Os gases de um efeito antidesenvolvimentista
Não faz sentido o Brasil impor a si próprio obstáculos aos empreendimentos produtivos como a exploração e produção de petróleo na Margem Equatorial
Na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP27), em 2022, no Egito, diversos líderes do mundo se reuniram. E uma das principais patrocinadoras do evento foi a Coca-Cola. A hipocrisia não tem limites, pois essa empresa produz 12 milhões de garrafas plásticas por minuto. E essas garrafas levam 450 anos para se decompor no meio ambiente.
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O capitalismo incorpora as críticas ao seu modelo, gerando através do marketing uma narrativa manipulativa, como bem explicou Foucault em sua obra, sobre o poder e a linguagem. As empresas fazem propagandas, consolidando sua boa imagem na sociedade, como “green marks”. Empresas de consultoria elaboram listas das marcas mais verdes do planeta. Empresas poluidoras que implementam “práticas sustentáveis” e que principalmente comunicam bem seus esforços aos consumidores.
No dia 22 de junho de 2023, em um discurso para uma multidão que participava do festival Power Our Planet em Paris, o presidente Lula não poderia estar mais correto ao responsabilizar os países ricos pelos supostos danos que foram causados ao meio ambiente.
“Não foi o povo africano que poluiu o mundo. Não foi o latino-americano. Na verdade, quem poluiu o planeta nos últimos 200 anos foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial e, por isso, têm que pagar a dívida histórica que têm com o planeta Terra”.
Este texto não tem a pretensão de refutar as Mudanças Climáticas. Entretanto, existem algumas questões importantes a serem compreendidas do ponto de vista de uma nação que pertence ao capitalismo periférico como o Brasil. Como quais são exatamente os gases do efeito estufa, entender de onde vêm as emissões de gases de efeito estufa no Brasil, analisar as emissões acumulativas desde 1850 e finalmente refletir a partir dessas análises sobre o futuro da área de Petróleo e Gás no Brasil.
Quais são os Gases do Efeito Estufa (GEE)
O dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O) são os principais gases do efeito estufa (GEE). O CO2, que é o gás mais comentado na mídia global, se relaciona com a queima de combustíveis fósseis, queimadas e desmatamentos.
Entretanto, o gás metano tem também uma considerável participação no total de gases emitidos para a atmosfera, cerca de 27% no Brasil. O metano, que é gerado principalmente pelo processo de fermentação entérica do gado, tem um potencial de aquecimento global, em inglês, o GWP (global warm potential), 21 vezes maior do que o CO2. Atividades agrícolas e aterros de resíduos urbanos também podem gerar gás metano.
O óxido nitroso (N2O) é mais um dos gases “esquecidos” que contribui 298 vezes mais para o efeito estufa do que o dióxido de carbono (CO2). Esse gás está relacionado, em grande parte, com a produção agrícola não familiar, ou seja, as mega fazendas do agronegócio do Brasil e mundo afora. A emissão de N2O é causada pela agricultura com muita fixação de Nitrogênio no solo, um processo artificial inventado pelos Alemães em 1915. Então ocorre muita emissão de N2O para a atmosfera que é um potente gás do efeito estufa.
Além destes 3 principais, o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, em português: “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas”) também lista como GEE os seguintes gases: os hidrofluorocarbonetos (HFC), os perfluorocarbonetos (PFC), o hexafluoreto de enxofre (SF6) e o trifluoreto de nitrogênio (NF3).
De onde vêm as emissões de gases de efeito estufa no Brasil
Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade (ICS), define que “os grandes vilões são os desmatamentos e as queimadas. Esse tipo de emissão dobrou na última década”. São os próprios especialistas que fazem essa afirmação, o ICS (Homepage - iCS (climaesociedade.org) ) se define como um instituto que pretende enfrentar as mudanças climáticas no Brasil.
Em 2021 o crescimento das emissões dos GEE no Brasil foi de 12,2% em relação ao ano anterior, quando o país emitiu 2,1 bilhões de toneladas brutas de CO2e. Para entender melhor esse crescimento algumas comparações são necessárias, a partir dos gráficos 1, 2 e 3
Gráfico 1- Emissões de gases de efeito estufa (GtCO2 e) do Brasil de 1990 a 2021 (Página 6 do Relatório SEEG, 2023).
