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Geraldo Luís Lino
Geraldo Luís Lino

Transição energética e fusão nuclear

Substituição da grande maioria dos usos do petróleo, gás natural e carvão mineral, em um prazo previsível, é inviável em termos tecnológicos e econômicos

Publicado em 22/12/2023
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Apesar das manchetes retumbantes da grande mídia e dos sítios das ONGs ambientalistas, sobre a sinalização de um alegado limite ao uso dos combustíveis fósseis em sua declaração final, a recente conferência climática COP-28, em Dubai, Emirados Árabes Unidos, desfechou um choque de realidade nos defensores da “descarbonização” das matrizes energéticas e das economias em geral.

A realidade demonstrada é simples: a substituição da grande maioria dos usos do petróleo, gás natural e carvão mineral, em um prazo previsível, é inviável em termos tecnológicos e econômicos. Além disto, as fontes mais eficientes para substituí-los na geração elétrica não são as eólicas e solares, favoritas dos ambientalistas e de outros desinformados, mas as nucleares, tanto na forma convencional de fissão, como na promissora fusão nuclear.

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Em Dubai, a mera presença de mais de 2 mil representantes de empresas de petróleo e gás natural já seria suficiente para se notar o caráter pragmático e realista dos trabalhos. Dias antes, em um debate virtual com a ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, o presidente da conferência, Ahmed al-Jaber, não por acaso, CEO da petroleira estatal emirati ADNOC, fuzilou a sugestão de que a COP deveria sinalizar um abandono progressivo dos combustíveis fósseis: “Eu aceitei vir a esta reunião para ter uma conversa sóbria e madura. Não estou de forma alguma aderindo a nenhuma discussão alarmista. Não há nenhuma ciência por aí, ou nenhum cenário que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai atingir 1,5°C.”

Diante da repercussão negativa e das fortes pressões por alguma sinalização do gênero, al-Jaber contemporizou no texto final e inseriu nele uma menção a uma “transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de forma a atingir emissão líquida zero até 2050, em linha com a ciência”.

Por ironia, durante a conferência, em outra evidência de um renovado entusiasmo pelo setor, a agência Bloomberg revelou que, nos últimos dois anos e meio, grandes fundos de gestão de ativos engajados na agenda ESG (ambiental, social e governança), representando ativos de US$ 5 trilhões, aumentaram a sua exposição na indústria de petróleo e gás, revertendo uma tendência de “desinvestimentos” anterior à pandemia de Covid-19 e à guerra Rússia-Ucrânia.

Antes da conferência, em outubro, a Administração de Informações de Energia (EIA) dos EUA divulgou o seu relatório International Energy Outlook 2023 (IEO2023), o qual afirma sem rodeios que o consumo de combustíveis fósseis não deverá reduzir-se tão cedo: “As nossas projeções enfatizam uma visão global fundamental: as emissões globais de CO2 relacionadas à energia aumentarão até 2050 em todos os casos do IEO2023, exceto no nosso caso de Baixo Crescimento Econômico. As nossas projeções indicam que os recursos, a procura e os custos da tecnologia impulsionarão a mudança de fontes de energia fósseis para fontes de energia não-fósseis, mas as políticas atuais não são suficientes para diminuir as emissões globais do setor energético. Este resultado deve-se em grande medida ao crescimento populacional, às mudanças econômicas regionais no sentido de mais produção e ao aumento do consumo de energia, à medida que os padrões de vida melhoram. Globalmente, projetamos que os aumentos no consumo de energia superem as melhorias de eficiência.”

Na mesma tecla, bate um estudo do próprio Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), The Production Gap (A lacuna da produção), admitindo que, “em conjunto, os planos e projeções dos governos levariam a um aumento na produção global de carvão até 2030, e na produção global de petróleo e gás, pelo menos, até 2050”.

Apesar de o limite sugerido para o aumento de consumo de carvão mineral ser irrealisticamente próximo, a admissão de que a produção de hidrocarbonetos não deverá abater-se antes da metade do século indica que nem os tecnocratas ambientais das Nações Unidas acreditam que eles deixarão de ser usados em um futuro previsível.
Um ponto positivo da conferência foi o retorno da antes demonizada energia nuclear à lista de opções concretas para fontes de baixas emissões de carbono. O documento final sugere um empenho para triplicar a geração nuclear até 2050. No momento, há 60 reatores nucleares em construção em 14 países (21 deles na China), inclusive Bangladesh e a vizinha Argentina, que desenvolve um promissor desenho de reator modular (Small Modular Reactor), cujo protótipo deverá estar funcional em 2028.
Uma grata surpresa nas discussões foi a menção à fusão nuclear pelo enviado especial para o Clima da Presidência dos EUA, John Kerry, que anunciou a intenção de estabelecimento de uma estratégia internacional para acelerar o advento dessa tecnologia perseguida há décadas, e cujos avanços oferecem a possibilidade real de que esteja disponível em um prazo relativamente curto. Na ocasião, o ex-secretário de Energia estadunidense, Ernest Moniz, afirmou que, “nesta década, há uma probabilidade muito alta de que... as condições para a fusão sustentada sejam demonstradas... é verdadeiramente um divisor de águas”.

Com eles, estava Bob Mungard, CEO da Commonwealth Fusion Systems (CFS), empresa criada por cientistas da área de fusão nuclear do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), talvez, a mais promissora das mais de 20 start-ups dos EUA e da Europa que encontram-se empenhadas no desenvolvimento de reatores de fusão. A empresa, que pretende ter um protótipo funcional em 2025, conta com recursos do Departamento de Energia dos EUA, de investidores privados e de companhias petrolíferas como a norueguesa Equinor e a italiana Eni – uma sugestiva combinação de investidores de grande visão estratégica.

