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Exportação de petróleo cru do pré-sal causa frustração

Com participação de Felipe Coutinho, vice da AEPET, debate sobre os 15 anos do pré-sal repercute na imprensa

Publicado em 21/09/2023
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plataforma Petrobras
Foto: Envato

O setor de petróleo e gás natural, que representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) Industrial brasileiro, teve forte impacto no resultado da produção nacional no primeiro semestre deste ano. Neste período, a produção de óleo cresceu 9,7%, e a de gás natural aumentou 7,4% na comparação com igual semestre do ano passado. A exportação de petróleo também foi destaque.

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Com isso, as atividades de óleo e gás foram o carro-chefe do crescimento de 8,2% das Indústrias Extrativas em janeiro/junho deste ano, destaca o economista Cloviomar Cararine, do Dieese, com base em dados do PIB do IBGE.

As exportações de petróleo, com crescimento de 21,8% na comparação entre os dois semestres, contribuíram para o bom resultado do setor. Os volumes de petróleo exportados pelo Brasil atingiram o recorde de 1,47 milhão de barris por dia, em média, em janeiro/junho deste ano.

O país exportou 46% de todo o óleo que produziu, o que correspondeu a 3,226 milhões de barris diários, em média. A Petrobrás sozinha representou 39% (equivalente a 571 mil barris/dia, em média) do volume de petróleo comercializado no mercado internacional em janeiro/junho de 2023. O restante coube a outras petroleiras, nacionais e estrangeiras.

Apesar dos dados positivos, setores da sociedade brasileira expressam frustração quanto ao papel que o “ouro negro” teve no desenvolvimento nacional.

“Os resultados poderiam, sim, ter sido muito melhores”, disse o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Felipe Coutinho, à Sputnik Brasil. “Mas, na ocasião da descoberta, se projetou um potencial de desenvolvimento irrealista.”

A consultora da FGV Energia e diretora da Agência Nacional de Petróleo (ANP) entre 2012 e 2016, Magda Chambriard, concorda que as expectativas sobre as reservas foram superdimensionadas.

“A sociedade auferiu benefícios, ainda que não na velocidade que pretendeu”, disse Chambriard à Sputnik Brasil. “Temos que incluir nessa conta fatores como a crise econômica mundial e a queda no preço do petróleo durante esse período.”

O otimismo exacerbado quanto ao potencial das reservas se aliou à ideia equivocada de que a exportação de petróleo cru seria suficiente para o desenvolvimento de uma economia complexa como a brasileira.

“Não é possível desenvolver um país de dimensões continentais como o Brasil exportando uma matéria-prima como o petróleo cru, muito menos quando essa exportação é feita por multinacionais estrangeiras”, explicou o engenheiro e vice-presidente da Aepet.

Atualmente, o Brasil exporta volumes recordes de petróleo cru, que atingem os 1,5 milhão de barris diários, o equivalente a 45% da produção nacional. Cerca de 60% dessa exportação é realizada por empresas estrangeiras, com destaque para a britânica Shell.

Cresce a produção das refinarias nacionais

Cararine observa que o aumento na produção brasileira de petróleo deveu-se, principalmente , ao incremento da produtividade dos campos do pré-sal e à entrada em operação de novas plataformas no final do ano passado e no início deste ano, fruto dos investimentos realizados pela Petrobras entre 2010 e 2013.

Ele destaca ainda a contribuição do aumento do Fator de Utilização Total (FUT) das refinarias ao desempenho da indústria extrativa. “O aumento da produção nas refinarias tem influência no PIB. No primeiro semestre do ano, o crescimento do FUT foi ainda modesto, de apenas 0,03%, mas será bem maior no segundo semestre”, afirma.

O economista do Dieese lembra que a Petrobrás vem aumentando sua produção de combustíveis sucessivamente desde o início da nova gestão da empresa, no começo do ano. “As unidades de refino da Petrobras alcançaram em agosto o patamar de 97,3% de fator de utilização, o melhor resultado desde dezembro de 2014”, frisa Cararine.

Extraído pela primeira vez em setembro de 2008, o pré-sal já produziu mais de 5,5 bilhões de barris de petróleo e hoje responde por 78% da produção estatal do Brasil.

Para Coutinho, a exploração do pré-sal se assemelha aos demais ciclos econômicos coloniais da história do Brasil: apresenta uma fase de ascensão, seguida por apropriação da produção por número reduzido de pessoas ou empresas, levando à exaustão e redução da exploração do recurso primário.

“Assim como os ciclos que o Brasil experienciou no período colonial e pós-colonial, o ciclo da exploração do petróleo do pré-sal caminha para o mesmo destino, infelizmente”, disse o engenheiro.

