Grandeza e misérias da "american-way-of-life" (1)
que com os seus matizes faz parte da ideologia de partidos com as mais variadas designações, desde os que se qualificam de "socialistas" ou soc
que com os seus matizes faz parte da ideologia de partidos com as mais variadas designações, desde os que se qualificam de "socialistas" ou socialdemocratas aos que se assumem como direita. E este é já um dos aspetos do triunfo da "a-w".
Não parece ser discutível a sedução que a "a-w" exerce sobre todo o mundo. Visões diferentes foram votadas ao desprezo e ignoradas. Mesmo países que os EUA consideram ameaçar os seus interesses globais, logo seus potenciais inimigos, estão contagiados pela visão do que aparece como característica principal da "a-w": a "sociedade de consumo".
Partidos que se reclamavam do marxismo, considerando o benefício social como lei fundamental, enveredaram por um revisionismo que deu primazia a mecanismos de mercado, proporcionando livre curso ao oportunismo que conduziu à traição aos ideais que tinham prometido defender, à liquidação da URSS (apesar da esmagadora maioria da população em referendo a isso se opor – daqui se falar em traição) e do socialismo noutros países da Europa do Leste.
A denúncia e a luta por alternativas à "sociedade de consumo" – que só o era para alguns – a "sociedade do desperdício", está em grande medida ausente. Mesmo a luta em termos ecologistas contra este modelo de sociedade foi ultrapassada por uma ecologia de alienação, circunscrita quase que exclusivamente ao CO2, forma de iludir e fazer esquecer, os graves problemas ambientais que os povos enfrentam. Neste campo são exemplo os EUA: com 4,3% da população mundial consomem 25% dos recursos naturais e poluem na mesma proporção.
Tudo isto faz parte do triunfo global da "a-w". A questão que se coloca é: como e porquê tanta gente se deixou seduzir. Claro que está estabelecida uma forte censura gerida pela oligarquia dominante no sistema mediático, nas universidades, na arte e na cultura, usando processos de seleção e marginalização decantados do "macartismo". Tudo isto apoiado pela "fábrica de sonhos" de Hollywood, que grande parte do mundo procura copiar.
A grandeza da "a-w" pode mesmo traduzir-se em números e verifica-se pela sua riqueza: o PIB mais elevado do mundo, 21,5 milhões de milhões de dólares, um incomparável PIB/hab de 65,2 mil dólares. Segundo a lista da Forbes os 10 mais ricos dos EUA acumulavam mais de 600 mil milhões de dólares em 2018. Uma visão de riqueza que se espalha pelo mundo com vastas camadas que vivem ou sobrevivem à volta destes ultra ricos, partilhando os seus valores.
E esses valores são os do poder do dinheiro, sendo as desigualdades existentes assumidas como necessárias ao crescimento económico. O insucesso é sempre individual dividindo-se a sociedade entre os "winners" e os "loosers".
Os "winners" são os ultraricos cujo número em 25 anos foi multiplicado por 10 ( Global Wealth Databook ). Segundo a Forbes o número de ultra ricos triplicou de 793 em 2006, para 2 000 em 2018, bem como a sua riqueza de 2,6 milhões de milhões para 9,1 milhões de milhões. Entre os primeiros 50 ultra ricos, há 25 dos EUA, com a agravante de que nos 10 primeiros, 8 são dos EUA.
Em 2009, no pico da crise, o número de High Net Worth Individuals (HNWI), indivíduos com pelo menos 1 milhão de dólares em ativos investíveis além dos valores da sua residência primária, obras de arte, coleções, etc, subiu 17,1% (OXFAM).
Em todo o mundo, 80% dos capitais financeiros das 43 300 maiores empresas transnacionais eram controlados por um grupo de 737 indivíduos, porém uns 50 possuíam 40% da massa financeira detida por todas as transnacionais.
Outro êxito que a "a-w" pode reivindicar são as "revoluções coloridas" e as "mudanças de regime" como em Kiev, manifestações em Caracas, Moscou, Hong-Kong, etc. [1] Um mundo moldado segundo as concessões políticas e económicas dos EUA, que se permite alargar a doutrina Monroe (o continente Americano gerido pelos EUA) ao mundo inteiro e impor a nível global decisões tomadas pelos seus órgãos soberania. Algo apenas apanágio dos impérios.
Ter criado e colocado ao seu serviço, um fundo monetário internacional e um banco mundial, o FMI e o BM, é um êxito que sustém a grandeza do seu domínio. Um domínio assegurado pelo dólar como moeda de troca internacional e por cerca de 800 bases militares em 93 países, seis esquadras navais e 12 porta-aviões.
2 - Misérias
As supostas "grandezas", precisam de ser financiadas ao nível de milhões de milhões de dólares e têm um obscurecido e infeliz reverso.
A economia funciona apenas para o 1% do topo. Um estudo baseado na lista da revista Forbes em 2017, concluía que os 400 mais ricos dos EUA têm mais dinheiro que 64% da população do país . "De 2009 a 2011 a riqueza média dos 7% mais ricos da América aumentou cerca de 30%. Em contraste, a riqueza média dos restantes 93% caiu 4% de 140 mil para 134 mil dólares. (Back to Recession, Mike Whitney) .
