
O PRÉ–SAL BRASILEIRO
Os países mais avançados e também mais poderosos do mundo são igualmente os mais industrializados do planeta. Este processo teve como causa b
Os países mais avançados e também mais poderosos do mundo são igualmente os mais industrializados do planeta. Este processo teve como causa básica a grande oferta de energia (na época representada pelo carvão), em meados do século XVIII. Este episódio histórico da humanidade é conhecido como a Primeira Revolução Industrial, que fulminou, de forma quase imediata, a presença geopolítica, até então importante, da Espanha e de Portugal — cujos territórios não continham ocorrência de carvão. Chega–se a meados da segunda metade do século XIX com este novo desenho geopolítico mundial.
E o Brasil como estava?
Éramos uma colônia de um país decadente, governado por uma dinastia cultural e politicamente atrasada: ainda medieval quan do comparada a outras casas reais europeias.
Não tínhamos — e não temos — carvão metalúrgico em quan tidade para suprir energia; e, com a independência, promover um projeto industrial, por modesto que fosse.
Durante todo o século XIX nada mudou. Permanecemos um país agrícola e extrativista primário.
Estas atividades, ainda que elementares, exigiam alguma ener gia para produzir trabalho, ainda que primitivo.
Com que energia o país contava? Roda d'água; lenha; tração animal e braço escravo.
Resultado: construímos uma sociedade preconceituosa; es cravagista; amoral; atrasada e ignorante; e como consequên cia desta realidade: zero de industrialização.
Um aspecto central é que a industrialização tem como base: o desenvolvimento de Ciência e Tecnologia e a Engenharia; e, com isto, promove a criação de escolas de Engenharia nos paí ses onde ocorre.
O século XIX foi marcado pela abertura de cursos de engenharia na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, a primeira es cola de Engenharia foi a Escola de Minas, em 1876, ligada ao extrativismo mineral. Os cursos que existiam, até então, abrangiam apenas o setor militar.
E antes de findar, foi palco da Segunda Revolução Industrial, também por oferta abundante de energia.
Os Estados Unidos descobrem grandes reservas de petróleo: dão um salto gigantesco no seu processo de industrialização; e, em consequência, vencem as duas grandes guerras.
Lideram o desenvolvimen to de Ciência e Tecnologia e de Engenharia, em grande escala, e assumem o protagonismo geo político mundial.
Esta realidade adentra o sé culo XXI, ainda que acompa nhado de perto por dois gigan tes industriais orientais, igual mente ricos em energia — pe tróleo e carvão: Rússia e China.
O Brasil atravessa o século XX sem mudança. Avança em seu processo de industrialização e desenvolvimento de Ciência e Tecnologia e de Engenharia.
A causa disto é a mesma: inexistência de oferta abundante de energia a baixo custo. Não tínhamos (não temos) carvão metalúrgico e petróleo.
E aqui temos que entender os conceitos: modernamente, para ser classificado como processo "in dustrial" de transformação (que não é o extrativismo) é imprescin dível que exista — intimamente associado e devidamente organi zado — o esforço para a inovação permanente. Caso contrário, não é atividade industrial.
É o caso, por exemplo, de nossa "indústria automobilística" — o que na realidade, é um "serviço de montagem de produtos industriais" de outros países.
Dados recentes do PIB brasileiro apontam que o produto "industrial" brasileiro concorre com 24%. Se restringirmos ao produto da "indústria" de transformação cai para a metade, em torno dos 13%. Mas se aplicarmos o conceito moderno de industrialização (aquele que efetivamente concorre centralmente para o desenvolvimento integral, soberano de qualquer nação), nossa indústria, verdadeiramente, contribui pouco; talvez em torno dos 5% para o nosso PIB.
Conclusão: com poucas exceções, não somos um país industrializado; por isto também não somos uma nação plenamente soberana, com a chamada "autonomia de decisão".
Causa desta situação: carência de oferta de energia abundante a custos baixos.
Nossa empresa estatal de petróleo, a Petrobrás, estava estagnada. Concentrada suas atividades na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro; e deixou outras bacias para atrair as empresas estrangeiras.
