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Art Berman

A morte do petróleo estado-unidense

Os preços entraram em colapso e a capacidade de armazenamento está quase completa. A única opção para muitos produtores é fe

Publicado em 04/05/2020
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Os preços entraram em colapso e a capacidade de armazenamento está quase completa. A única opção para muitos produtores é fecharem os seus furos. Isso significa não rendimento. A maior parte tem dívida considerável, de modo que a bancarrota vem a seguir.

Peggy Noonan recentemente escreveu na sua coluna que "isto é uma calamidade económica nacional nunca vista anteriormente; não há na história uma maior do que esta". Trata-se de uma visão superficial.

O coronavírus mudou tudo. Quanto mais perdurar, menos o futuro se parecerá como o passado.

A maior parte das pessoas, elaboradores de políticas e economistas, são cegos para a energia e portanto não podem apreender plenamente a gravidade ou as consequências do que está a acontecer.

A energia é a economia e o petróleo é a parte mais importante e produtiva da energia. O consumo de petróleo nos EUA está no seu mais baixo nível desde 1971, quando a produção era apenas cerca de 78% do que foi em 2019. Quando o petróleo vai abaixo, também a economia vai abaixo.

A velha indústria petrolífera e a velha economia desapareceram. O cabaz energético que está subjacente à economia será agora diferente. É pouco provável que a produção e os preços do petróleo recuperem os níveis do fim de 2018. As fontes renováveis ficarão para trás, juntamente com os esforços para mitigar alterações climáticas.

É realmente mau

A procura global por líquidos em 2020 poderá ser em média 20 milhões de barris/dia menor do que em 2019 (Figura 1). Esta estimativa é realmente um exercício de raciocínio pois é impossível saber como está a oferta e procura no presente e muito menos no próximo trimestre ou mais além. Este é um tempo de instabilidade e incerteza inimagináveis, porque ninguém sabe quanto tempo a actividade económica estará deprimida, quanto tempo levará para recuperar ou se se recuperará.

A estimativa na Figura 1 difere da maior parte das previsões em dois aspectos importantes. Primeiro, acredito que a oferta cairá muito mais rapidamente do que a maior parte das outras fontes. Isso porque a armazenagem em breve estará completa e o encerramento da produção será a única opção para muitos produtores.

Figura 1. Em 2020 a procura global de petróleo pode ser em média
20 milhões de barris/dia mais baixa do que em 2019


Figura 1.

Segundo, duvido que haverá uma recuperação da procura no terceiro trimestre apesar da reabertura dos negócios no segundo. Isso porque estamos numa depressão global. O desemprego permanecerá alto e os consumidores serão afectados devido à falta de rendimento ao longo dos meses de quarentena. A verdade é que duvido que a procura alguma vez se recupere.

As economias re-arrancam vagarosamente. Uma analogia útil é estar atrás de 25 carros parados devido a um semáforo. O sinal mudará do verde para o vermelho antes de o seu carro começar a mover-se. Pode demorar várias mudanças de sinal até que consiga atravessar o cruzamento.

O consumo nos EUA caiu cerca de 30%, de 20 milhões de barris por dia (b/d) em Janeiro para 14 milhões b/d em Abril. As entradas nas refinarias já estão 25% mais baixas do que no primeiro trimestre do ano e cairão ainda mais quando o consumo diminuir. Refinarias fecharão.

A maior parte das refinarias dos EUA exige petróleo bruto intermédio e pesado que deve ser importado. Poucas graduações de petróleo dos EUA podem ser utilizadas para produzir gasóleo sem fazer mistura com petróleo importado. Isto acontece porque elas são demasiado leves para conter os compostos orgânicos necessários a fim de fabricar gasóleo. Reformar refinarias não alterará isto.

A extracção mundial de recursos naturais, o seu sistema de despacho e distribuição repousa sobre o gasóleo. Quando fecham refinarias e menos gasóleo é produzido, haverá níveis mais baixos de extracção de recursos naturais, menos manufactura e menos compra de bens.

O gasóleo não pode ser produzido sem antes produzir gasolina. Os EUA têm tido um excedente de gasolina desde o fim de 2014 e o excedente actual é o mais alto num período de cinco anos (Figura 2).

Figura 2. O stock comparativo de gasolina dos EUA aumentou 30 milhões de barris
desde 20 de Março para um nível recorde de 28,4 milhões de barris,
mais do que a média de cinco anos.

Figura 2.

 

A procura de gasóleo é menos elástica do que a procura de gasolina devido ao seu papel crítico no transporte pesado. O que acontecerá ao excesso de gasolina produzida se a armazenagem estiver completa? Será queimado?

Aqueles que vêem na morte do petróleo uma oportunidade para as energias renováveis precisam pensar outra vez. A fabricação de painéis solares, turbinas de vento e carros eléctricos depende do gasóleo ao longo de toda a cadeia de abastecimento, desde a extracção até à distribuição de produtos acabados. Um mundo em depressão económica entrará em incumprimento em relação aos combustíveis mais baratos e mais produtivos. O petróleo será barato e abundante durante um longo tempo. Haverá pouco dinheiro ou apetite para as mudanças maciças de equipamento que as fontes renováveis exigem. A mudança climática não estará num ponto alto na consciência de pessoas que lutam para sobreviver.