A pobreza atinge 40 milhões de pessoas, faz parte da "a-w", está inserida no sistema de desigualdades e nas necessidades do imperialismo. Em 2018 enquanto prosseguia a política de redução de impostos aos ultra ricos, a discussão era sobre uma redução de 9% dos apoios sociais aos aos que vivem na pobreza e sobre um aumento de 5% para o orçamento da defesa. [2]
A dívida total dos EUA (pública, empresas e famílias) é superior a 74 milhões de milhões de dólares, com um custo de 3,5 milhões de milhões de dólares por ano. ( usdebtclock.org/ ) A generalidade dos cidadãos dos EUA tornou-se, no âmbito da "a-w", servos da dívida. Em termos líquidos estão falidos, são efetivamente pobres.
A dívida dos estudantes atingia, em meados de 2019, 1,6 milhões de milhões de dólares! Em 20 anos os custos das universidades privadas aumentaram 254%, as públicas 321%. É inconcebível como as teses do liberalismo puderam impor quase sem contestação a sua "liberdade de escolha", contra um humanismo de carácter socialista.
Com os custos universitários fora de controle, financiar o desespero tornou-se um negócio. Os estudantes são levados a envolver-se na prostituição para pagar a universidade. O site Seeking Arrangement liga adultos ricos que procuram companhia, geralmente de natureza sexual ("sugar daddies" e "sugar mommas"), com "sugar babies", jovens ansiosas e ansiosos, dispostos a fornecer serviços de "acompanhante". Estima-se que 2,5 milhões de estudantes universitários americanos assim procedam para pagar as suas dívidas. Dívida que não conseguirão pagar com o nível dos salários que irão obter. [3]
As horrorosas condições sociais que assolam mesmo pequenas cidades dos EUA são descritas por Casey Chalk "Sob um verniz nostálgico, esconde-se o tráfico sexual, o vício e um futuro amputado". Citando um relatório referente a dados de 2013, do Rotherfod Institute, "As crianças são alvo e vendidas para sexo na América todos os dias". (John Ryan, Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas) estima-se que haja 100 a 150 mil crianças como "trabalhadoras e trabalhadores sexuais". O problema está-se espalhando para além do alcance da polícia agências de assistência social, 250 mil jovens correm o risco de serem atraídos ou forçados a este submundo. A idade média das pessoas traficadas é de 13 anos. Uma estimativa aponta para cerca de 9,5 mil milhões de dólares por ano nos Estados Unidos.
Que conceitos humanistas, que valores éticos, que autoestima, pode proporcionar uma sociedade que procede desta forma para com a sua juventude, a bem duma oligarquia gananciosa e anti humanista.
Uma imagem da "a-w" pode ser obtida na maior fábrica de sonhos e alienação. A crise humanitária em Hollywood: mostra a face ocultada do "sonho americano". O número de sem abrigo em Los Angeles aumentou 43% em apenas quatro anos. No total, cerca de 60 mil pessoas são sem abrigo no condado de Los Angeles. [4] Segundo dados referentes a 2018 existem cerca 550 mil de pessoas sem abrigo e o número de mortes por consumo de drogas atingiu 70 mil por ano. [5]
Segundo um estudo da Universidade de Chicago considerando uma definição lata do termo sem-abrigo, incluindo as pessoas que vivem na rua e em albergues, bem como as que estão temporariamente em casa de terceiros por não terem o seu próprio alojamento permanente, existem nestas condições cerca de 4,2 milhões de crianças e jovens até aos 25 anos nos Estados Unidos. [6]
O índice de criminalidade dos EUA é um indicador da disfuncionalidade, mesmo da desintegração de uma sociedade. Em março de 2018 registava-se o 291º tiroteio numa escola desde o princípio de 2013, alertou Shannon Watts, fundadora da organização "Moms Demand Action for Gun Sense in America". Nos primeiros nove meses de 2019 registaram-se 11 235 mortes por armas de fogo, dos quais 2 838 menores até 17 anos (3536 em todo o ano de 2018), 19 867 feridos, 316 incidentes envolvendo várias vítimas (mass shootings), embora "apenas" 19 tenham sido consideradas "massacres. (Gun Violence Archive, twitter.com/gundeaths , segundo registos de www.gunviolencearchive.org/reports/mass-shooting ).
O endividamento, a insegurança, o risco de pobreza, reflete-se nas depressões, estresse, raiva, ansiedade, longevidade e saúde decrescentes. Porém com tudo isto há quem lucre: as farmacêuticas, medicina privada e centros de reabilitação – tudo sem alterar as causas.
Um estudo referente a 2017, feito pelo Institute of Law, Psychiatry and Public Policy da Universidade da Virgínia, estabelecia que nesse Estado, por razões de saúde mental foram enviados pelos tribunais para instituições, um total de 47 455 jovens e adultos, ao abrigo de ordens de detenção temporária (TDO) e ordens de emergência de colocação sob custódia (ECO) [7]
Mas há outra catástrofe americana: drogas, álcool e suicídios . A taxa nacional de mortes por álcool, drogas e suicídio aumentou para 46,6 mortes por 100 mil pessoas em 2017, um aumento de 6%, informou o Trust for America's Health e o Well Being Trust.
