
A receita que funcionou na Ásia mas que "não pode" funcionar aqui.
Como três países escaparam da armadilha da renda média enquanto economistas brasileiros insistiam que era impossível

Sabe qual é a frase favorita de economistas brasileiros quando você menciona o sucesso asiático?
“Ah, mas lá é diferente.”
Ou então: “Isso não funcionaria no Brasil.”
Ou ainda melhor: “Eles tiveram sorte com a conjuntura internacional.”
Durante décadas, enquanto China, Malásia e Vietnã multiplicavam suas rendas per capita, o establishment brasileiro repetia que intervenção estatal, política industrial e gradualismo eram “receitas ultrapassadas.”
O mercado resolveria tudo sozinho. Bastava abrir a economia, privatizar e esperar o milagre acontecer.
Resultado? O Brasil está com a mesma renda per capita de 1980 — $10.000 dólares. Quarenta anos estagnados.

Enquanto isso, a China multiplicou por 15 sua renda no mesmo período.
A armadilha da renda média: Brasil estagnado desde 1980, enquanto Coreia, Taiwan, China e Malásia escaparam e se tornaram economias de alta renda.
Hoje vou mostrar exatamente como três países asiáticos escaparam da armadilha da renda média usando estratégias que nossos economistas insistiam que “não podiam funcionar.”
Prepare-se para questionar tudo que te contaram sobre desenvolvimento econômico.
Vamos lá!
China: o gradualismo “impossível” que multiplicou a renda por 15.
Nos anos 80, quando a China começou suas reformas, o consenso entre economistas ocidentais era cristalino: para sair do socialismo, era preciso aplicar “terapia de choque.”
→ Liberar todos os preços de uma vez.
→ Privatizar tudo imediatamente.
→ Abrir totalmente o comércio exterior.
Foi exatamente isso que o FMI recomendou para Rússia, Polônia e toda a Europa Oriental. Muitos economistas brasileiros aplaudiram de pé essas “reformas corajosas.”
Os chineses olharam para essa receita e disseram: “não, obrigado.”
Em vez de destruir o sistema antigo na esperança de que algo novo surgisse das ruínas, a China criou o sistema dual-track de preços.
A ideia era herética para qualquer economista treinado em Chicago ou no MIT: manter preços controlados pelo Estado para produtos estratégicos enquanto liberava gradualmente os demais.
Na agricultura, camponeses vendiam uma cota obrigatória ao governo a preço fixo, mas podiam vender todo excedente no mercado livre.
Resultado? Entre 1979 e 1984, a China resolveu o problema milenar da fome.
A produção agrícola explodiu. E fizeram isso mantendo controle estatal sobre setores essenciais.
Enquanto a Rússia aplicava a terapia de choque recomendada pelo Ocidente e mergulhava em uma década de caos inflacionário — só recuperando o PIB de 1990 em 2017 — a China crescia 10% ao ano com inflação controlada.
Mas nossos economistas diziam: “isso não pode dar certo no longo prazo.”
Hoje a China é a maior economia do mundo em paridade de poder de compra. Produz mais de 50% do aço mundial. Tem o maior programa espacial depois dos EUA. Chegou à Lua. Tem GPS próprio. A maior frota naval do planeta.
Parece que deu certo!
Malásia: câmbio competitivo que “distorce o mercado” mas enriquece países.
A Malásia nos anos 80 fez algo que economistas brasileiros chamam de “manipulação cambial” — como se fosse pecado mortal.
O governo malaio mantinha deliberadamente a moeda desvalorizada para tornar exportações manufatureiras ultracompetitivas.
Acumulava reservas para evitar apreciação cambial. Criou zonas especiais com infraestrutura de primeira, isenções fiscais e terrenos gratuitos para multinacionais que quisessem produzir lá para exportar.
O Brasil nos anos 90 fez o oposto:
→ Deixou o câmbio se valorizar
→ Abriu indiscriminadamente o comércio,
→ Acreditou que “vantagens comparativas” se cuidariam sozinhas.
Resultado? Desindustrialização acelerada. Volta às commodities.
A Malásia seguiu o manual dos tigres asiáticos: Taiwan teve superávits em conta-corrente de 16% do PIB entre 1984-87, chegando a 20% em 1986.
Não foi acidente. Foi política deliberada de Estado para manter competitividade externa e promover exportações manufatureiras.
Os economistas do Banco Mundial chamavam isso de “distorção” e recomendavam liberalização imediata.
Taiwan e Malásia ignoraram o conselho e prosperaram.
Hoje a Malásia produz eletrônicos sofisticados, semicondutores e componentes de alta tecnologia.
Está entre os países de renda alta no índice de complexidade econômica.
Mas segundo muitos dos nossos economistas, isso “não pode funcionar” porque “distorce sinais de mercado.”