Além desses esforços “público-privados”, há projetos semelhantes na Rússia, China, Índia, Japão e Coreia do Sul, sem deixar de mencionar o consórcio International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), que, no entanto, parece estar bem atrás das outras iniciativas citadas.

Como o nome sugere, a fusão nuclear envolve a fusão de isótopos de hidrogênio (deutério e trítio) a temperaturas altíssimas, da ordem de dezenas de milhões de graus centígrados, atingidas em um plasma confinado por poderosos campos eletromagnéticos. Até agora, apenas algumas poucas experiências resultaram na geração de energia em excesso, e apenas por alguns segundos, mas quando a tecnologia estiver dominada, os reatores de fusão poderão gerar eletricidade em quantidades praticamente ilimitadas, dado que o combustível são isótopos de hidrogênio, e sem quaisquer tipos de impactos ambientais relevantes.

Um aspecto dos mais relevantes, ao qual os brasileiros precisam prestar a devida atenção, é o fato de majors petrolíferas estarem investindo em projetos de fusão nuclear, entre elas, a Eni, Equinor, Chevron e Shell. Embora todas também tenham investimentos em geração eólica e solar e projetos de captura e sequestro de carbono, a aposta em uma tecnologia potencialmente revolucionária sugere uma visão de longo alcance, visando a uma conversão real em empresas de energia capacitadas para oferecer uma resposta definitiva ao desafio da elevação do consumo de eletricidade per capita global a níveis próximos dos atualmente desfrutados pelas economias avançadas.

Neste particular, a italiana Eni (cuja antiga subsidiária Agip Nucleare chegou a operar três reatores nucleares convencionais) adota uma atitude digna de atenção e imitação. Desde 2015, a empresa coopera com pesquisas de fusão nuclear do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de onde saiu o grupo que fundou a CFS. Além de investir na empresa desde a sua criação, em 2018, a Eni colabora com outras iniciativas na área. Com a palavra, a chefe da divisão Iniciativas de Fusão Magnética da empresa, Francesca Ferrazza, em entrevista de 23 de agosto último ao jornal Avvenire:

“A Eni trabalha em sinergia com algumas das mais importantes empresas internacionais e italianas. Nos EUA, além da parceria tecnológica com a CFS, a Eni também tem uma colaboração ativa em um programa científico no MIT, denominado LIFT (Laboratory for Innovation in Fusion Technology), que visa acelerar a identificação de soluções em termos de materiais, tecnologias de supercondutores, física e controle de plasma. Na Itália, a Eni participa no projeto DTT (Divertor Tokamak Test Facility) para a engenharia e construção de uma máquina Tokamak dedicada ao estudo do aproveitamento do calor gerado pelo processo de fusão. A DTT, em particular, será a maior experiência científica já realizada na Itália e representa um exemplo virtuoso de parceria público-privada no mundo da fusão.

“Na área das pesquisas, a Eni colabora com algumas das instituições de excelência no nosso território, como o CNR [Conselho Nacional de Pesquisas], com o qual tem um centro conjunto de pesquisas em fusão e colaborações em diversas linhas de pesquisa com algumas das principais universidades italianas. Em âmbito institucional, a Eni é membro do EUROfusion, o consórcio europeu que visa desenvolver a energia de fusão, e da Fusion Industry Association, uma organização de empresas privadas que trabalham para tornar a energia de fusão uma realidade comercial.”

É importante observar que a Eni é uma empresa nominalmente privada (na qual o Estado italiano detém uma golden share de 30,4%), mas, sem se descuidarem dos compromissos com os acionistas, seus dirigentes mantêm olhos aguçados no futuro, seguindo a tradição herdada de seu grande fundador, Enrico Mattei.

No Brasil, para se credenciar para entrar no jogo pesado da liga principal das candidatas a “petroleiras-energéticas”, a Petrobras não poderá limitar-se a investimentos em fontes de baixa densidade energética, como eólicas offshore, mas deve pensar alto e apostar nas tecnologias do futuro.

Uma iniciativa que mereceria o apoio da empresa seria a viabilização do Laboratório de Fusão Nuclear (LFN), projeto da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) existente desde 2013, mas ainda não saiu do papel, devido, principalmente, à queda livre nos orçamentos de pesquisa ocorrida no País na última década e à ausência da imprescindível vontade política.

Uma proposta apresentada em 2021 pela CNEN e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) estabelece os requisitos financeiros do LFN: R$ 150 milhões para a construção do LFN (três anos); R$ 50 milhões para a modernização dos reatores de pesquisa Tokamak existentes em universidades e centros de pesquisa nacionais (três anos); e US$ 100 milhões para o desenvolvimento e construção de um protótipo de reator de fusão (nove anos). Tais recursos, ínfimos, em função da necessidade premente de o País se engajar a sério e de forma continuada em tais pesquisas, são bem inferiores aos investidos pelas majors citadas em projetos do gênero e estão plenamente ao alcance da Petrobras. A parceria da maior empresa nacional poderia viabilizar essa importante avenida para as tecnologias verdadeiramente renováveis do futuro, às quais o Brasil não pode ficar alheio.

* Geraldo Luís Lino - Geólogo, ex-consultor ambiental e diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa); geraldoluislino@gmail.com

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