O Brasil reverteu esta situação e sinalizou que a Petrobrás reassumisse sua condição de protagonista principal do setor de petróleo e gás natural do Brasil.
Os resultados foram imediatos. Em 2006, descobrimos o Pré–sal, na Bacia de Santos, que estava abandonada havia anos.
Com seu imenso volume de reservas, hoje já representa mais de 50% da produção brasileira; e muito gás natural, rico em matéria–prima para fertilizantes e para a produção petroquímica. A descoberta do Pré–sal veio propiciar, em território nacio nal, a base energética sobera na, sustentada, pelas próximas décadas — por todo este sécu lo —, que o Brasil necessitava para um projeto nacional–de senvolvimentista autônomo; de longo prazo; com Estado e empresas privadas brasileiras juntos; com desenvolvimento de ciência, tecnologia e engenharia genuinamente brasi leiras; e com aumento na geração de empregos de elevada qualificação, atendida por pro fissionais formados em nossas universidades.
Para isto, o novo Marco Regulatório do Pré–sal, de 20101, estabeleceu a Petrobrás como operadora única. O operador é aquele que define todos os critérios: tecnologia; engenharia; projeto; equipamentos etc. Além de a política de conteúdo nacional.
Condição absolutamente ne cessária para que, em obediên cia ao postulado do conteúdo nacional obrigatório e crescen te, o desenvolvimento indus trial brasileiro seja garantido a longo prazo.
Soberano em energia — com uma matriz energética dentre as mais equilibradas do mundo, entre renováveis e fósseis —, com riquezas minerais gigan tescas, com a maior reserva de água potável do planeta, com a projeção de ser o maior produtor de alimentos da terra e uma população estabilizada, o Brasil detinha, afinal, em mais de 500 anos de história, as condições de construir uma nação demo crática, igualitária, socialmente justa e equilibrada; que passaria de mero coadjuvante para um lugar de protagonista na cena geopolítica mundial.
O grande poder financeiro mundial reagiu. Através de os países que o representam — e suas estruturas políticas de segurança; e informação, econômi cas e até militares —, com seus aliados nativos, assumiu o go verno brasileiro com um golpe de Estado, em 2016.
Deu no que deu.
Em menos de quatro anos todo este conjunto de fatores estratégicos, sob controle do Estado e da sociedade brasileiros, foi destruído. O nosso Pré–sal — descoberto por geó logos, técnicos e operadores bra sileiros e pela empresa estatal brasileira — foi simplesmente entregue aos interesses exter nos, com todo seu poderio, re presentado por suas empresas petrolíferas.
Retornamos à velha condi ção de país dependente, submis so, sem soberania e sem futuro.
A realidade do Brasil é: somos a nona economia do mundo, mas o 72º lugar em consumo de energia por habitante, índice que mede a qualidade de vida. Isto é confirmado quando o Brasil está entre os dez países mais desiguais do planeta, com cerca de 15% de sua população de analfabetos. Somos
o segundo maior produtor mun dial de alimentos; e importamos 75% de nossos fertilizantes.
No Brasil, a taxa de desem prego alcança 13%, dos quais 50.000 são engenheiros; e 25% dos trabalhadores não têm car teira assinada. Ocupamos a 42ª posição em inovação: isso refle te a nossa realidade de país de sindustrializado. A economia em processo de internacionali zação; nossas empresas públicas sendo compradas por empresas estrangeiras.
A velha sociedade da Casa Grande — escravagista; pre conceituosa; amoral; violenta e ignorante — retomou o poder. Regredimos 100 anos.
GUILHERME ESTRELLA, geólogo aposentado e gerente de exploração e produção da Petrobrás de 2003 a 2012
TRABALHISTAS EM DEFESA DA
PETROBRÁS
"Sabemos que há um grupo que não cessa de se utilizar de determinados expedientes políticos reacionários, no sentido de impedir a marcha do desenvolvimento econômico do Brasil."
Sérgio Magalhães
Fonte: Legados Trabalhistas
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