EUA exigiu a retirada da Petrobrás como operadora única

O regime de exploração do pré-sal pensado na ocasião do seu descobrimento foi modificado, em função da pressão do capital internacional sobre o governo brasileiro. Uma das alterações mais significativas – e polêmicas – foi a retirada da Petrobras da condição de operadora única.

“Antes, os consórcios precisavam contar com a Petrobras como operadora única, com participação mínima de 30%. Isso dava para o Brasil a oportunidade de reter boa parte da renda petrolífera, porque a Petrobras poderia adotar políticas de conteúdo nacional e de contratação de bens e serviços no país”, explicou Coutinho.

Documentos divulgados pelo Wikileaks denunciam suposto conluio entre o então senador José Serra e autoridades norte-americanas no Brasil para mudar as regras da exploração do pré-sal, em detrimento dos interesses brasileiros.

Telegramas emitidos pelo Consulado dos EUA em São Paulo relatam o comprometimento de Serra com uma executiva da empresa norte-americana Chevron para alterar as regras de exploração de petróleo do pré-sal.

No período final do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015-2016), o então senador José Serra apresentou projeto para retirar a Petrobras do regime de operadora única, “atendendo aos interesses das multinacionais do petróleo, em especial aquelas sediadas nos EUA”, relatou Coutinho.

Apesar de ter condições de fazer oposição ao projeto, o governo cedeu e aprovou emenda na qual a Petrobras passava a gozar somente de regime “preferencial”.

“O próprio governo Dilma recuou da manutenção da Petrobras como operadora única. Se o governo da época tinha a intenção de ceder ao capital internacional para se manter no poder, a história mostrou que não foi o suficiente”, lamentou Coutinho.

Para Magda Chambriard, o papel da Petrobras em projetos complexos como o do pré-sal é fundamental, dado o alto nível de comprometimento da empresa com projetos sediados no Brasil.

“Acredito que as empresas estatais assumem mais riscos no Brasil do que as estrangeiras”, considerou Chambriard. “Para mim, o dilema não é entre operação exclusiva ou não exclusiva. Mas o que vejo são as estatais se comprometendo mais com seus países – e isso é uma realidade na atuação das empresas estatais no geral, não é um comportamento exclusivo da Petrobras.”

A retirada da Petrobras do regime de operadora única comprometeu a viabilidade da política de conteúdo local, que buscava garantir que as necessidades da exploração do pré-sal fossem atendidas por produtos e serviços oferecidos pela sociedade brasileira.

“Por outro lado, aprendemos que o pré-sal era grande demais para a indústria brasileira”, notou Chambriard. “A indústria pretendia fornecer, mas não atendia a demanda. Foi um bônus grande demais, que se transformou em um ônus para a indústria nacional.”

Os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022) aprofundam as contradições do modelo de exploração do pré-sal ao acelerar a exploração dos recursos, sem considerar o consumo nacional.

“Esses governos aceleraram a entrega das reservas do pré-sal ao capital estrangeiro, de maneira desproporcional à demanda brasileira, gerando esse gigantesco excedente de petróleo cru que está sendo exportado, em sua maior parte, por multinacionais”, lamentou Coutinho.

Correção de rumos para rever exportação de petróleo cru

Para o vice-presidente da Aepet, ainda há tempo de corrigir os rumos e retomar um modelo exploratório mais benéfico aos interesses nacionais.

“É necessário rever a política e ritmo exploratório do pré-sal e recolocar a Petrobrás como operadora única”, disse Coutinho.

Também é importante fazer a exploração na medida em que o Brasil possa consumir esse petróleo ou angariar valor a ele.

Para Coutinho, o governo atual não deve se abster do debate, alegando falta de vontade política no Congresso Nacional para conduzir mudanças.

“Se você assume que não há potencial político para recolocar a Petrobras, está capitulando. Uma liderança política deve mobilizar seus recursos e pautar o seu público em favor de projetos que considera benéficos para a sociedade, como esse”, notou o engenheiro.

Para ele, “a passividade é uma desculpa de quem está aceitando que o país continue nessa estrutura colonial. Essas pessoas estão dentre aquela diminuta parcela privilegiada da sociedade, que se comportam como administradores coloniais.”

Apesar do discurso em favor de mudanças na Petrobras e na exploração do pré-sal, o governo Lula ainda não modificou políticas dos governos anteriores, como o ritmo de distribuição de dividendos da Petrobras, tampouco reverteu a privatização de ativos importantes da empresa, como a BR Distribuidora.

“É muito fácil criticar durante a campanha. Na hora que você vai de fato enfrentar os interesses do capital estrangeiro e do imperialismo, a postura muda”, concluiu Coutinho.

Fonte(s) / Referência(s):

Jornalismo AEPET
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