A Petrobrás e as ideias fossilizadas dos “verdes”
demonstra que a militância ambientalista não consegue superar a sua miopia diante da realidade do cenário estratégico e tecnológico global,
demonstra que a militância ambientalista não consegue superar a sua miopia diante da realidade do cenário estratégico e tecnológico global, no tocante às transformações tecnológicas da matriz energética mundial, questão contaminada pela orientação ideológica, política e financeira da “descarbonização”.
Intitulado “As ideias fossilizadas do general”, o texto é uma resposta inflamada a um artigo anterior do presidente da Petrobrás, Joaquim Silva e Luna, general da reserva do Exército, publicado no “Estadão” do dia 14. Nele, Silva e Luna apresenta uma série de argumentos para justificar a atual orientação da empresa, de concentrar os investimentos na aceleração da exploração do petróleo da camada pré-sal. Entre outros, além do menor conteúdo de gases de efeito estufa do petróleo do pré-sal, aponta os “ganhos para toda a população” proporcionados pelos tributos gerados pela empresa (R$ 203 bilhões em 2021) e destaca: “Nosso compromisso público com a sociedade é não permitir que esses recursos repousem no fundo do mar enquanto aguardamos a chegada de uma nova era. É responsabilidade desta geração garantir, enquanto há tempo, os benefícios econômicos e sociais decorrentes da produção de petróleo no País.”
A resposta dos ambientalistas foi escrita a 12 mãos por um seleto grupo de militantes profissionais representantes de algumas das principais ONGs do aparato ambientalista-indigenista que opera no Brasil: Ana Paula Prates, diretora de Políticas Públicas do Instituto Talanoa; Ilan Zugman, diretor para a América Latina da 350.org; Juliano Bueno de Araújo, diretor do Instituto Arayara; Marcelo Laterman, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace; Ricardo Fujii, do WWF-Brasil; e Suely Araújo, do Observatório do Clima.
A crítica principal ao presidente da Petrobrás não se deve à visão de curto prazo e ao alinhamento de preços com o mercado internacional, que caracterizam a atual política da empresa, mas à “realidade imposta pelas mudanças climáticas”. Segundo os autores:
“Sugerir que ainda há tempo para explorar o petróleo tem por base uma premissa equivocada. O mundo tem menos de cem meses para cortar emissões de gases de efeito estufa pela metade, se quiser ter uma chance de estabilizar o aquecimento da Terra no patamar de 1,5°C preconizado pelo Acordo de Paris. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), nenhum novo projeto de exploração de combustíveis fósseis pode ser licenciado no mundo se quisermos cumprir esse objetivo. (...)
“Ao vislumbrar o pré-sal como sua prioridade, a Petrobrás ignora essas incertezas e arrisca perder bilhões de reais em infraestrutura que pode se tornar obsoleta antes do que se imagina. Grandes petroleiras mundiais, atentas a esse risco, planejam mudar o foco dos investimentos para a produção de energia renovável [grifos nossos].”
O argumento da “obsolescência” recorda o delirante prognóstico do ministro da Economia Paulo Guedes, para quem a ênfase na “descarbonização” da economia fará com que o valor da Petrobrás caia a “zero daqui a 30 anos”.
Os autores acusam Silva e Luna de ignorar “que o maior problema do petróleo está em ele ser um combustível fóssil, não renovável, que emite gases de efeito estufa independentemente da forma como é produzido”.
A rigor, são os militantes “verdes” que demonstram ignorância de um aspecto pouco conhecido fora da comunidade geológica e petrolífera, mas que deverá ganhar relevância crescente no futuro imediato. Trata-se da realidade da exploração comercial do petróleo de origem abiótica ou inorgânica, de que o próprio pré-sal é uma evidência, com seus depósitos sendo de natureza híbrida, tanto biótica como abiótica, neste caso, com hidrocarbonetos formados nas partes superiores do manto terrestre, a profundidades da ordem de 20 km ou mais, os quais migram para a camada pré-sal (situada a 6-7 km de profundidade) por grandes fraturas nas rochas da crosta terrestre. Embora os depósitos abióticos sejam conhecidos desde a primeira metade do século XX, até agora eram raros os passíveis de exploração comercial, mas a descoberta do pré-sal pode alterar este quadro, inclusive, com a já iniciada exploração das estruturas equivalentes encontradas na costa da África Ocidental, principalmente, em Angola.