Gráfico 2 - Participação dos setores no perfil das emissões brasileiras em 2020 e 2021 (Página 6 do Relatório SEEG, 2023).
Gráfico 3 - Emissões de gases de efeito estufa no setor de Energia ente 1970 e 2020. (Página 21 do Relatório SEEG, 2023).
A mudança de uso da terra e floresta, setor que compreende principalmente o desmatamento, sobretudo na Amazônia, corresponde a 49% das emissões de GEE no Brasil. E o setor agropecuário a 24% das emissões em 2021.
Esses setores, conforme mostra o gráfico 1, são historicamente os maiores responsáveis pelas emissões de GEE no país. Os dois setores juntos, que se referem a atividade agropecuária em sentido amplo, representam 73% de toda a poluição climática brasileira.
Entre 2003 e 2016 ocorreu uma redução das emissões por mudança de uso da terra e floresta (MUT) de 58%. Entretanto, entre 2018 e 2021, nota-se um aumento de 35% por MUT.
Em relação as emissões dos GEE relacionadas ao setor de Energia (Transportes, Produção de Combustíveis, Consumo Energético Industrial, Geração de Eletricidade, Consumo Energético em Edificações e Agropecuária) ocorreu um aumento de 53% entre 2003 e 2014. E entre 2015 e 2021 os níveis de GEE não variaram. Além disso, no período da pandemia, entre 2019 e 2020, as emissões ligadas ao setor de energia sofreram uma retração de 4,6%. Principalmente devido a recessão e ao isolamento social, que reduziu o consumo de combustíveis.
Apenas 18% das emissões se devem ao setor de energia, e este setor tem fundamental importância para o crescimento da economia do país e a geração de emprego.
De 2015 até 2020 as emissões de gases do efeito estufa reduziram em três importantes atividades do setor de energia: Transportes (10%) e Indústria (19%) e Geração de Eletricidade (35%). A emissão dos GEE da atividade de Produção de Combustíveis se manteve aproximadamente constante no período.
Uma visão das emissões dos GEE acumulativas desde 1850
Nos estudos sobre emissões totais de GEE se utiliza a unidade: MtCO2e, onde cada um dos gases é transformado em um valor equivalente de CO2. O gráfico 4 foi gerado a partir de dados obtidos da plataforma aberta Climate Watch, 2023. Esse gráfico mostra as emissões líquidas totais, considerando gases removidos da atmosfera pela vegetação, dos gases do efeito estufa em unidade de CO2 equivalente (CO2e) dos Estados Unidos, Brasil e Europa de 1850 até 2021.
Gráfico 4: Emissões de gases do Efeito Estufa (GEE) entre 1850 e 2021 (Estados Unidos, Brasil e Europa. (Fonte: Elaboração própria).
Em 1901 os EUA passaram a emitir mais GEE do que a Europa, tornando-se cada vez mais a potência hegemônica global. O ponto 1 no gráfico mostra um declínio nas emissões devido à crise de 1929, mais acentuadamente nos EUA, mas também na Europa. Os efeitos da destruição da Europa na Segunda Guerra Mundial (ponto 2) também podem ser percebidos. E mais recentemente a crise de 2008 também provocou uma redução nas emissões.
Enquanto nos EUA a Standard Oil estruturava cada vez mais os seus processos industriais, já a partir do início do século XX, os níveis de GEE do Brasil são praticamente desprezíveis até o início da industrialização do país, na década de 1930.
Um estudo recente (Hickel, 2022) responsabiliza em 67% a parcela de culpa pelo aquecimento global aos Estados Unidos (EUA) e à União Europeia (UE). Esse artigo analisa a emissão dos gases do efeito estufa (GEE) entre 1970 e 2017.
Conclusões
A Mudança de uso da Terra e Floresta (MUT), relacionada principalmente com o desmatamento na Amazônia, e o setor agropecuário representam juntas 73% de toda a poluição climática brasileira relacionada com as emissões totais dos gases do efeito estufa. Apenas 18% das emissões se devem ao setor de energia.
