A civilização da fotossíntese
Um dos fatores que atravancaram o Proálcool foi a legislação que proibia a comercialização direta entre pequenos produtores rurais e Petrobrás.
Em vários momentos a rever o que havia sido realizado pelo Programa Nacional do Álcool de 1975, J. W. Bautista Vidal sublinhou o equívoco de conceber o álcool apenas como um substitutivo da gasolina, tal qual a visão limitada que o associa sendo extraído de uma única matéria prima: a cana-de-açúcar. Na verdade, com tecnologia e financiamento inteiramente nacionais, o Proálcool tinha o propósito de abarcar a produção dos óleos vegetais, dos grãos e dos alimentos. Esse foi um acontecimento revolucionário na história da agricultura mundial segundo o geólogo Marcello Guimarães, porquanto enseja o plantio simultâneo de energia e de comida na terra. É o contrário do que andou por aí divulgando um néscio no assunto, Jean Ziegler, sobre a incompatibilidade entre a produção do álcool combustível e do alimento, e que foi desmistificado por Fernando Netto Safatle em A Economia Política do Etanol (2011).
Quanto à questão da agricultura e da fome, é curioso que o jornalista Gondin da Fonseca, defensor da política nacionalista de Getúlio Vargas, didatizava na década de 1960 que um dos principais agentes da reforma agrária deveria ser a Petrobrás, diga-se, uma a Petrobrás que não fosse anti-nós. A propósito, um dos fatores que atravancaram o Proálcool foi a legislação que proibia a comercialização direta entre pequenos produtores rurais e Petrobrás. Destarte, destinado à exportação, o latifúndio nunca foi produtor de comida para o povo. Em geral a crítica ao Proálcool é perfunctória, pois demonizam a cana-de-açúcar e não condenam o latifúndio e os usineiros. Afinal, perguntava Bautista Vidal se a cana-de-açúcar não poderia vir a ser a planta do socialismo nos trópicos. Iracundo, dizia que o objetivo do programa não era o de enriquecer os usineiros e com isso fortalecer a monocultura. A agricultura na história do Brasil sempre esteve submetida ao monopólio da terra, o Proálcool (nascido durante um dos governos militares) não tinha por meta alterar as relações sociais do mundo agrário. Durante o governo Geisel, concomitantemente ao Programa do Álcool, foram anunciados os "contratos de risco" com as empresas petrolíferas estrangeiras. Convém não deslembrar das profundas contradições do governo Geisel em que ao mesmo tempo o nacionalismo de Severo Gomes convivia com o entreguismo de Shigeaki Ueki e Reis Veloso.
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O engenheiro Sérgio de Salvo Brito foi um pensador da energia e da floresta dos trópicos que se notabilizou por ter conceituado a civilização da fotossíntese, desconhecido até hoje por causa da alienação colonial que impera nas ciências naturais e sociais. Salvo Brito, amigo de Bautista Vidal, o considerou um dos notáveis integrantes da Escola da Biomassa, a par do químico Sebastião Simões Lopes Filho e do geólogo Marcello Guimarães.
Sebastião Simões Filho percebeu a importância da energia vegetal na química. Com uma visão totalizante do processo químico, Sebastião Simões Filho mostrou que a evolução energética se processou em busca do combustível mais concentrado: lenha, carvão-de-pedra e petróleo. Depois que se atingiu o zênite da concentração energética surgiu a consciência dos hidratos de carbono armazenados nos vegetais, ou seja, o fundamento da alcoolquímica. A primeira forma de combustível orgânico – a biomassa vegetal – reaparece agora com outras dimensões tecnológicas e econômicas, depois da sequência carvão mineral/petróleo. Atente-se que a Escola da Biomassa recusou peremptoriamente o nuclear na fase pós-Petróleo. Todos os derivados do petróleo podem ser substituídos pelos derivados da biomassa energética. Por conseguinte, o futuro é a alcoolquímica ecologicamente limpa e não a petroquímica tóxica.
Entende-se por civilização da fotossíntese o que norteou o ideário de Bautista Vidal como professor de geofísica no limiar da década de 1960. Vale sublinhar que o professor Leite Lopes em seu livro Ciência e Libertação (1969) teve a argucia de registrar o processo de descolonização da geofísica com Bautista Vidal na Bahia. Uma civilização da fotossíntese, acrescentou Marcelo Guimarães, teria como sustentáculo o combustível vegetal em sua forma líquida, sólida e gasosa. É a utilização múltipla das florestas tropicais úmidas com as madeiras nativas e de grande durabilidade, a exemplo da aroeira do sertão, do vinhático do cerrado, da candeia da folha miúda, assim como as florestas para a produção de forragens em período de seca com a leucena, a canafístula e a bracatinga, juntamente com as palmáceas juçara, açaí e pupunha, que são fontes de combustíveis e alimentos. Essas modalidades de florestas têm por função equilibrar o clima e sequestrar o gás carbônico da atmosfera. Com o manejo adequado e racional dessas florestas, naturais ou plantadas, seria possível gerar centenas de milhares de empregos nas áreas rurais e produzir energia, limpa e renovável, incluindo a base energética das siderurgias de gusa, aço e cimento.
Em novembro de 1987 o engenheiro Sérgio de Salvo Brito escreveu o texto "Energia, Tecnologia e Meio Ambiente”. Nele observa-se a preocupação com o uso de uma tecnologia adequada ao trópico, denunciando a utilização dos "pacotes externos" responsáveis pela dependência e pelo subdesenvolvimento do país. São de enorme valia as contribuições do eminente engenheiro Sérgio de Salvo Brito, o qual se destacou por refletir sobre as regiões intertropicais na produção de energia renovável, mas que devido a sua morte prematura não chegou ainda ao conhecimento dos cientistas.
Nascido em Minas, engenheiro pós-graduado em física nuclear na França, um dos membros ativos do grupo mineiro do tório, Sérgio de Salvo Brito é considerado, não obstante sua exígua produção intelectual (muitos de seus textos permanecem ainda inéditos e em forma de relatórios), um dos mais argutos e originais teóricos do desenvolvimento por ter conceituado a "civilização da fotossíntese"
O combustível fóssil e a acumulação de capital estavam e estão condenados em nome da preservação natureza e da vida humana. Portanto haveria que se eliminar o binômio petróleo/dólar. O capital é fóssil desde a revolução industrial com a tecnologia da máquina a vapor. Fato é que a sociedade de classe não permite a existência de uma natureza limpa. O lucro é antiecológico. A superexploração do trabalho não está apartada do colapso do meio ambiente. É enorme a dificuldade de livrar-se da ideologia do fóssil. As economias dependentes do petróleo foram impostas pelo poder mundial e suas classes dominantes. Resta saber - e essa era a grande dúvida de Sergio de Salvo Brito - se o combustível fóssil seria compatível com o socialismo.
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