INTRODUÇÃO
Recebendo novos navios-tanque produzidos na China, o atual presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, fez uma declaração para a FGV que assustou empresários e trabalhadores da construção naval brasileira:
"O Brasil tem vantagens em recursos naturais e os chineses têm potencial industrial"
É bom que empresários e trabalhadores brasileiros, mesmo que com muito atraso, comecem a perceber o que de fato nos aguarda.
Recentemente publiquei artigo com o título "É melhor aprendermos a jogar o "GO", pois os chineses vêm aí. Petrobrás é a cereja"
O presente artigo é uma continuação e atualização daquele, cuja leitura recomendo para melhor entendimento.
MUDANÇAS
A mudança de postura do governo Bolsonaro em relação à China é muito clara. No início mostravam aversão à presença chinesa no Brasil e contrários ao crescimento da relação comercial com o país asiático. Mas logo perceberam o erro e o discurso mudou, como mostramos no primeiro artigo sobre este tema.
A mudança de postura brasileira acompanha as alterações no cenário econômico mundial, que à partir dos anos 80 do século passado foi tomado pela teoria neoliberal globalizante. Esta teoria, base do desenvolvimento do sistema rentista mundial, sustentada por enormes fundos de investimento ( a banca financeira) logo começou a mostra seus problemas: excesso de concentração de renda e aumento da pobreza no mundo.
A pandemia do clovid-19 mostrou novos e incontornáveis problemas.
O economista alemão, professor da Universidade de Siegen, Niko Paech, em entrevista à DW Brasil, apontou que "a escassez de equipamentos médicos, em meio a crise do novo coronavirus expõe o ponto fraco de um modelo de produção que se baseia numa cadeia produtiva elaborada, na qual a produção de bens é distribuída pelo mundo inteiro. Esse modelo é um tipo de economia de céu de brigadeiro. Quando não há crise ele é vantajoso por reduzir os custos, mas quando um elemento dessa rede em algum lugar falha, ele desmorona".
A conceituada revista inglesa "The Economist", publicou artigo no último dia 14 de maio salientando "Em todo o mundo a opinião pública está se afastando da globalização. As pessoas ficaram perturbadas ao descobrir que sua saúde depende de uma briga para importar equipamentos de proteção e dos trabalhadores migrantes que trabalham em casas de repouso e fazem as colheitas" e completa "Dê adeus à maior era da globalização – e se preocupe com o que vai tomar seu lugar".
Com recursos investidos pelo mundo superiores a US$ 40 trilhões ( o dobro de PIB americano ), a banca financeira não vai desaparecer de um dia para o outro. Sua atuação vai permanecer por muitos anos em diversos países.
Mas enquanto a globalização e a banca financeira vão perdendo força, em seu lugar é notória a expansão da economia chinesa e sua influência em muitas regiões.
No Brasil, mesmo que poucos deem importância a isto, a China representa uma atração similar à que a Terra representa para a Lua, ou que o Sol representa para a Terra.
Não bastassem os mais de US$ 100 bilhões investidos pelos chineses no Brasil desde 2007, hoje vão para China 70% da soja exportada, mais de 50% do minério exportado pela Vale e mais de 70% do petróleo cru exportado pela Petrobrás. Em 2019 o superávit comercial do Brasil com a China superou US$ 27 bilhões. Precisa mais ?
O fato é que estamos num caminho sem volta, o problema é que não conhecemos o destino. Nós não sabemos jogar o GO.
CASTELLO BRANCO
Todos sabemos que o Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, é o principal defensor dos interesses neoliberais e da banca financeira internacional no Brasil.
Com o declíno da globalização Paulo Guedes não deverá permanecer muito tempo mais no cargo. Na verdade ele já teria sido desligado não fosse a inesperada saída do ministro Moro. A retirada simultânea de dois ministros de peso seria politicamente inadequado para o governo.
O presidente de uma empresa como a Petrobrás não faz declarações à esmo, sem objetivos. Tudo que é falado é muito bem pensado e discutido com vários setores.
Na própria Petrobrás assistimos a facilidade com que muitas "figuras" que sempre defenderam as políticas de Lula/Dilma, mudaram de lado se acomodando sob nova direção.
Castello Branco não é diferente. Foi nomeado presidente da Petrobrás por Paulo Guedes. Sua frase indica que provavelmente está se preparando para descer do iate neoliberal de Guedes e tentar subir no primeiro junco chinês que passar.
CONCLUSÃO
As transformações ocorrerão rapidamente. Notícias pipocarão de todas as partes como a que leio hoje "China tira do Brasil o posto de maior parceiro comercial da Argentina"
Infelizmente a imprensa brasileira se dedica à divulgação de novelas do tipo Moro x Bolsonaro. Assuntos relevantes que vão efetivamente modificar o futuro do país e seu povo não são estudados e divulgados.
Vejam o que disse o artigo do The Economist "Em todo o mundo a opinião pública está se afastando da globalização". Podemos então concluir que o Brasil não faz parte do mundo pois a opinião pública brasileira sequer soube da existência da globalização e muito menos de seu declínio.
Fiquemos então com a frase de Harriet Tubman (1822-1913) "Libertei mil escravos. Poderia ter libertado outros mil se eles soubessem que eram escravos"
Cláudio da Costa Oliveira
Economista da Petrobrás aposentado
Comentários
O impacto nas indústrias mundo afora foi brutal....levando a uma gradual desindustrialização...sendo mais impactante em Países que não estavam consolidados tecnologicamente....esse é o nosso caso.
Se analisarmos de forma fria vemos que os chineses souberam surfar na onda e conseguiram tirar o País de uma pobreza generalizada e o levaram pro posto de 2a economia mundial com consequente melhoria da qualidade de vida da população - saúde, educação, infraestrutura, etc.
Em contrapartida não podemos negar que de uma certa forma...tiramos uma casquinha nesse processo com o agronegócio e hoje somos o celeiro do mundo....
Agora...estrategicamente a China enriquecida pela GLOBALIZAÇÃO partiu pra garantir sua segurança alimentar e de matérias primas básicas (petróleo, minério de ferro, terras raras, etc) que possam garantir a continuidade de seu crescimento...
E é aí que nos entramos....não é a toa que despejaram no Brasil U$ 100 bi desde 2007.
Cientes de nossa posição importante nesse cenário nos cabe agora ir na "rabeira da onda chinesa" e procurar mesmo que tardiamente tirar proveito da China...o maior fruto da globalização, ganhando dinheiro (como eles ganharam...) e aplicando pra incrementar o nosso parque industrial...a nossa infraestrutura, a saúde, a educação, enfim seguir a mesma receita deles.
Eles não terão dos EU, Europa, etc a mesma escala e segurança que terão conosco...e esse é o nosso grande trunfo.
Mais uma vez....parabéns pelo texto.