Entre 2018 e 2021 nota-se um aumento de 35% das emissões de GEE por mudança de uso da terra e floresta (MUT), o que se explica pela irresponsabilidade do governo anterior com a questão climática e ambiental, em especial a um agravamento substancial das queimadas na Amazônia.
Historicamente o gráfico 4 mostra o quanto as emissões dos GEE foram fundamentais para o desenvolvimento das nações com elevado padrão de qualidade de vida e renda per capita. Pois essas emissões se relacionam com o consumo per capita de energia ao longo do tempo e este foi sempre bem superior à do Brasil.
Entendendo melhor quem são os responsáveis pela emissão dos gases do efeito estufa fica claro que dentro da lógica da preocupação global com o Aquecimento Global o país pode reduzir substancialmente as emissões dos GEE através da redução das queimadas na Amazônia.
Não se deseja o crescimento das emissões dos gases do efeito estufa, mas sim realizar uma escolha entre quais emissões devem ser evitadas e quais seriam inevitáveis e fundamentais para tornar o país uma nação desenvolvida. É preocupante quando afirmam que as emissões dos GEE se relacionam principalmente e exclusivamente com a atividade econômica no Brasil. Porém, o grande vilão é o desmatamento. E na verdade, desde 2015 ocorreram significativas reduções dessas emissões no setor de Transportes (10%), Indústria (19%) e Geração de Eletricidade (35%).
Após a recessão causada pela pandemia do COVID-19, é fundamental que ocorra um crescimento de algumas atividades fundamentais para o desenvolvimento da economia do Brasil. Em especial, as atividades de Transportes, Produção de Combustíveis, Consumo Energético Industrial e Geração de Eletricidade. São setores de fundamental importância para o crescimento econômico e a geração de emprego.
É de grande importância o estabelecimento de políticas que apoiem a reindustrialização do Brasil. Atividades fundamentais da economia (Transportes, Produção de Combustíveis, Consumo Energético Industrial e Geração de Eletricidade) mostram acentuadas retrações de até 35% desde 2015 nas emissões de GEE relacionadas a estas atividades.
As emissões dos gases do efeito estufa tem um efeito acumulativo, sendo que cerca de 67% da culpa pelo aquecimento global se deve aos Estados Unidos e à União Europeia (Hickel, 2022). E esses países representam cerca de 10% da população mundial. Ou seja, poucos poluem muito.
O gráfico 4 mostra o total de emissões dos gases do efeito estufa em unidade de CO2 equivalente (CO2e) dos Estados Unidos, Brasil e Europa de 1850 até 2021. Analisando o gráfico fica claro que as emissões dos GEE se relacionam com a atividade econômica dos países.
Não faz sentido o Brasil impor a si próprio obstáculos aos empreendimentos produtivos como a exploração e produção de petróleo na Margem Equatorial brasileira (MEQ), tendo em vista que possivelmente atendem a rigorosos critérios de proteção do meio ambiente. Pois é um país que precisa consumir cerca de cinco vezes mais petróleo e gás natural para pretender chegar aos níveis de desenvolvimento norte americano ou europeu.
Concluindo, os Gases do Efeito Estufa (GEE), dentro da realidade brasileira, não podem se tornar os Gases de um Efeito Antidesenvolvimentista (GEA). Pois, nesse caso se transformam em mais uma das estratégias para impedir o desenvolvimento do Brasil.
Gustavo José Simões, doutor em Engenharia Mecânica pela UFRJ e Historiador.
Referências
CLIMATE WATCH. Disponível em:< https://www.climatewatchdata.org/>. Acesso em: junho 2023.
Hickel J, O'Neill DW, Fanning AL, Zoomkawala H. National responsibility for ecological breakdown: a fair-shares assessment of resource use, 1970-2017. Lancet Planet Health. 2022 Apr;6(4):e342-e349. doi: 10.1016/S2542-5196(22)00044-4. PMID: 35397222.
SEEG. Disponível em: https://seeg.eco.br/wp-content/uploads/2023/03/SEEG-10-anos-v4.pdf. Acesso em: junho 2023.
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