A narrativa de que o Brasil está se desindustrializando já se tornou um consenso no debate econômico. Olhamos para os grandes números nacionais e vemos a participação da indústria encolher, alimentando a percepção de um declínio generalizado e inevitável.
No entanto, essa visão agregada, embora correta em sua essência, esconde uma realidade muito mais complexa, surpreendente e cheia de nuances. Sob a superfície dos dados nacionais, existe um mosaico de dinâmicas regionais e setoriais que contam uma história completamente diferente — e muito mais específica — sobre os rumos da economia brasileira.
Este artigo se propõe a revelar os achados mais impactantes de um novo e aprofundado estudo, “Novas Perspectivas da Desindustrialização a partir de Evidências Regionais e Setoriais” (Morceiro e Tessarin, 2025), que mergulhou em dados de emprego das últimas quatro décadas (1985-2022) para desempacotar esse fenômeno.
Prepare-se para quatro revelações que desafiam o senso comum e oferecem uma nova perspectiva para entender a economia do nosso país.
A Desindustrialização Tem CEP. E 70% Dela Mora em São Paulo
O primeiro e talvez mais chocante achado do estudo é que a desindustrialização brasileira não é um fenômeno nacional difuso. Pelo contrário, ela é extremamente concentrada geograficamente.
O dado principal é avassalador: o estado de São Paulo foi responsável, sozinho, por 70% de toda a desindustrialização do Brasil entre 1985 e 2022.
Se somarmos a São Paulo os outros dois estados pioneiros na industrialização nacional — Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul —, o número salta para mais de 90% do total do processo de desindustrialização do país.
Isso significa que a crise industrial do Brasil não é uma epidemia nacional, mas uma hemorragia concentrada em seus antigos centros vitais. As mesmas regiões que um dia serviram como motor para o desenvolvimento do Brasil hoje lideram, de forma desproporcional, o seu retrocesso.
A Troca Não Foi Vantajosa: A “Mudança Estrutural” Piorou a Qualidade do Emprego
Em economia, “mudança estrutural” descreve a migração de trabalhadores de um setor para outro — por exemplo, da indústria para o setor de serviços. Em tese, essa poderia ser uma transição positiva se os empregos criados fossem de maior qualidade. No Brasil, ocorreu o oposto.
O estudo conclui que a mudança estrutural no país foi “maligna”. A razão é simples e preocupante: a vasta maioria da força de trabalho liberada pela indústria migrou para setores de serviços que pagam salários menores. A troca não foi vantajosa para o trabalhador.
O mais grave é que, mesmo dentro do próprio setor de serviços, a dinâmica foi negativa. Os trabalhadores foram absorvidos principalmente por atividades menos nobres e de menor remuneração, piorando a composição geral do macrossetor. Na prática, a desindustrialização não apenas encolheu o setor, mas rebaixou ativamente o padrão de vida da classe trabalhadora.
A conclusão dos pesquisadores é um alerta direto sobre o impacto social desse processo:
a desindustrialização comprometeu a qualidade de vida das famílias ao afetar negativamente a remuneração dos trabalhadores e prejudicou os sistemas de inovação das regiões avançadas.
Não São Apenas as “Velhas Chaminés”: Setores de Alta Tecnologia Foram Duramente Atingidos
É comum associar a desindustrialização ao declínio de indústrias tradicionais. Embora isso seja verdade, a pesquisa revela um fato muito mais prejudicial para o futuro do país: o processo avançou “consideravelmente” nos setores de alta e média-alta tecnologia (AT-MAT), especialmente em estados como São Paulo, Amazonas, Rio de Janeiro e Bahia.
Setores como o de química e material elétrico, eletrônico e de comunicação, por exemplo, sofreram uma retração drástica. Isso é particularmente danoso porque o processo assume um componente de destruição anti-schumpeteriana. Em vez de uma “destruição criativa” que abre caminho para algo novo e melhor, estamos vivenciando uma destruição que nos deixa com menos capacidade e complexidade.
Ao atingir o coração da capacidade de um país inovar e competir, a perda de musculatura nesses setores vitais não apenas reduz a sofisticação da nossa economia, mas compromete diretamente o desenvolvimento tecnológico futuro do Brasil.
Um Mosaico de Realidades: Enquanto Alguns Encolhem, Outros Crescem
Analisar a indústria brasileira como um bloco único é um erro fundamental. O estudo descreve a dinâmica nacional como um “mosaico regional-setorial”, onde diferentes realidades coexistem.
O contraste é nítido: enquanto estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco sofreram uma desindustrialização intensa, outros apresentaram uma forte expansão do emprego industrial no mesmo período. É o caso de estados da fronteira agrícola, como Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul.
Contudo, a industrialização nesses novos polos ainda está em seus estágios iniciais, fortemente concentrada em setores como o de alimentos e bebidas. Esse crescimento, embora positivo, não foi nem de longe suficiente para compensar as perdas massivas dos polos tradicionais. Em outras palavras, a tímida “industrialização” em novas áreas reforça, em vez de combater, a “mudança estrutural maligna” que vimos anteriormente. O Brasil está, na prática, trocando empregos em eletrônica e engenharia por vagas em frigoríficos e processamento de grãos, em um empobrecimento qualitativo da nossa matriz produtiva.
Repensando o Futuro Industrial do Brasil
Ao final, o retrato que emerge é claro: a desindustrialização brasileira é um fenômeno concentrado em pouquíssimos estados, qualitativamente ruim para a renda do trabalhador e profundamente assimétrico em seu impacto pelo território nacional.
Os diagnósticos agregados que tratam o Brasil como uma entidade homogênea são insuficientes para capturar a complexidade do problema. Como sugere o estudo, as soluções precisam ser radicalmente ajustadas às diferentes realidades e capacidades de cada região e de cada setor.