Complexidade econômica (1965–2015): os países do Sudeste Asiático subiram consistentemente na escala tecnológica, enquanto a América Latina ficou parada.
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Vietnã: a integração “predatória” que tirou 50 milhões da pobreza.
O Vietnã é o caso que mais irrita os puristas do livre mercado.
Em 1986, o PIB per capita era $200 dólares. O país tinha acabado de sair de guerras devastadoras.
O Partido Comunista Vietnamita decidiu abrir para investimento estrangeiro direto (FDI) — mas não do jeito que o FMI recomendava.
Em vez de abrir tudo de uma vez e torcer para dar certo, o Vietnã seguiu o modelo dos “gansos voadores”: se encaixou nas cadeias globais de valor começando pelos elos mais simples, atraindo investimento dos tigres asiáticos e do Japão.
Um terço da produção global de smartphones Samsung hoje acontece no Vietnã.
Mas atenção: o Vietnã não apenas abriu as pernas para multinacionais.
Exigiu transferência de tecnologia. Criou joint ventures obrigatórias. Protegeu setores estratégicos. Investiu pesadamente em educação e infraestrutura. Manteve controle sobre bancos e empresas estatais chave.
Ou seja: fez exatamente tudo que economistas ortodoxos dizem que “espanta investimento” e “não funciona.”
Resultado? Crescimento de 7,2% ao ano desde 1986. Exportações crescendo 20% ao ano. Renda per capita saltando de $200 para $2.400 em 27 anos.
E pasmem: o Vietnã — com metade da população brasileira e território 66 vezes menor — exporta MAIS que o Brasil.
Mas nossos economistas explicam: “eles tiveram sorte com a conjuntura.”
A inversão histórica que ninguém quer discutir.
Aqui vai um dado que deveria envergonhar todos os defensores do modelo brasileiro das últimas quatro décadas:
Nos anos 80, burocratas chineses visitavam o Brasil maravilhados.
Olhavam para Itaipu, para a indústria automobilística, para a Embraer, e pensavam: “é isso que queremos ser.” O Brasil era o exemplo de país em desenvolvimento que estava dando certo.
A China tinha renda per capita de $1.000 — dez vezes menor que a brasileira.
Hoje brasileiros visitam a China e ficam chocados.
Trens Maglev a 450 km/h. Shenzhen como polo tecnológico global. Infraestrutura que faz São Paulo parecer uma vila do século 19. A China multiplicou sua renda por 15.
O Brasil está estagnado há 44 anos. E sabe o que nossos economistas dizem?
“Ah, mas a China é uma ditadura.”
Como se regime político explicasse tudo. Não explica. E não é justificativa.
Taiwan e Coreia do Sul eram ditaduras quando decolaram economicamente. Cingapura é uma democracia no papel mas com partido único há décadas.
Democracia plena não garantiu prosperidade para Índia, Filipinas ou Brasil.
A diferença real? Estratégia de desenvolvimento. Estado coordenando transformação estrutural. Investimento maciço em capacitação produtiva. Proteção seletiva de setores estratégicos. Gradualismo pragmático em vez de choques ideológicos.
Tudo isso que “não funciona” segundo nossos economistas.
As três lições que o Brasil se recusa a aprender.
Olhando para China, Malásia e Vietnã, três lições saltam aos olhos — e todas contradizem o que se ensina em 90% das faculdades de economia brasileiras.
Primeira lição: Gradualismo supera big bang. A China provou que você não precisa explodir o sistema antigo para construir o novo. Pode fazer a transição organicamente, mantendo estabilidade enquanto cria novas instituições. Nossos economistas insistiram em choques rápidos nos anos 90. O resultado foi desindustrialização acelerada sem contrapartida de ganhos de produtividade.
Segunda lição: Câmbio competitivo não é pecado, é ferramenta de desenvolvimento. Todos os países asiáticos que escaparam da armadilha da renda média usaram política cambial para promover exportações manufatureiras. O Brasil deixou o câmbio se valorizar cronicamente, destruindo a indústria. E nossos economistas aplaudiram isso como “fim das distorções.”
Terceira lição: Integração às cadeias globais precisa de estratégia, não de ingenuidade. O Vietnã não simplesmente se abriu e esperou as bênçãos do mercado. Negociou, exigiu contrapartidas, investiu em capacitação, protegeu setores chave. O Brasil abriu tudo indiscriminadamente achando que “competitividade” surgiria por mágica.
E o mais triste? Tudo isso está documentado.
Não é segredo!
O Banco Mundial publicou em 1993 o relatório “The East Asian Miracle” admitindo que intervenção estatal funcionou.
Ha-Joon Chang escreveu no livro “Chutando a Escada” mostrando que países ricos usaram protecionismo para desenvolver.
Alice Amsden e Robert Wade documentaram em detalhes como Coreia e Taiwan se industrializaram.
Mas nossos economistas preferem ignorar evidências e repetir mantras: “deixa o mercado funcionar,” “não tente escolher vencedores,” “estado é sempre ineficiente.”
Enquanto isso, China, Malásia e Vietnã seguem enriquecendo usando exatamente as estratégias que “não funcionam.”
A ironia é brutal: o Brasil está há 44 anos na armadilha da renda média aplicando receitas que “deveriam” nos desenvolver.
A Ásia escapou em duas décadas fazendo o “impossível.”
Talvez seja hora de questionar quem realmente não sabe o que está fazendo.
P.S.: No curso “Milagre da China” dentro da nossa Escola de Complexidade Econômica, revelo como o sistema dual-track de preços—considerado “herético” por economistas ocidentais—resolveu o problema milenar da fome chinesa entre 1979-1984 enquanto mantinha estabilidade. Você verá documentos fundamentais dessa estratégia “impossível”. Conheça nossa Escola agora.
Abraços,
Paulo Gala
Graduado em Economia pela FEA-USP | Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo | Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY | Autor com +10,000 cópias de livros vendidas | Geriu carteiras de +R$ 3,000,000,000 | Professor na FGV/SP há 20 anos.
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