As autoridades não reportam o número exato de pessoas mortas por agentes da polícia, os media referem-se a quase 1000 pessoas mortas; sendo a população negra desproporcionalmente vítima. Pelo menos 21 pessoas morreram por armas de choque elétrico usadas pela polícia, elevando o número total de mortes por este processo desde 2001 em pelo menos em 700.
As consequências da difusão do "a-w" pelo mundo, não são menos graves. Desde o início da década, a concentração de riqueza aumentou de forma drástica. De 2010 a 2018 mais de 10% da riqueza mundial transferiu-se de 99% da população para o restrito grupo de 36 milhões de milionários de todo o mundo. Em 25 anos o número de ultraricos foi multiplicado por 10. ( Global Wealth Databook )
Os 26 mais ricos do mundo em 2018 tinham uma riqueza igual a metade da população mundial, 3,8 mil milhões de pessoas. A pirâmide da riqueza mundial da OXFAM mostra-nos o nível obsceno das desigualdades. Em 2018, 0,8% da população adulta detinha 44,8% da riqueza mundial; os 63,9% mais pobres apenas 1,9%.
Por outras palavras, 1% da população mundial detém metade da riqueza mundial, isto é, tanto como os outros 99%. Estas escandalosas fortunas confrontam-se com elevados níveis de pobreza mesmo nos países mais ricos. Segundo a OIT, mais de 700 milhões de trabalhadores vivem na extrema ou moderada pobreza apesar de terem emprego.
O número de pessoas atingidas pela fome aumentou em 2018, para 821,6 milhões, 11% da população mundial. Quando consideramos o número de pessoas com insegurança alimentar severa, ou moderada, a FAO estima que o número chegue a 2 mil milhões de pessoas no mundo (26,4%da população mundial) [8]
Em 2006 o Relator das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, afirmou que em cada cinco segundos morria de fome uma criança com menos de 10 anos (mais de 6 milhões por ano) e milhares de pessoas morrem de fome ou das suas consequências todos os dias.
Os paraísos fiscais representam a legalização de uma pilhagem, um sistema infame que uma proclamada elite de "comentadores" e políticos faz por ignorar ou limita-se a apelos de "mais transparência". Isto é, ficar a saber-se com mais detalhe o que já se sabe e deixar intocável o essencial.
O total escondido em paraísos fiscais totalizava em 2016, 36 milhões de milhões de dólares (15% do PIB mundial). Quase metade de toda a riqueza em paraísos fiscais, pertence a uns 92 mil super-ricos. Um terço deste montante 12,1 milhões de milhões, provinha dos 150 países mais pobres. [9]
O número de pessoas com perturbações mentais está a aumentar. Embora a depressão possa afetar pessoas de todas as idades e de todas os extratos sociais, o risco de se tornar deprimida aumenta com a pobreza, o desemprego, ou problemas causadas pelo uso de álcool e drogas.
Um relatório da OMS em 2017 aponta que o número de casos de depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015, atingindo 322 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria mulheres. A depressão é ainda a causa que mais contribui para as mortes por suicídio, que chegam a 800 mil por ano em todo o mundo. Em termos mundiais, o suicídio é mesmo já a segunda principal causa de morte entre os 15 e os 29 anos. [10]
Na pátria da "a-w" a oligarquia já não delega, como faz na UE, apossou-se diretamente do poder. O primeiro governo Trump, segundo a NBC, tinha no seu conjunto uma fortuna de 45,5 mil milhões de dólares, tanto como os 43 milhões mais pobres. ( Visão, 28/01/2017).
Esta subversão da democracia e da vontade popular, conduziu à decadência e à perda de hegemonia dos próprios EUA. Situações que abordaremos na 2ª parte deste tema.
13/Outubro/2019
[1] Daniel Vaz de Carvalho, Na rota das contra-revoluções "coloridas"
[2] Tara Golshan, Trump's 2020 Budget Proposal Is Going After Medicare, Social Security, Medicaid, And More
[3] College students are increasingly finding 'sugar daddies'
[4] 'Humanitarian Crisis in Hollywood': Chronic homelessness vs. the American Dream
[5] Sem abrigo: House and Urban Development e sobre consumo de drogas Center for Disease and Prevention Data Brief nº 329
[6] www.dn.pt/...
[7] static1.squarespace.com/,,, (p. 17)
[8] news.un.org/pt/story/2019/07/1680101
[9] www.taxjustice.net/2016/05/09/17103/
[10] nacoesunidas.org/oms-registra-aumento-de-casos-de-depressao-em-todo-o-mundo
[*] Neste texto nada nos move contra o povo dos EUA, que admiramos e respeitamos e é também vítima de um sistema que consideramos iníquo. As relações quer profissionais quer de lazer que mantivemos com cidadãos dos EUA sempre se pautaram por grande cordialidade e simpatia mútua que muito apreciámos.
Fonte: Resistir.info
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