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Sylvio Massa de Campos
Sylvio Massa de Campos é economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado pelo Conselho Nacional de Economia e pela Università Studi Superiori di Idrocarburi (Milão/Itália).

O esvaziamento da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (Empresa estatal de petróleo da Argentina)

A ideia seria demonstrar que a culpa dos males econômicos que sofriam os países da América Latina tinha uma só causa: hipertrofia do Estado, excesso de gasto público, estatização.

Publicado em 25/11/2023
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Visitou-nos recentemente o professor argentino Adolfo de Silenzi, autor do livro “Notas sobre uma política petrolífera nacional – o esvaziamento da YPF”, um monumental esforço para reconstituir a trama de lutas e traições políticas em torno da empresa estatal de petróleo da Argentina.

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A YPF cobriu-se de sucesso empresarial com reservas de petróleo e gás em valores superiores a US$ 120 bilhões. Por isso mesmo, iniciou-se o seu esvaziamento.

O professor Silenzi, ardoroso nacionalista, demonstra que as origens deste esvaziamento estão relacionadas com o “Projeto de Reorganização Nacional”, de 1976, cujo objetivo principal era impor a livre empresa a qualquer custo. Para isso deveria ser usada intensa campanha publicitária, a fim de “influir sobre os processos mentais dos diversos setores da opinião pública, em todos os meios de comunicação de massa da vida moderna: jornais diários, revistas destinadas ao sexo feminino, publicações universitárias e reportagens por rádio e televisão”. A ideia seria demonstrar que a culpa dos males econômicos que sofriam os países da América Latina tinha uma só causa com diferentes denominações: hipertrofia do Estado, excesso de gasto público, estatização.

Para o setor de petróleo, principal componente a ser atingido, o “processo” fixou-se em dois pontos iniciais: participação crescente das empresas privadas nacionais e estrangeiras na pesquisa e exploração de petróleo e redução simultânea das atividades da YPF.

Posta em prática essa determinação, a YPF começou a ser esvaziada pelo fracionamento de suas atividades básicas, implicando na perda do controle técnico nas áreas estratégicas. A colaboração de elementos da própria YPF, por carreirismo funcional o falta de convicção na ação do estado, facilitou bastante a desorganização da empresa. As atividades de perfuração, completação e reparação de poços passaram a ser controladas pela iniciativa privada em 45% dos investimentos. O transporte de equipamentos, controle de materiais, manutenção e operações especiais foram transferidos em sua totalidade para grupos privados. Na produção, a YPF alocou a outros grupos em produção, novas áreas descobertas, trabalhos de completação e recuperação secundária. Na área industrial, os serviços de manipulação de refinarias saíram da YFP e, na engenharia de projetos, os estudos passaram para consórcios internacionais. O transporte marítimo e fluvial foi, em vários aspectos, transferido para a área internacional e nacional privada. No setor de distribuição de derivados, todos os serviços de manutenção dos postos foram retirados da estrutura da YPF.

Enfraquecida pelo rompimento de sua estrutura técnica, a YPF passou a seguir um “planejamento estratégico” que implica no debilitamento profissional e financeiro da empresa. Os mecanismos de formação de preços, segunda etapa do plano, devem ser atingidos. Conduzir a YPF pelo endividamento, após a compressão de receitas, seria o caminho mais próprio. Em 1981, a YPF havia consumido integralmente seu patrimônio líquido e seu endividamento externo representava 6% do PIB argentino ou o valor das exportações de cereais por um ano.

Criar para a YPF um nível de endividamento irreversível deveria ser consequência da adoção das seguintes medidas: fixação de níveis baixos de remuneração; obrigação de vender petróleo à Shell, Esso, etc. a um preço inferior àquele que pagaria se tivesse que importa-lo; redução das participações no mercado de distribuição de combustíveis; admissão de altos executivos de empresas multinacionais; contratação de consultores técnicos para inúmeras áreas; e estímulo à dispensa de profissionais dos quadros permanentes da empresa. Essas medidas formaram um quadro de debilitamento da YPF e rebustecimento financeiro das empresas internacionais e dos seus sócios locais, alguns egressos da própria empresa estatal argentina.

No entanto, o que vai se verificar é a manutenção da YPF, recomprando bens, serviços e petróleo de suas antigas reservas, entregues à produção privada, a preços superiores aos do mercado internacional. Como afirma Adolfo Silenzi: “Deste modo, o que antes a YPF produzia, passou a comprar de empresas privadas, a um preço de 300% superior aos seus custos de produção”. As denúncias contidas no livro do Professor Salenzi são graves e não se cingem apenas ao confronto entre as corporações internacionais e o estado argentino. Esse relato não constituiria uma novidade histórica. Seu mérito maior é indicar o propósito de toda essa ação: desfigurar a eficiência da YPF junto à sociedade e usá-la, de todos os modos possíveis, mantendo-a em estado de pré-insolvência até o deslocamento de sua presença das bacias petrolíferas. Há indícios recentes, já no atual governo argentino, de que a YPF seria aglomerada à “Yaciamentos Carboníferos e a Gas del Estado”, formando uma nova empresa, sem petróleo.

O professor Adolfo Silenzi tem a argúcia de ver os objetivos finais da ação política que vem dizimando a sua pátria, como teve também Jesus Soares Pereira no prefácio do livro “Petróleo ou Vassalagem”, onde vaticinava: “O exemplo argentino deve ser encarado por nós brasileiros apenas como mais um ponto de ensinamentos, uma advertência acerca daquilo que nos aguarda se não soubermos, ou não quisermos, conduzir adequadamente nossa política de petróleo. A demagogia dos preços baixos para os combustíveis líquidos está ameaçando perigosamente a execução do programa nacional do petróleo, o bom-mocismo arrasta a empresa estatal a comprometer-se na realização de projetos economicamente injustificáveis”, conclui Jesus Pereira.

[*] Artigo publicado pela AEPET e Sindipetro-RJ, em 1999, quando a YPF foi  privatizada. Republicamos agora devido à ameaça de uma segunda privatização.

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