À medida que o tempo passa, se acentuam as tragédias econômica e ambiental decorrentes da desoneração - originada na chamada lei Kandir - das exportações dos produtos primários e semielaborados.
Ao postergar indefinidamente a regulamentação da indenização prevista na constituição federal pelas perdas dos estados com esta desoneração tributária, o governo central admite que elas são vultosas e permanentes.
Uma das principais âncoras do plano real, o câmbio fixo (paridade real x dólar) debilitou as reservas nacionais compelindo os estados a aceitarem este sacrifício tributário, pois era preciso a participação de todos no esforço para consolidar o plano real e para obter moeda forte visando reduzir a vulnerabilidade externa do país.
Contudo, já no início do ano de 1999 esta política cambial foi profundamente alterada o que provocou uma maxidesvalorização cambial – novamente ocorrida em 2002 -, mas, mesmo assim, esta desoneração foi mantida.
Com a nova política cambial e com o grande acúmulo das reservas provenientes da exportação de commodities, o objetivo principal da desoneração se esgotou, mas, em vez de serem revogados, os dispositivos da lei foram constitucionalizados.
Para continuar tentando sustentar esta política tributária, o governo central continua espalhando sofismas como o de que não se exporta imposto.
Ora, a ideia de tributar a exportação dos primários e semielaborados tem a intenção de retê-los no território nacional para que ocorra a instalação de uma cadeia produtiva a fim de que se exporte – aí sim ao correto abrigo do benefício tributário - produtos elaborados com maior valor agregado evitando a transferência de empregos e renda para outros países.
O exemplo da soja no RS é emblemático, pois o parque fabril de esmagamento foi praticamente aniquilado com o incentivo para a exportação do grão.
No caso da mineração a situação é ainda mais grave, pois, como o recurso não é renovável, o permanente incentivo à exportação vem em prejuízo tanto da atual quanto das futuras gerações e em benefício de algumas poucas mineradoras.
Por serem minimamente tributadas, as mineradoras absorvem a grande parte da renda mineral, que deveria ser repartida com a nação brasileira que é a proprietária destes finitos recursos.
Em todos os casos, o produtor tende a acompanhar a lógica financeira imediatista de não se submeter aos custos da industrialização já que ele pode obter renda apenas plantando ou abrindo buracos.
Esta política deteriora os meios de troca, pois provoca atraso e dependência em relação às nações mais desenvolvidas em função do valor agregado na exportação dos produtos por elas elaborados.
Outro sofisma divulgado diz que o custo do ICMS é um fator de perda de competitividade do preço dos produtos primários e semielaborados.
Ora, sabemos que o preço internacional destes produtos é regulado pelo mercado e não pelo seu custo, como, aliás, recentemente foi verificado com a exportação de minério de ferro para a China.
É bom repetir que a oneração faz parte da lógica do sistema, pois a tributação destes produtos visa não a simples arrecadação tributária, mas a retenção dos produtos no local da produção para submetê-los ao processo de industrialização gerando, com isto, emprego e renda no País.
Também é bradado o sofisma de que estas exportações trouxeram ganhos para arrecadação dos estados.
Na verdade, a expansão da arrecadação verificada pós 1999/2000 decorreu do aumento das alíquotas em diversas unidades da federação bem como do aumento dos preços e da demanda das chamadas operações "blue-chips", notadamente combustíveis, comunicação e energia elétrica.
Além disto, o aumento do ICMS está associado em grande parte 1) a ampliação da prática da substituição tributária; 2) a implantação da nota fiscal eletrônica; e 3) ao avanço tecnológico e de gestão da administração tributária dos estados. A lei Kandir, além de afetar sensivelmente a relação federativa, modificou o modelo de desenvolvimento previsto na Constituição Federal que é o da substituição de importações e o da oneração dos produtos estrangeiros, beneficiando, assim, os produzidos internamente e incentivando a exportação de produtos elaborados, que geram renda, emprego, desenvolvimento tecnológico e maiores volumes de divisas para o nosso país.
Com a decisão de concentrar cada vez mais poderes via debilitação dos demais entes federativos, o governo central vai formando uma estrutura burocrática cada vez maior que, por sua vez, procura apaixonadamente consolidar e ampliar suas competências a ponto de, na prática, tentarem transformar os governadores em meros gerentes de província.
Portanto, urge a revogação imediata destes dispositivos constitucionais que, tragicamente, estão destruindo o modelo de desenvolvimento estabelecido pelos constituintes de 1988.
A propósito, o desastre ambiental de Minas Gerais que transformou o rio Doce em um rio de lama e contaminou as águas subterrâneas da região com altos níveis de metais pesados tem nome: Mariana; e sobrenome: lei Kandir.
João Pedro Casarotto - Auditor-Fiscal do RS, aposentado e membro da FEBRAFITE.
Fonte: Auditoria Cidadã
Comentários
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E Azenha prossegue relatando seu encontro com Lúcio Flávio Pinto: “Quando a exploração de Carajás começou, em 1984, a previsão é de que a mina duraria 400 anos. Ao ritmo de 100 milhões de toneladas por ano, que devem crescer para 230 milhões em 2016, a previsão agora é de que Carajás dure mais 80 anos, diz Lúcio Flávio. ‘Um crime de lesa Pátria’, ‘um crime que viola a soberania do país’”.
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O minério de ferro deveria sair de Carajás e ir para uma siderúrgica, dentro do país. A seguir, para uma metalúrgica, para uma forjadora, etc. Esse caminho agregaria valor ao mineral ao mesmo tempo em que oportunizaria a geração de empregos, milhares, e avanços tecnológicos também dentro do país.
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Mas, como a Vale do Rio Doce é empresa privada, que só tem compromisso com os lucros de seus donos e/ou acionistas, não está nem aí para com as necessidades do país. Ela quer extrair o máximo de retorno com um mínimo de investimento.
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Na matéria que publicou em seu sítio, viomundo.com.br, relatando um encontro que teve com Pinto, o também jornalista Luiz Carlos Azenha enfatizou:
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“Durante 50 anos, os Estados Unidos importaram 1 milhão de toneladas anuais do Brasil. E até hoje guardam estoques estratégicos do minério brasileiro, de altíssima qualidade, que misturam ao minério de baixa qualidade para garantir a siderurgia local, dependente em 90% das importações. A mina do Amapá se esgotou em 2002. Qual foi o legado principal para o estado?”
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Essa malfadada lei é um dos tantos “benefícios” que os tucanos, em associação com os demos e outros partidos privatistas e entreguistas, legaram ao povo brasileiro. Uma quantidade monumental de recursos – bilhões e mais bilhões – deixam de entrar nos cofres públicos brasileiros todo ano para irem fazer a farra de lucros de um punhadinho de gente: os donos de grandes mineradoras e seus acionistas.
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São muitos bilhões que poderiam estar sendo investidos em políticas públicas em favor do povo com um todo e ajudando a garantir uma vida digna para cada brasileira e cada brasileiro. Além disso, como alerta nosso auditor fiscal, a lei Kandir solapa o desenvolvimento da capacidade industrial do nosso país.