossa dignidade, e buscar uma solução política e pacífica para a crise, baseada no respeito ao direito internacional e à vontade do povo sírio. Nós também contamos com o apoio dos nossos amigos e aliados, que nos ajudam a enfrentar essa guerra e a reconstruir o nosso país.
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VX: A senhora poderia dar um exemplo dessa hipocrisia?
Rania: Claro. Eles chamam o Hamas de terrorista, mas todo dia, Israel mata crianças, mulheres, bombardeia hospitais, escolas, mesquitas, quando os palestinos estão defendendo as suas terras.
VX: E como descrever o que aconteceu recentemente na Palestina, com a ofensiva de Israel contra Gaza e a resistência do povo palestino?
Rania: O que aconteceu foi a face verdadeira dessa força de ocupação israelense, que já matava os palestinos há décadas, mas que agora mostrou ao mundo sua brutalidade e sua ilegalidade. Eles não conseguiram esconder isso da mídia. As manifestações que aconteceram em todo o mundo são uma prova de que eles foram desmascarados. Hoje o mundo não vê mais o exército de Israel como invencível. Nós o chamamos de “leopardo de papel”. Eles também ficam promovendo seus produtos bélicos, como o “Domo de Ferro”, e foi comprovado que é tudo falso. Agora acredito que os parceiros de Israel foram enganados e roubados.
VX: A senhora acha que há uma diferença entre o direito de resistir à ocupação e o terrorismo?
Rania: Sim, claro. Nós apoiamos 100% o direito dos palestinos de combater a ocupação. É um fato legal, garantido nas leis internacionais. Ilegal é o terrorismo, que é promovido por Israel e seus apoiadores, que usam de violência, intimidação e mentiras para atingir seus objetivos políticos. Quem promove o terrorismo é Israel e seus aliados, que financiam, armam e treinam grupos extremistas que atuam na Síria e em outros países da região.
VX: Como está a situação atual da Síria, que está vivendo no meio do conflito e com forças estrangeiras ocupando seu território?
Rania: A Síria resiste, está forte com seu povo, seu exército e sua liderança, o presidente Bashar al-Assad. Ele foi acusado pelos Estados Unidos e seus aliados de assassinar seu próprio povo. Isso não tem lógica. O presidente da Síria tem o apoio de seu povo. O tempo mostrou que ele estava certo e tinha uma visão de sua gestão. A Síria enfrentou e está enfrentando o roubo de seus recursos naturais, como o petróleo e o trigo, e a imposição de sanções e bloqueio econômico injusto por parte dos Estados Unidos e seus aliados. Isso se refletiu em uma situação econômica difícil, que afetou a moeda nacional, a produção econômica, a segurança alimentar e a capacidade do cidadão comum de cobrir seu custo de vida diário. O governo está tentando manter os serviços de saúde e educação, que são semigratuitos, mas que foram afetados pelo terrorismo, que destruiu 50% das infraestruturas nessas áreas. O patrimônio histórico e cultural da Síria também foi destruído e roubado pelos terroristas. Todos os setores da vida na Síria foram afetados pelo terrorismo, pela pilhagem e pelo embargo, e o objetivo do bloqueio é impedir a reconstrução do país e levar a população a um nível tal de pobreza que gere a desestabilização do país. A resistência até agora é graças à força do povo, que não se deixou enganar pela chamada Primavera Árabe, que foi um projeto de mudança de regime imposto pelos Estados Unidos e seus aliados.
VX: Como a senhora vê o papel dos países amigos da Síria, como o Irã, a Rússia, a China e outros, na defesa da soberania e da integridade territorial da Síria?
Rania: Nós somos muito gratos aos nossos amigos, que nos apoiaram em todos os níveis, político, militar, econômico e humanitário. Eles respeitaram o direito internacional e a vontade do povo sírio, e não interferiram nos nossos assuntos internos. Eles nos ajudaram a combater o terrorismo e a defender a nossa pátria. Eles também nos ajudaram a enfrentar o bloqueio e as sanções, e a reconstruir o que foi destruído. Eles são parceiros estratégicos e históricos da Síria, e nós valorizamos muito essa cooperação e amizade.
VX: Qual é a sua mensagem para o povo brasileiro, que também sofre com a ingerência e a agressão dos Estados Unidos e seus aliados?
Rania: A minha mensagem é de solidariedade e de esperança. Nós sabemos que o povo brasileiro é um povo lutador, que defende a sua soberania, a sua democracia e os seus direitos sociais. Nós sabemos que o povo brasileiro é um povo amigo da Síria, que conhece a nossa história, a nossa cultura e a nossa causa. Nós sabemos que o povo brasileiro é um povo que ama a paz, a justiça e a liberdade. Nós pedimos que o povo brasileiro continue apoiando a Síria, que continue denunciando as mentiras e as manipulações da mídia ocidental, que continue exigindo o fim do bloqueio e das sanções, que continue defendendo o direito internacional e a Carta das Nações Unidas. Nós pedimos que o povo brasileiro se una aos povos do Sul, que se una aos povos da América Latina, da África, da Ásia, que se una aos povos que resistem ao imperialismo norte-americano. Nós pedimos que o povo brasileiro se inspire na resistência do povo sírio, que não se rendeu, que não se vendeu, que não se submeteu. Nós pedimos que o povo brasileiro se lembre que nós somos irmãos na luta pela dignidade e pela independência.
VX: Qual é a sua expectativa para o futuro da Síria, depois de tantos anos de guerra e de sofrimento?
Rania: A minha expectativa é de que a Síria vença essa guerra, que recupere toda a sua terra, que reconstrua o que foi destruído, que cure as feridas do seu povo, que restaure a sua estabilidade e a sua prosperidade, que continue sendo um exemplo de resistência, de diversidade, de tolerância, de cultura e de civilização. A minha expectativa é de que a Síria continue sendo um país soberano, independente, orgulhoso e digno, que não se dobra aos interesses estrangeiros, que não se rende aos inimigos, que não se vende aos traidores. A minha expectativa é de que a Síria continue sendo a Síria, a terra da paz, da luz e da esperança. Eles não passarão! Viva a Síria! Viva a amizade entre a Síria e o Brasil!
*Colaborou Paula Morena da redação do Pátria Latina
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