Bautista Vidal antecipou a necessária transição energética em escala mundial
Mantidas em segredo pelas companhias multinacionais, as “reservas” são sujeitas à manipulação política em coluío com a mídia dominante
Há quase meio século, antecipando a crise energética e a devastação ambiental em nível planetário, abrangendo tanto a latitude subdesenvolvida quanto a desenvolvida do mundo, o engenheiro Bautista Vidal realizou com maestria e competência o Programa Nacional do Proálcool em 1974, preparando efetivamente a travessia do hidrocarboneto para o hidrato de carbono.
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Em vários de seus livros nos quais tive parceria autoral como em Poder dos Trópicos e Petrobrás: Um Clarão na História, o culto e humanista professor de termodinâmica repisava que o Brasil poderia estar na vanguarda da travessia do fóssil e do nuclear, se palmilhasse o caminho do álcool e dos óleos vegetais contribuindo para superar o Air Pollution e a contaminação radiotiva.
Quando jovem, pós-graduando em energia nuclear em Stanford, Bautista Vidal visava esclarecer as Forças Armadas quanto ao risco de se fazer uso dessa matriz energética destrutiva, a exemplo do desastre ocorrido em Castle Bravo nos Estados Unidos. É preciso não deslembrar que há décadas mantinha contato intelectual e laços de amizade com os militares nacionalistas Sérgio Xavier Ferolla e Roberto Gama e Silva.
Por outro lado, releva dizer que na área dos combustíveis líquidos dialogava com os engenheiros e técnicos da AEPET, notamente Argemiro Pertence, Fernando Siqueira e Ricardo Maranhão. Um aspecto que ainda não foi devidamente acentuado em sua biografia intelectual é o caráter poliédrico de sua investigação energética e tecnológica, a começar da geofísica na Petrobrás e o complexo industrial de Camaçari na Bahia, o que ensejou a pioneira pesquisa em águas marítimas.
Bautista Vidal não cansava de repetir em nossas conversas e em suas palestras que o ponto de inflexão de sua atividade profissional se deu quando o empresário e intelectual Severo Fagundes Gomes o convidou para dirigir a secretaria de Ciência e Tecnologia no governo Ernesto Geisel. Isso sucedeu à época do embargo mundial do petróleo e da tomada de consciência de que o combustível fóssil era finito, escasso, com os dias contados mesmo nos países que no passado tiveram abundantes poços de petróleo. Atenção, alertava: mantidas em segredo pelas companhias multinacionais, as “reservas” são sujeitas à manipulação política em coluío com a mídia dominante.
A Secretaria de Tecnologia foi decisiva em sua trajetória científica e política dos anos 70 em diante, sua consciência nacionalista e anti-imperialista se aguçou ao conectar o hidrocarboneto, a arbitrária emissão do dólar e o poder bélico. Didaticamente resumia o quadro internacional com o seguinte raciocínio: o dólar, “moeda falsa”, só vale porque compra petróleo sob ameaça militar. Não por acaso daí seguiu-se a assimilação crítica das lições do historiador marxista Nelson Werneck Sodré sobre a revolução de 30 e a trágica Carta Testamento de Getúlio Vargas. Simultaneamente à consciência da rapina energética do imperialismo, sobreveio com intensidade radical a crítica à Cepal e aos pacotes tecnológicos externos defendidos pela esquerda liberal de Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso.
Em nossas conversas, em nossos ágapes, como ele preferia chamá-las, eu lhe dizia que a verdadeira guinada de Epicuro em seu pensamento foi a elaboração do conceito, baseado na alcoolquímica de Sérgio de Salvo Brito, sobre a civilização da fotossíntese. Somente a ecológica biomassa, orientada pelo sol dos trópicos, indo além do sistema de produção de mercadoria, é capaz de salvar a humanidade derruída pelo CO² lançado na atmosfera, que é o principal responsável pelo aquecimento global e pela elevação do nível dos oceanos.
O poder da energia dos trópicos, com equidade social e justiça ecológica, exige o ocaso da acumulação de capital e da lógica do lucro. A mensagem de Bautista Vidal era clara: não é com tecnologia que se resolve o problema do aquecimento climático. Um dia não muito distante, disso tenho certeza, alguma instituição científica fará justiça ao legado de J.W. Bautista Vidal. Creio não ser preciso sublinhar que o povo e o país têm sido prejudicados por Bautista Vidal permanecer no ostracismo científico desde quando estava vivo durante os governos democráticos. Restou no entanto um teorema Segundo o qual não há possibilidade de construir um Brasil socialista e uma civilização ecológica sem o saber de Bautista Vidal na área energética.
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