Os potenciais impactos da constatação de que as reservas petrolíferas do planeta não seriam tão “não renováveis” assim, podem ser discernidos sem dificuldade. E, embora se devam admitir que os seus usos como combustíveis tendem a ser consideravelmente reduzidos nas próximas décadas, tanto o petróleo como o gás natural deverão continuar sendo amplamente utilizados como insumos da indústria petroquímica, para a qual não têm substitutos viáveis na escala necessária, em um horizonte previsível.
No artigo, os autores-militantes advertem que, em vez de investir no pré-sal, a Petrobras “deveria ter pressa para expandir seus investimentos em fontes renováveis, tanto as tradicionais como as novas, e desenvolver as novíssimas”. Como exemplos, citam hidrogênio verde, veículos elétricos (sem elaborar de onde viria a eletricidade) e combustíveis sintéticos – e, obviamente, por fontes “tradicionais”, deixam implícito tratarem-se das conhecidas fontes eólicas, solares, biomassa e outras.
De fato, como já vêm fazendo várias das suas coirmãs de outros países, a Petrobras deve balizar a sua agenda estratégica para as próximas décadas pela sua conversão gradativa em empresa energética, e não apenas produtora/processadora de hidrocarbonetos. Mas não orientada para fontes de baixa densidade energética, caso das favoritas dos “verdes”, como as eólicas e solares. No seu extraordinário centro de pesquisas, o CENPES (cuja continuidade seria bastante duvidosa em caso de privatização), a empresa já desenvolve pesquisas com hidrogênio, mas é conveniente ampliar o leque de opções, para englobar as fontes energéticas que representam os potenciais mais promissores para a geração elétrica em grande escala, destinando-lhes um volume adequado dos investimentos dedicados à transição energética e ao desenvolvimento das tecnologias de baixo carbono. Nesta linha, destacam-se os projetos avançados de reatores de fissão nuclear, a fusão nuclear (em que petroleiras como a Equinor norueguesa e a ENI italiana estão investindo, sem considerar que isto foge ao seu “core business”) e, no extremo, até mesmo investigar áreas ainda pouco divulgadas, a exemplo das reações nucleares quimicamente assistidas (“fusão a frio”) e a energia do “ponto zero” (ou vácuo quântico).
A crise gerada pela guerra na Ucrânia evidenciou, da noite para o dia, os riscos de uma grande dependência externa dos Estados nacionais para a sua segurança energética e alimentícia, em especial. Para o Brasil, entre outros tópicos, o conflito deveria fazer repensar a pretendida entrega do setor energético aos “mercados” e a necessidade de reindustrialização do País, ressaltada pela vulnerabilidade no abastecimento de fertilizantes, insumo fundamental para o setor agrícola, que há anos vem sendo o mais dinâmico da economia real. Em uma eventual reorientação do papel do Estado na área de energia, a Petrobrás poderia e deveria ter um papel de destaque, por exemplo, com uma participação em um programa nuclear revigorado (como fez a ENI, antes que o referendo de 1990 encerrasse a geração nucleoelétrica na Itália).
Em essência, o desafio tecnológico de assegurar um salto qualitativo na geração de energia, nas décadas vindouras, não será superado com as propostas dos ambientalistas de todos os quadrantes – estas, sim, verdadeiramente “fossilizadas”.
Geraldo Luís Lino, geólogo, do Conselho Editorial do MSIA
Transcrito do MSIA nº 10 vol XXVIII março/2022
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