A Figura 3 é outro exercício de raciocínio no qual utilizo contagens de plataformas petrolíferas (rigs) e de produção para estimar níveis futuros da produção estado-unidense. A trajectória normal é uma estimativa de como a produção pode declinar à medida que as plataformas ficam ociosas por falta de investimento de capital. Isto sugere que a produção de petróleo pode diminuir em cerca de 50%, de 7 para 3,5 milhões de b/d, em Julho de 2021.

Figura 3. Exercício de raciocínio com base na contagem de plataformas até Abril de 2020
e da produção com 12 meses de retardamento.

Figura 3.

 

A trajectória de encerramento sugere que a produção de petróleo poderá cair abaixo dos 3 milhões b/d em Junho deste ano. Uma vez que a produção de petróleo bruto representa cerca de 55% do produto dos EUA, a produção total do bruto e de condensados poderia declinar de 12 milhões b/d para 5,5 milhões de b/d no fim do primeiro semestre de 2020. Esta estimativa é muito mais agressiva do que as previsões da EIA [Energy Information Administration] porque a EIA não modelou adequadamente a velocidade de fecho na produção com níveis de armazenagem plenos.

A energia é a economia

O Produto interno bruto (PIB) é proporcional ao consumo de petróleo (Figura 4). Isso é assim porque o petróleo é a economia. Todo aspecto da produção e da utilização de bens e serviços exige a queima de energia fóssil. Há aproximadamente 4,5 anos de trabalho humano num barril de petróleo (N. J. Hagens, comunicação pessoal e The Oil Drum). Nenhuma outra fonte de energia se aproxima desse nível de densidade de energia.

Figura 4. O PIB é proporcional ao consumo de petróleo

Figura 4.

 

Aqueles que acreditam que o mundo funcionará na mesma com fontes de densidade energética mais baixa como o vento e o solar deveriam rever seus velhos manuais de física. Não é possível encaixar 4,5 anos de trabalho da luz solar ou do vento no espaço de 5,6 pés cúbicos de um barril de petróleo (158,984 litros).

Dezassete analistas de investimento estimaram recentemente que o PIB dos EUA contrairia uma média de 30-35% em 2020 (Figura 5) dentro de uma amplitude de 9-50%. A correlação mostrada na Figura 4 sugere que diminuirá em cerca de 20-25% com base na diminuição estimada do consumo de petróleo nos EUA. Qualquer valor dentro deste espectro é catastrófico.

Figura 5. PIB dos EUA a contrair 30-35% em 2020,
segundo estimativas de dezassete analistas de investimento

Figura 5.

 

O economista Lawrence Summers advertiu que o sistema financeiro dos EUA pode entrar em colapso devido a incumprimentos em cascata. Aproximadamente 25% dos inquilinos nos EUA não pagou seus senhorios e 23% dos americanos em Abril não fizeram o pagamento da hipoteca . Quando pessoas não pagam seus credores, os credores por sua vez não podem pagar aos seus credores. Para comparação: uma taxa de incumprimento de hipotecas de 28% contribuiu para o colapso financeiro de 2008.

Joseph Stiglitz explicou recentemente que a actual pandemia afectará o mundo em desenvolvimento mais gravemente do que os países desenvolvidos. Isto pode levar a problemas de migração em massa que poderiam superar em muito as deslocações dos últimos seis para fora da África e do Médio Oriente.

Arrastando-se rumo a Belém (Slouching Toward Bethlehem) [1]

Muitos provavelmente acharão a minha análise claramente pessimista. Os mercados do petróleo bruto não. Os preços futuros negativos do WTI na semana passada não podiam ter enviado um sinal mais forte aos produtores para a cessação.

Vastos segmentos da indústria petrolífera dos EUA terão de ser nacionalizados antes do fim do ano. O preço do petróleo também está demasiado baixo para justificar o custo da extracção mesmo que haja armazenagem disponível. O valor de um barril de petróleo, contudo, é de 4,5 homem-anos de trabalho e este multiplicador de produtividade será essencial para que a economia dos EUA evite o colapso ou recupere se o colapso for inevitável.

Os Estados Unidos enveredaram pela prática insensata de drenar primeiro a América desde o início da produção do petróleo de baixa permeabilidade (tight oil), há uma década atrás. Houve mérito nisso até ao ponto em que o petróleo interno substituía o petróleo leve importado, mas exportar mais era estúpido. Isso é verdade, especialmente agora que a compra do petróleo dos outros será barata durante anos.

Agora existem alguns momentos em que podemos realmente dizer que as coisas estão diferentes. Este é um destes momentos. Não sabemos que forma terrível o futuro pode assumir, que monstro rude se arrasta rumo a Belém [1] para nascer.

O jogo está acabado para o petróleo. Deveríamos voltar toda a nossa atenção para o salvamento da economia.

Espero que aprendamos a encarar o que está a acontecer como uma oportunidade para simplificar e para aprender a satisfazer-nos apenas com aquilo de que precisamos. É pouco provável que tenhamos muita escolha.


Art Berman é geólogo do petróleo com 36 anos de experiência na indústria do petróleo e do gás. É perito em exploração do xisto (shale) nos EUA e consultor de várias empresas.

Fonte: resistir.info

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